Qualidade Total e a Norma de Desempenho em Edificações

O conceito de qualidade é bastante abrangente, principalmente quando voltado a produtos específicos, dentre eles as edificações. O conceito de qualidade expresso pelos dicionaristas informa que é substantivo feminino, que vem do latim: qualitas, qualitatis, e é o que caracteriza alguma coisa, propriedade, atributo ou condição das coisas, essência, natureza, nível de satisfação alcançado pelo produto ou serviços no atendimento ao usuário, a conformidade com os requisitos, e por aí vai. Enfim, pode-se entender a qualidade como o conjunto de propriedades de um produto que permita ao usuário julgar se o mesmo corresponde ou não, ou mesmo supera sua expectativa, além do atendimento, ou não, das exigências legais.

E com base nessa reflexão preliminar, pode-se iniciar esse estudo com base na seguinte indagação:

Quais são as propriedades e exigências legais da qualidade em edificações no Brasil?

As principais exigências legais sobre a qualidade em edificações estão consignadas no código do consumidor, no código civil e nos códigos de obras municipais, sem embargo de outras e, também, nas normas técnicas da ABNT, dentre elas a recente norma de desempenho em edificações habitacionais, conhecida como nbr 15.575/13.

As determinações legais referentes à qualidade dos produtos evoluíram acentuadamente após a sanção da lei federal nº 8078, de 11 de setembro de 1990, mais conhecida como Código do Consumidor. O art. 4 item I d) desse código estabelece como princípio “a garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”, ou seja, imprescindível o atendimento do requisito qualidade para o cumprimento da lei. E o artigo 39 item VIII também estabelece que é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO.

Dessa forma, seguem os fabricantes de materiais, construtores, incorporadores e demais segmentos da indústria imobiliária na busca do aprimoramento da qualidade, não só para atender a legislação e respectivas normas técnicas, mas, principalmente, como requisito fundamental para manter a competitividade exigida pelo mercado globalizado.

O conceito de Qualidade Total, sob a ótica do consumidor, foi estabelecido como a adequação do produto ao uso, consoante W. Edwards Deming e J.M. Juran, principais precursores dessa disciplina.

Sabe-se, ainda, que a obtenção de Qualidade Total implica na necessidade do aprimoramento contínuo dos projetos, processos, produtos e pessoas, que se inicia na identificação de um problema e sua causa primária, consoante a filosofia japonesa Kaizen. Partindo da trilogia Juran (planejamento, controle e aprimoramento) e do ciclo W. Deming (pesquisa, projeto, produção e vendas) quanto às etapas básicas para o aprimoramento contínuo, os japoneses criaram o ciclo PDCA ( Plan-Planejamento, Do-Execução, Check-verificação e Act-ação corretiva) para tal dinâmica de trabalho, resultando no sucesso mundialmente conhecido. 

E os princípios que orientam a Qualidade Total são os seguintes:

1) Propósitos permanentes para a melhoria do produto ou serviço, visando à competitividade e criação de empregos;
2) Implantação de nova filosofia para a conscientização geral de responsabilidades e liderança no processo de transformação;
3) Substituição de procedimentos paliativos por atividades que visem à qualidade desde o primeiro estágio produtivo;
4) Substituição de práticas baseadas exclusivamente em preços por políticas de redução de custos;
5) Melhoramentos de práticas produtivas visando o aprimoramento da qualidade, produtividade e redução de custos;
6) Implantação permanente de treinamentos no local de trabalho;
7) Instituição do espírito de liderança junto às chefias;
8) Eliminação do medo visando atitude pró-ativa dos trabalhadores;
9) Eliminação de barreiras entre departamentos visando o objetivo comum da qualidade;
10) Substituição de metas “nível zero” à mão de obra por níveis plausíveis de produtividade;
11) Criação de programas de educação e auto-aprimoramento aos trabalhadores;
12) Inclusão de todos no processo de transformação visando à qualidade. 

A implantação de um programa de Qualidade Total implica no conhecimento e aplicação desses conceitos, procedimentos e princípios, mas também requer o atendimento de exigências específicas do produto em questão.

Quanto à qualidade da edificação no Brasil, o Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H) é referência de orientação ao produto imobiliário que, juntamente com a norma de desempenho da ABNT, recomenda o cumprimento das seguintes conformidades: 

EXIGÊNCIAS DOS USUÁRIOS

– SEGURANÇA
< estrutural
< contra incêndio
< no uso e operação

– HABITABILIDADE
< estanqueidade
< conforto térmico
< conforto acústico
< conforto lumínico
< conforto tátil e antropodinâmico
< saúde, higiene e qualidade do ar
< funcionalidade e acessibilidade

– SUSTENTABILIDADE
< durabilidade e manutenabilidade
< adequação ambiental

EXIGÊNCIAS DA SOCIEDADE E AMBIENTAIS

– RESPEITO AO MEIO AMBIENTE
< coleta e disposição de resíduos (esgoto e lixo)
< adequado direcionamento de águas pluviais e fluviais
< respeito à flora e fauna nativos

– HARMONIA COM O ENTORNO
< compatibilidade do projeto com as condições locais, de forma a valorizar o contexto urbano

– HARMONIA INTERNA
< adequado dimensionamento de vias de circulação e áreas verdes
< tratamento de fachadas e muros
< paisagismo de praças e jardins
< espaço para lazer

Considerando-se que no item sustentabilidade do PBQP-H e também na norma de desempenho estão incluídas a durabilidade e manutenabilidade, mas sem o apontamento dos requisitos da Manutenção, deve-se incluir essas conformidades nos estudos da qualidade edilícia. Valendo destacar que a Manutenção se constitui das atividades que garantem o máximo de disponibilidade e confiabilidade dos sistemas prediais com manutenabilidade e ao menor custo possível, sempre atendendo aos imprescindíveis requisitos com a segurança e meio ambiente. Para tanto imprescindível a realização de inspeções prediais nas edificações em uso ou mesmo na garantia, mesmo não havendo norma da ABNT nesse sentido. Mas pode-se adotar as Diretrizes de Inspeção de Manutenção Predial do Instituto de Engenharia. Assim sendo, as conformidades de manutenção a serem avaliadas, portanto, podem ser as seguintes:  

EXIGÊNCIAS DE MANUTENÇÃO
< disponibilidade como função da manutenção satisfatória em prazo determinado
< confiabilidade como funcionamento sem falha em período determinado
< manutenabilidade como facilidade com que se efetuam reparos e outras atividades da manutenção
< custo baixo
< segurança e proteção ao meio ambiente

Isto posto, procedendo-se à interpretação e análise dos conceitos, princípios e exigências práticas para a obtenção de qualidade predial, pode-se concluir que:

A simplicidade desse conceito contrasta com a complexidade da realidade prática na busca pela Qualidade Predial. São escassos os estudos específicos e casos práticos de Qualidade Predial Total, pois a indústria imobiliária diferencia-se das demais, sendo cada prédio um produto único, devido às suas características intrínsecas. Percebe-se, portanto, a dificuldade teórica do tema e mais ainda a sua aplicação. A indústria imobiliária é permanentemente móvel, impossibilitando padronização absoluta e ambientação controlada no decorrer da produção, o que implica em projetos específicos para cada prédio, além de outras particularidades diferenciadas em relação ao processo industrial tradicional, tais como a produção exposta ao tempo, materiais semi-industrializados ou até mesmo artesanais, mão de obra despreparada, legislação desfavorável e falta de incentivo governamental. Tais particularidades e outras, evidentemente, são enormes complicadores para a obtenção da almejada Qualidade Predial Total, pois os imprevistos e obstáculos são praticamente inevitáveis, implicando ordinariamente em atrasos e não-conformidades.

No entanto, muito vem sendo feito para o aprimoramento do produto imobiliário no Brasil, podendo-se citar a implantação da norma brasileira de Desempenho de Edifícios, pela ABNT, possibilitando o aprimoramento do planejamento e execução do produto imobiliário, mas com pouca abordagem sobre os itens verificação e ação corretiva do ciclo de qualidade PDCA, também imprescindíveis na busca pela Qualidade Total, consoante exposto anteriormente. 

O preceito de que “quem produz não reúne total isenção para controlar”, apresentado pelo Prof. Ercio Thomaz na sua obra “Tecnologia, Gerenciamento e Qualidade na Construção”, Ed. PINI-2001 evidencia que os preceitos da norma de desempenho precisam ser avaliados por profissionais especializados.

O cumprimento das regras de Qualidade Total combinado com o atendimento às complexas exigências elencadas pelo PBQP-H e norma de desempenho da ABNT, portanto, implicam na necessidade de uma programação abrangente, desde a concepção preliminar do produto, posterior promoção e ainda nas fases do planejamento, projeto, execução, entrega e manutenção (PPEEU). Além do planejamento esmerado é necessário avaliar a implantação e desenvolvimento de cada etapa do processo, recomendando-se adotar os preceitos da Engenharia Diagnóstica como ferramenta para essa avaliação, visando a Qualidade Total.

A Engenharia Diagnóstica, portanto, pode ser entendida como a investigação técnica minuciosa, através dos diagnósticos, prognósticos e prescrições técnicas, visando qualidade total, avaliando tecnicamente cada fase do processo, determinando as causas das não-conformidades, medindo desempenho em relação a padrões de referência (Benchmarking) e sugerindo ação pró-ativa para o aprimoramento do processo (Reengenharia), tudo em consonâncias aos requisitos essenciais preconizados pela Qualidade Total, representados pela redução de defeitos, melhoria da produtividade, melhoria ao atendimento e inovação.

E a avaliação da qualidade e desempenho pode ser desenvolvida pelo método dos cinco passos, através das ferramentas da Engenharia Diagnóstica, cujo fluxograma segue abaixo, para melhor visualização: 

E a avaliação da qualidade edilícia, através do desempenho e durabilidade da edificação, consoante os preceitos técnicos e também daqueles recomendados pela recente norma NBR 15.575/13 da ABNT, requer uma sistematização de procedimentos, sendo imprescindível se avaliar cada etapa construtiva e analisá-las conjuntamente na avaliação geral do desempenho edilício. 

Portanto, as avaliações dos índices técnicos do desempenho, nas diversas etapas construtivas, são fundamentais para se compreender os eventuais desvios, buscar formas de correção, medir, controlar e buscar melhoria contínua, através das ferramentas da Engenharia Diagnóstica em Edificações.