Regulamentação endurece os cuidados com o transporte de linhas base solvente

Depois de alguns anos de inquietação, entrou em vigor a regulamentação oficial para o transporte terrestre de produtos perigosos. O setor de tintas e vernizes, apontado como um dos principais alvos, por causa do alto volume movimentado anualmente, acabou passando quase incólume pela saraivada de resoluções e portarias. Os efeitos serão sentidos nos produtos vendidos às indústrias e nas linhas de base solvente. A venda de solventes, tíneres e diluentes em geral exigirá adaptações mais severas, que também se refletirão no mercado de adesivos (base solvente).

Diferente dos modais aéreo e marítimo, que contavam com regulamentação há mais tempo, o transporte terrestre de produtos químicos merecia alguma atenção, em especial para atender às recomendações da Organização das Nações Unidas (ONU), constantes do famoso Orange Book. Com essa mentalidade, foi publicada em 12 de fevereiro de 2004 a Resolução nº 420 da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), revisada pela Resolução nº 701 (25/08/2004) e atualizada pela Res. nº 1.644 (26/09/2006).

Esse arsenal legislativo, após algumas postergações, fixou em 25 de janeiro de 2008 a data limite para a venda de embalagens novas não certificadas para produtos enquadrados como perigosos. Foi concedido um prazo de seis meses para que os fabricantes de tintas, adesivos ou solventes possam consumir as embalagens adquiridas até a data limite e mantidas em seu estoque. Dessa forma, a fiscalização nas estradas levantará a situação de cada produto e embalagem, aplicando as sanções adequadas ao descumprimento das normas. As últimas dúvidas terminológicas foram esclarecidas pela Portaria nº 8 do Inmetro (11/01/2008).

A versão inicial dos regulamentos dava margem a uma interpretação rigorosa dos produtos e embalagens. Ou seja, quase todos os produtos químicos e seus derivados seriam enquadrados como perigosos e seria preciso modificar radicalmente seus contenedores. A reação do setor de tintas foi rápida e eficaz.

“Comparecemos às reuniões convocadas pela ANTT e Inmetro, nas quais verificamos que esses órgãos sempre estiveram abertos a discutir aspectos técnicos e a negociar pleitos para manter viável o setor”, comentou Roberto Ferraioulo, presidente do Sindicato da Indústria de Tintas e Vernizes do Estado de São Paulo (Sitivesp). Contando com o apoio da consultoria Concepta D.G. Compliance, detentora do primeiro laboratório de ensaios de embalagens de produtos perigosos acreditado no Brasil, conseguiu reunir todos os segmentos interessados na questão: os fabricantes de embalagens metálicas (representados pelo Sindicato Nacional de Estamparia de Metais), produtores de tintas e até a indústria coureiro-calçadista (por meio da Assintecal), grande consumidora de adesivos. Coube ao grupo avaliar tecnicamente todos os aspectos envolvidos e discutir com os órgãos oficiais a aplicação das normas.

O primeiro passo foi realizar um levantamento estatístico dos acidentes durante o transporte de tintas e vernizes, além da caracterização das principais linhas de produção e suas embalagens típicas. “Com base nesses estudos, comprovamos que o histórico do setor era favorável e que a maior parte da produção não representava riscos nem ao ambiente, nem à população”, afirmou Ferraioulo. A argumentação se apoiou no fato de as tintas de base aquosa não conterem solventes derivados de petróleo, não sendo inflamáveis, nem explosivas em caso de incêndio do veículo de transporte.

A regulamentação da ONU, porém, não deixa claros quais os produtos perigosos e os inofensivos. “Uma interpretação restritiva, feita com base no potencial de dano quando uma grande quantidade de um produto é derramada em um corpo de água, não permitiria isso, mas, nesse caso, até o transporte de leite seria considerado perigoso”, comentou Sérgio Couto, diretor da Concepta e especialista em embalagens. “Atualmente, a própria ONU recomenda diferenciar os produtos mais agressivos dos menos perigosos.”

O especialista explicou que a regulamentação leva em consideração o grau de periculosidade do item embalado para determinar o volume máximo que pode ser transportado por um veículo de carga ou por embalagem interna. Esses limites são listados na coluna 8 da relação de produtos perigosos da Resolução nº 420. Por exemplo: um veículo carregado com tintas classificadas no grupo 2 só poderá transportar o máximo de 333 kg, independentemente do tamanho de cada embalagem simples adotada (e todas elas devem ser certificadas). Porém, o mesmo produto poderá ser transportado em latas não certificadas, desde que elas não tenham capacidade isolada para mais de cinco litros e estejam acondicionadas dentro de outra embalagem (uma caixa de papelão, por exemplo). 

As tintas de base aquosa, que representam 83% das vendas de tintas para a construção civil, segmento que absorve 65% do volume total de tintas no mercado brasileiro, não são consideradas produtos perigosos e, por isso, não se sujeitam a esses limites, dispensando embalagens certificadas. Mesmo as tintas de base solvente podem dispensar a certificação de embalagens, desde que sejam transportadas em unidades de menos de cinco litros (um galão tem 3,6 litros) e recebam uma embalagem adicional. Couto salienta que o uso de paletes e recobrimento com filmes encolhíveis não caracteriza uma embalagem combinada, mas é classificada como unitizada ou “sobreembalagem”, sendo também aceita pela resolução.

Toda a movimentação dos elos da cadeia produtiva visou a evitar um grave dano ao mercado de tintas e vernizes. “A maior parte da produção é commoditizada, com preços baixos, e a adoção de uma embalagem duas vezes mais cara teria impacto nas vendas”, considerou Ferraioulo. Ele também explicou que os fabricantes de latas também seriam incapazes de atender à demanda por embalagens certificadas no prazo desejado pelos órgãos oficiais, levando o setor ao colapso. “Trocar de embalagem não é fácil como trocar de camisa. Muitas adaptações e investimentos precisam ser feitos até mesmo na indústria de tintas”, disse. Ele avalia o preço de uma lata de 18 litros certificada em torno de R$ 10 a R$ 12 por unidade, ou seja, entre 50% e 100% acima das convencionais. Para tintas premium, com preço de mercado entre R$ 150 e R$ 200 por lata, essa variação é pouco importante. Mas para artigos como tintas de baixo custo, diluentes e tíneres, o acréscimo de custo é crítico. Ele salientou o esforço da Metalgráfica Renner para projetar uma lata certificável e, depois, licenciar duas produtoras paulistas para que pudessem confeccioná-la.

Couto salienta que a certificação já provocou mudanças no mercado brasileiro de embalagens. A começar pelos produtos de uso industrial. “Nessas linhas, mesmo nas tintas, a migração para recipientes certificados está sendo feita rapidamente”, verificou. Uma vantagem: os tambores de boca larga com cinta metálica certificados dispensaram as folhas plásticas internas e apresentaram vantagens econômicas para aposentar os velhos baldes tipo aranha.

No mercado global de embalagens, a evolução pode ser medida pelos resultados dos ensaios de resistência conduzidos pela Concepta. “Em 2005, entre 70% e 75% das embalagens que testamos foram reprovadas por falhas diversas, mas atualmente o índice de reprovação fica por volta de 30% a 35%, o que evidencia um aumento sensível de qualidade”, afirmou Couto.

O especialista entende que a aprovação de embalagens não ficará restrita aos regulamentos atuais. Ela aponta novas pressões para o aumento da qualidade oriundas de normas internacionais, como o Reach/GHS, e posturas setoriais como Responsible Care e Coatings Care. “A pressão é constante e vai aumentar no mundo todo”, disse.

Opções disponíveis – Da parte dos fabricantes de embalagens metálicas, não haveria maior problema em atender aos requisitos impostos pela ANTT. As duas maiores fornecedoras do setor de tintas, a Prada e a Brasilata, oferecem mais de uma alternativa para os interessados. A tradicional Companhia Metalgraphica Paulista (CMP) também desenvolveu uma lata reforçada de 18 litros em condições de certificação. Todas, porém, precisam receber encomendas firmes dessas embalagens para montar linhas de produção em alta escala, mediante pesados investimentos, com o objetivo de fabricá-las com um custo razoável.

Autor: Química e Derivados – Marcelo Fairbanks