A qualidade da água do rio Doce após o rompimento da barragem da Samarco

O Rio Doce é um dos maiores e mais importantes rios da região sudeste do país com uma área de drenagem de 86 715 km². Com cerca de 879 km de extensão, nasce nas serras da Mantiqueira e do Espinhaço, banha os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e deságua no Atlântico na praia de Regência no município de Linhares. O relevo da bacia é ondulado, montanhoso e acidentado. A população da Bacia do Rio Doce, estimada em torno de 3,5 milhões de habitantes, está distribuída em 228 municípios, sendo 202 mineiros e 26 capixabas.

Em 5 de novembro, numa quinta-feira, a barragem de rejeitos do Fundão (“Tailing”), inaugurada 7 anos atrás, de propriedade da Samarco, importante mineradora de ferro da região de Mariana, se rompeu levando junto parte dos rejeitos depositados na barragem de Santarém localizada a jusante despejando cerca de 50 milhões de m3 de uma lama vermelha no rio Gualaxo do Norte devastando quase totalmente o distrito de Bento Gonçalves distante cerca de 15 km do local e prosseguindo como um verdadeiro tsunami em direção ao rio do Carmo, formador, juntamente com o rio Piranga, do rio Doce no qual penetra misturando-se com suas águas tornando-as agora avermelhadas até sua foz distante cerca de 670 km do epicentro do desastre. Esta mancha chegou ao oceano dia 21 de novembro, 16 dias após o rompimento. 

O “tailing” tinha uma capacidade licenciada de 90 000 toneladas de rejeitos, sendo que no momento do acidente abrigava cerca de 55 000 toneladas. Recebia a polpa de minério da Usina representada por uma suspensão de estéril, cujos sólidos decantavam na barragem sob a forma de uma lama de coloração avermelhada contendo substâncias diversas como óxidos e carbonatos metálicos incluindo o próprio óxido de ferro não recuperado na Usina. A fase líquida sobrenadante era recirculada de volta ao processo. 

O acidente, considerado o de maior impacto ambiental até hoje ocorrido no Brasil, deixou um saldo até agora de17 mortos e ainda dois desaparecidos (dados de 15 de dezembro) além da destruição de casas e de uma parte ainda não mensurável da fauna aquática do rio Doce, seus formadores e da zona costeira lindeira. 

Decorridos um mês após o acidente, a pluma de contaminação no mar atinge 57 km ao norte, 17.5 Km ao sul e 18 km mar adentro numa área de abrangência de 230 km2. 

Em seu curso, o rio Doce banha importantes cidades ribeirinhas como Ipatinga, Governador Valadares, Conselheiro Pena, Resplendor e Aimorés no Estado de Minas; Baixo Guandu, Colatina e Linhares , no Estado do Espírito Santo, todas elas abastecidas pelas águas do rio Doce.

Governador Valadares, em Minas, maior município do vale do rio Doce, com cerca de 280 000 habitantes,distante 260 km da barragem, foi a primeira grande cidade a sentir os efeitos da onda de água e lama.

Para se ter uma ideia do impacto, o pico de vazão registrado às 9h20, do dia 9 de novembro, segunda- feira, na Usina Hidroelétrica de Baguari distante cerca de km de Governador Valadares foi de 760 m3/s ante uma descarga de 126 m3/s registrada logo após a passagem da onda que levou 16 horas para chegar à zona urbana na madrugada do dia 10 de novembro. (A vazão mínima Q7,10 do rio Doce em Governador Valadares é de 175 m3/s.).

A primeira onda de lama mais densa chegou em Baguari por volta das 9h20 da última segunda-feira e gastou 16 horas para entrar na zona urbana de Governador Valadares.

De imediato, a atitude das autoridades sanitárias das cidades ribeirinhas dos dois Estados foi a de suspender preventivamente, e de imediato, as captações de água no rio Doce fornecida à população após tratamento convencional visto que a aparência da água do rio Doce tinha se alterado radicalmente apresentando-se com uma cor avermelhada densa e com alta turbidez mesmo com toda a diluição disponível no rio. 

O quadro era agravado mais ainda pelo estado deplorável da vegetação ciliar das margens e a morte de peixes e animais da mata. Além disso, as notícias veiculadas pela mídia reproduzindo entrevistas de autoridades e ambientalistas davam conta que o rejeito derramado era uma lama tóxica composta de vários metais pesados carcinogênicos e outras qualificações.

Diante deste fato, foram tomadas soluções alternativas emergenciais, algumas delas pouco práticas, para suprir a população com água a partir de outras fontes como a captação de água subterrânea (alguns poços chegaram a ser perfurados), fornecimento de garrafas de água mineral, disponibilização pela Samarco de duas ETAs móveis com capacidade para 120 l/s para Governador Valadares, além de se tentar reativar ou mesmo construir algumas captações em outros mananciais afluentes do rio Doce.
Em paralelo, outras medidas foram tomadas, algumas delas esdrúxulas como a da tentativa de colocação de barreiras de contenção, apropriadas para reter óleo derramado superficialmente e não para “estancar” a pluma de turbidez de forma a que não atingisse o oceano! Ou a utilização de vagões-tanques da ferrovia da Vale pra trazer água de locais e de qualidade incerta, difícil de comprovar

Entretanto, as melhores atitudes pelo seu cunho prático foram tomadas pelos sanitaristas, técnicos e engenheiros, funcionários responsáveis pelos serviços de abastecimento de água destes municípios, a ponto que decorridos nove dias do acidente as cinco ETAs de Governador Valadares já estivessem operando.

Isso foi possível porque enquanto suspensas as captações, os laboratórios das Estações de Tratamento de Água (ETAs) das cidades afetadas estavam procurando viabilizar tecnicamente quais produtos químicos dariam conta de um tratamento de uma água com tal nível de turbidez e se o produto resultante (água tratada) estaria em conformidade com as normas da Portaria 2914 do Ministério da Saúde.´

Baixo Guandu foi o primeiro município do Espírito Santo banhado pelo rio Doce a receber a onda de turbidez carreada pelo rio Doce. Isto ocorreu às 22 horas do dia 9 de novembro. Entretanto, técnicos do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) do município, pari passu aos fatos, encetou já no dia seguinte uma campanha de amostragem em três pontos do rio Doce localizados a montante do município. 

A primeira coleta, feita na altura do município de Galileia (MG) situado a montante de Baixo Guandu e a jusante de Governador Valadares mostrou uma água de transparência límpida ainda não afetada pela lama. A segunda, coleta, feita a 10 quilômetros a jusante de Valadares, já com aparência turva (suja). A terceira amostra foi a da própria lama coletada no rio Doce no centro de Governador Valadares.

Alguns dos resultados dos parâmetros físico químicos da lama, incluindo metais, são apresentados a seguir. Atente-se, no entanto, que esta lama não é a lama depositada originariamente na barragem não possuindo, em consequência, as mesmas características quantitativas originais devido a decantação e diluição ocorrida ao longo dos rios desde a barragem da Samarco. 

Ressalte-se, (a julgar pelos resultados apresentados e como recomendam as boas normas de coleta e análises) que as análises foram feitas nas amostras onde conviviam a fase sólida e a fase líquida, ou seja abrangeram sólidos em suspensão incluido os já sedimentados (após homogeinização), e os dissolvidos. 

Desta forma, metais como o Ferro Total, Manganês Total, Alumínio Total acusaram altíssimas concentrações, 3 914 900 mg/l, 61,221 mg/l e 1 405 500 mg/L, respectivamente. Já as forma dissolvidas destes mesmos metais foram, respectivamente: 2,784 mg/L e 1,752 mg/l. (Não é disponível o resultado de Manganês solúvel nesta amostra). Isto significa que a maior parte destes metais ocorrem na forma de sólidos em suspensão separáveis pelos métodos de tratamento convencional de água. 

Outros metais e metaloides analisados e seus resultados foram os seguintes:
Arsênio 2,6394 mg/l; Bário Total 5,385 mg/l; Cádmio 0,0010 mg/L; Chumbo 1,03 mg/L; Cobre dissolvido 0,0103 mg/l; Mercúrio Total <0,00010 mg/l; Níquel Total 1,275 mg/L; Zinco Total 2,029 mg/L; Cromo Total 3,484 mg/L; Fósforo Total 35,190 mg/L e Vanádio 3,734 mg/L 

A título comparativo, apresenta-se os resultados destes mesmos parâmetros nas amostras de água coletadas nos Pontos 1(água límpida) e 2 (água turva).

Os resultados demonstram uma alteração nos níveis de metais na água bruta na água afetada, notadamente quando se trata de metais totais, principalmente Ferro, Alumínio e Manganês.
Entretanto, com relação à turbidez, o próprio SAAE de Baixo Guandu atestou que os resultados das análises mostraram que ambas as amostras estavam dentro dos padrões permitidos para tratamento e posterior consumo. 

Diante de tal situação, os técnicos lotados nos laboratórios das ETAs se dedicaram a pesquisar através de ensaios de jar test os tipos de floculantes que melhor proporcionassem a remoção da matéria em suspensão e coloidal da água bruta do rio Doce nesta situação extrema. Nesta empreitada, contaram também com a cooperação das redes sociais que se prestaram a troca de informações entre os técnicos envolvidos destas e de outras cidades. 

Tiveram sucesso, e o resultado foi a reativação das ETAs em tempo recorde restabelecendo-se o suprimento de água à população das cidades afetadas dentro das normas da Portaria 2914 do Ministério da Saúde. 

Em 15 de dezembro de 2015, a ANA – Agência Nacional de Águas e o CPRM – Serviço Geológico do Brasil- divulgaram o seu relatório enfatizando que a água do rio Doce não está contaminada com metais tóxicos, (ao contrário do que muitos apressados(incluindo técnicos) apressadamente repetiam), com base no monitoramento de águas e sedimentos de 25 pontos desde Mariana até a foz do rio Doce em Linhares. 

As duas agências atestam ainda que “depois de adequadamente tratada pelas companhias de saneamento de forma a torná-la compatível com os padrões de potabilidade da Portaria 2914 do Ministério da saúdea água pode ser consumida sem risco”. 

O relatório dá conta ainda que “com relação à presença de metais pesados dissolvidos em água (cátions): Arsênio, Cádmio, Mercúrio, Chumbo, Cobre, Zinco entre outros , os resultados de 2015 são, de modo geral, similares a levantamentos da CPRM em 2010. Os valores obtidos nas coletas indicaram condições em conformidade com a Portaria 2914 do ministério da Saúde, exceto para o Manganês dissolvido que, no entanto, também pode ser tratado para padrões adequados ao consumo nas Estações de tratamento” e que “as amostras de água coletadas ao longo do rio Doce não evidenciaram a presença de metais dissolvidos em quantidades que possam ser consideradas como contaminadas”. 

As conclusões destas agências comprovam as correção das autoridades sanitárias dos SAAEs da região que num grande esforço puderam restabelecer o fornecimento de água minimizando as aflições por que passou a população destes municípios diante do maior desastre ambiental do Brasil agravada pela onda de boatos alarmantes, muitos deles perpetrados por pseudo técnicos. 

O impacto ambiental no meio antrópico aliado aos efeitos devastadores na fauna e flora da região e da zona costeira ribeirinha ainda se farão sentir por muitos anos. 

Quanto as causas do rompimento da barragem, sejam elas quais forem, não eximirá de responsabilidade todos os autores e atores envolvidos que deverão ser chamados. 

Como principal lição do desastre, ressalte-se notadamente a necessidade de se rever os critérios utilizados na construção dos futuros “tailings’ e alteamento dos já existentes de forma a se minimizarem os riscos.