NA MÍDIA – Prefeitura de SP subsidia 2 milhões de passageiros da Grande SP


Jornalista Leão Serva, da Folha de SP, aponta prejuízo que prefeitura sofre por uma série de fatores: ausência de autoridade metropolitana, falta de equilíbrio na política tarifária na RMSP e ausência da Cide

O jornalista Leão Serva, em sua coluna hoje (dia 6/11) na Folha de SP, volta a um assunto recorrente: o desequilíbrio do sistema tarifário dos transportes coletivos na região metropolitana de São Paulo.

O tema, que vem sendo debatido por especialistas há alguns anos, ficou mais evidente este ano após uma série de fatores, como o congelamento tarifário e a crise econômica, que exigiriam maiores desembolsos da prefeitura paulistana para equilibrar as contas da SPTrans. O rombo, que já existia, ficou maior, e portanto precisa ser não só explicado como resolvido.

Serva lembra que numa cidade de 12 milhões de habitantes, metade deles se desloca diariamente em ônibus municipais, sendo eu os coletivos locais conduzem outros 2 milhões de passageiros da região metropolitana de São Paulo.

Para carregar tanta gente – ele equipara o volume humano à soma dos habitantes das capitais Rio e Curitiba – a cidade precisa de 15 mil ônibus, distribuídos em 1.300 linhas, percorrendo 80 milhões de km/dia.

Vamos às contas: essa megaestrutura custará R$ 8 bilhões em 2017, informa o jornalista. Dos passageiros que pagam tarifa (a R$ 3,80), e não são todos – há muitas gratuidades –, arrecada-se R$ 5 bilhões (ou 62% de todo o custo). Logo, restam 38% para a prefeitura cobrir, ou R$ 3 bilhões/ano, dinheiro que sai da arrecadação municipal, proveniente de impostos como IPTU, ISS e IPVA. Como lembra Leão Serva, imposto pago pelos paulistanos.

Refazendo as contas: se ao invés de cobrir a diferença, a prefeitura simplesmente dividisse o custo do sistema por todos que dele se utilizam (e pagam), a tarifa sairia por R$ 6,10. Logo, para não aumentar a tarifa, nem arrombar os cofres municipais, desviando receitas de outras fontes, resta à prefeitura buscar outras receitas, lembra Leão.

Neste ponto, o jornalista volta à história recente, mal lembrada e pouco registrada pela própria imprensa (com exceção do jornalista, que sempre traz este tema à tona). E cita duas formas simples e justas de equilibrar o sistema público de transporte coletivo nas metrópoles.

O primeiro é a Cide – Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, imposto que a União cobra de todos os consumidores de combustível do país e que “deveria servir para diminuir os efeitos da poluição”, aponta Leão Serva.

“De cada cinco carros brasileiros, um é da capital paulista. Não há nada que reduza mais a poluição do que o transporte público. Mas o governo federal suga o sangue paulistano como um vampiro e não devolve nada para os coletivos da cidade”, cutuca o jornalista.

Neste ponto, Serva lembra duas iniciativas recentes para que a Cide fosse usada em benefício não só do meio ambiente, como, em consequência, dos paulistanos: a primeira do então prefeito Kassab, que pediu ao então presidente Lula o repasse de parte da Cide para as capitais reduzirem tarifas. Não só não foi atendido, como foi solenemente ignorado. Depois, Fernando Haddad levou a mesma ideia a então presidente Dilma Rousseff, que igualmente a rejeitou.

Leão Serva sugere agora que o atual prefeito João Doria agarre esse bastão e exija que Michel Temer “adote a medida em nome da justiça tributária e da importância do transporte público”.

A segunda iniciativa, segundo o jornalista, diz respeito às cidades vizinhas, que “também se acostumaram a montar no lombo dos paulistanos”. Ele lembra os números que citou logo na abertura de seu texto: “diariamente, 2 milhões de passageiros (25%) vêm de fora da capital. Como a tarifa é parcialmente coberta pela prefeitura, esses vizinhos ganham dos paulistanos um presente de R$ 2,30 por viagem com Bilhete Único”.

Acontece aí, portanto, uma espécie de “transferência involuntária” de receita, que corresponderá a R$ 750 milhões em 2017. Leão foi ouvir técnicos da SPTrans, que calculam um número menor: 1,6 milhão, ou 20%. Mesmo assim, ele afirma, isso significa um subsídio de R$ 600 milhões que a prefeitura de SP concede às prefeituras vizinhas.

Ele sugere então uma maneira da capital reduzir esse repasse: condicionar o desconto na tarifa exclusivamente a quem tem residência em São Paulo. Para quem vem de fora, seria obrigatório pagar uma passagem mais cara.

Outra alternativa, segundo Leão Serva, seria as outras prefeituras da Região Metropolitana assumirem o subsídio de seus moradores quando estes vêm a São Paulo, o que pode ser feito com o uso do bilhete Bom, que vigora em outras cidades da região. Outra forma ainda seria o governo estadual usar impostos que arrecada na Grande São Paulo para harmonizar custos e tarifas.

Em qualquer um dos casos sugeridos, lembra Leão Serva, será preciso resolver o grande problema que está por trás dessa celeuma: a ausência de uma autoridade metropolitana de transportes.

Para o jornalista, as outras cidades do entorno da capital têm recusado este debate, talvez, segundo ele, “exatamente porque revelaria a disparidade entre as várias tarifas”.

Para Leão, o subsídio ao Bilhete Único melhora a distribuição de renda, a mobilidade urbana e o controle de poluição. Ele não pode ser um problema, e nem é justo “que os moradores da capital paguem por um benefício a seus vizinhos”.

SOBRE AUTORIDADE METROPOLITANA:

Fomos ouvir Ivan MetranWhately, planejador de Transporte e Diretor do Departamento de Mobilidade e Logística do Instituto de Engenharia, sobre a figura da Autoridade Metropolitana. Ele nos contou sobre o caso de Paris. Conversamos com ele a respeito do assunto, sobre o qual tem se debruçado nos últimos tempos.

“A cidade de Paris, capital da França, faz parte de uma região metropolitana, como São Paulo. A região onde fica Paris é conhecida como Île-de-France. Os municípios da região, com uma população de 11.9 milhões de habitantes, estendem-se por uma área de 12.000 km², por onde são realizadas cerca de 41 milhões de viagens por dia, sendo 8,3 milhões por transporte público. A diversidade de modos de transporte público (metrô, trem regional, VLT e ônibus), bem como de níveis administrativos de governo (departamentos, estabelecimentos públicos de cooperação intermunicipal e municípios), é coordenada por uma Autoridade Metropolitana de Transportes Públicos, chamada: STIF – Syndicat des Transports d’Île-de-France”.

Após descrever não só a região, como a diversidade de modais e de instâncias de poder, Ivan explica como funciona a Autoridade Metropolitana (STIF) constituída há alguns anos para gerir toda a região:

“O STIF tem competência sobre os modos de transporte público na região de Île-de-France, coordenando as ações de: planejamento da mobilidade; tipos de serviços; níveis de oferta; direcionamento dos investimentos para modernização e expansão das redes; contratação e fiscalização das empresas operadoras; instituição das tarifas e os objetivos em matéria de qualidade de serviço. Mais: o STIF estabelece as prescrições para a integração intermodal, organiza o processo participativo, escolhe a operadora, atua como financiador de muitos projetos e pode delegar a realização de alguns deles”.

Perguntei a ele se o município está acima da Autoridade Metropolitana, ao que ele me respondeu:

“Não há, na região, sociedade operadora, ou município, com linha ou rede de transporte público funcionando isoladamente. As operadoras, dos diversos modos de transporte, são coordenadas pelo STIF, mas mantêm seus patrimônios, ou seja: as linhas de Metrô pertencem à empresa RATP; as de Trens Regionais à SNCF; as de VLT às empresas RATP, SNCF e Transdev; os ônibus às RATP e Optile.

Os passageiros de um município ou de uma operadora são usuários da rede multimodal integrada sem distinção de nível administrativo de governo ou de empresa. Os cidadãos podem exercer o direito de uso à cidade e acessar com regularidade qualquer parte da região. Os modos de transporte se complementam de forma a suprir os vazios urbanos não atendidos pela rede estruturada de grande capacidade. Além disso, os passageiros, dessa rede abrangente, desfrutam de tarifas integradas e comunicação homogênea para se locomover pela região de maneira digna e segura”.

Mas quanto tudo isso começou?

“As atividades do STIF começaram em 1959, quando sua administração foi dirigida pelo Governo Central da França, que detinha a maioria dos representantes no Conselho de Administração, além da Presidência. Após 2005, houve um afastamento dos representantes do Governo Central e um Conselho Regional assumiu a maioria dos representantes, composta por 29 membros e um presidente. Essa forte governança regional foi reforçada pela introdução de dois novos membros: um representante dos agrupamentos intermunicipais da região Île-de-France (EPCI) e outro representante dos agentes econômicos, nomeado pela Câmara Regional do Comércio e da Indústria (CRCI). O STIF não é uma exceção no mundo. Em geral, as aglomerações conurbadas dispõem de um consórcio ou de uma organização metropolitana coordenadora e integradora dos transportes públicos”.

É possível fazer um comparativo entre o STIF e RMSP?

“Analogamente à região de Île-de-France, a cidade de São Paulo – Brasil, também faz parte de uma aglomeração urbana, regulamentada como: Região Metropolitana de São Paulo. Os municípios da região, com uma população de20 milhões de habitantes, estendem-se por uma área de 8.000 km², por onde são realizadas cerca de 44 milhões de viagens por dia, sendo em torno de 16 milhões por transporte público. Essa região, de conformação parecida com outras aglomerações conurbadas pelo mundo, tem uma diversidade de modos de transporte (metrô, trem regional, monotrilho e ônibus), bem como de níveis administrativos de governo (estado, região metropolitana e municípios). Contudo, diferentemente de Paris e de outras grandes aglomerações, não é coordenada por uma autoridade integradora da mobilidade. Cada município é autônomo e tem suas linhas e redes de transporte, assim como o Estado, isoladamente, também, tem as suas. Tudo funcionando no mesmo território.

Em níveis distintos de governo, as administrações planejam, financiam, constroem, operam, avaliam o desempenho dos serviços e instituem tarifas nas suas respectivas linhas ou redes de transporte público, sem qualquer entidade ouvir as outras. E o que é mais surpreendente, sem ouvir quaisquer representantes das comunidades regionais ou dos agentes econômicos, quais sejam: do Comércio e da Indústria. Inconcebível não haver, nem mesmo, a instituição de um Conselho Regional – previsto em lei – para opinar sobre os níveis de oferta dos serviços, valor das tarifas e equilíbrio financeiro sustentável do sistema.

Algum progresso ocorreu na integração tarifária, pois se chegou a um ajuste entre município de São Paulo e Estado. Os bilhetes estão unificados nas redes dos dois níveis de governo, mas, há um detalhe de desagregação: o valor do bilhete é penalizado em 70%, quando o passageiro se transfere do ônibus para metrô ou ferrovia e vice-versa, enquanto não há acréscimo de valor se o passageiro permanecer no transporte do mesmo nível de governo para itinerário de qualquer distância. Outra incoerência: estão em andamento duas licitações: uma da rede de ônibus do município de São Paulo, a qual transporta mais passageiros por dia que a rede sobre trilhos, e outra da rede metropolitana, gerida pela EMTU, sem que haja estudos de integração entre as redes metropolitanas, interface entre os níveis administrativos atuantes na região e tampouco qualquer participação da sociedade organizada.

A enorme rede, com vários modos de transporte, controlada isoladamente por vários níveis de governo não é ilegal, mas conviver com a quebra da coordenação da mobilidade é o mesmo que institucionalizar a Desautoridade Metropolitana de Transporte Público”.

Autor: Diário do Transporte