Por José Eduardo Cavalcanti – O processo de desestatização da SABESP – Um sinal de alerta: O caso Thames Water

No processo de desestatização da SABESP de iniciativa do Governo do Estado de São Paulo, muitos sinais de alerta estão sendo emitidos em posição contrária pela comunidade técnica, tendo em vista as dificuldades e até mesmo o insucesso de iniciativas similares ocorridas no Brasil e no exterior.

Um destes “cases”, pelo seu porte, pela semelhança em muitos aspectos ao processo de privatização ora em curso e pela sua atualidade se refere às agruras por que está passando a empresa Thames Water (TWUL), o maior fornecedor de água da Grã-Bretanha.

Por conta da necessidade de se obter recursos financeiros para fazer frente ao incremento dos investimentos, bem como operação e manutenção dos sistemas de água e esgotos, em 1989, o goveno britânico privatizou a chamada indústria da água tendo o cuidado de introduzir controles financeiros e regulamentares rigorosos através do Office of Water Services (OFWAT), idealizada visando proteger os interesses dos consumidores, garantir a resiliência a longo prazo dos sistemas de abastecimento de água e de águas residuais e garantir que as empresas desempenhassem as suas funções e fossem capazes de as financiar.

Posteriormente, em 1991, com a promulgação da Lei da Indústria da Água o Governo adicionalmente criou a Environmental Agency (EA) e a Drinking Water Inspectorate (DWI), responsáveis, respectivamente, pela qualidade dos recursos hídricos e  pela qualidade da água potável.

O que está acontecendo agora com a Thames Water?

Segundo Wikipedia, a “Thames Water Utilities Ltd,(TWUL) conhecida como Thames Water, é uma grande empresa de serviços públicos privada responsável pelo abastecimento de água e tratamento de águas residuais na maior parte da Grande Londres, Luton, Vale do Tâmisa, Surrey, Gloucestershire, norte de Wiltshire, extremo oeste de Kent e alguns outras partes da Inglaterra. Tal como outras empresas de água, detém o monopólio nas regiões que serve.

Foi fundada em 1989 durante a privatização da indústria da água na Inglaterra e no País de Gales. O nome da empresa reflete o seu papel no atendimento à bacia de drenagem do Rio Tâmisa.Constitui na maior empresa de serviços de água e águas residuais do Reino Unido.

A Thames Water é responsável por uma extensa infra-estrutura de gestão de água que inclui o Thames Water Ring Main em torno de Londres, uma das maiores obras de tratamento de águas residuais da Europa e a primeira central de dessalinização em grande escala do Reino Unido – ambas em Beckton, em leste de Londres – e o esgoto Thames Tideway atualmente em construção.

Por dia, a empresa fornece 2,5  milhões de m3 de água potável e trata 4,6  milhões de m3 de águas residuais. Serve uma população de 15,5 milhões de pessoas – cerca de um quarto da população do Reino Unido.A empresa gerencia 109 mil quilometros de rede de esgotos, 5235 estações elevatórias, 1.5 milhões de bueiros em toda esta região”.

Como se nota, a quantidade de esgoto tratada é bem maior do que a água fornecida. Este fato se deve porque em algumas áreas, incluindo o centro de Londres o sistema de esgotos é unitário significando que as águas pluviais misturam-se com o esgotos sanitários antes de serem tratados nas estações de tratamento.

Em razão deste fato, as estações de tratamento de esgotos não estão conseguindo dar conta em receber as águas residuais que a elas afluem por ocasião das grandes tempestades de chuvas, cada vez mais frequentes, que causam grandes aumentos de vazões na rede acarretando, em decorrência, descargas generalizadas de esgotos brutos nos rios e praias devido aos transbordamentos.

Este fato se deve a falta de investimenos de forma a adequar o sistema de esgotos sanitários  aumentando a capacidade das estações de tratamnto objetivando atender as necessidades da população também quando da ocorrência destes eventos extremos.

Mas devido à política da Thames Water em priorizar seus acionistas e investidores em detrimento dos seus clientes, a Companhia está com sérias dificuldades de caixa para fazer frente às suas obrigações contratuais. A empresa tem sido criticada por pagar dividendos substanciais aos acionistas e, ao mesmo tempo, contrair empréstimos, acumulando dívidas de 14 bilhões de libras.

Diante deste “imbroglio”, a OFWAT (que é considerada pela TWUL de ser rigorosa demais) se pronunciou revelando a existência, no contrato, de salvaguardas que garantem que os serviços aos clientes sejam protegidos independemente dos problemas enfrentados pelos acionistas da Thames Water.

A thames Water faz parte de um grupo de empresas conhecido como Kemble Water Group e pertence a um consórciode acionistas institucionais – principalmente fundos de pensões e fundos soberanos.

O grupo de credores da Kemble inclui o ING holandes, o Allied IrishBanks (AIB) e o Banco da China (estatal chines) e oBanco Industrial e Comercial daChina (ICBC). Os atuais acionistas incluem quatro grandes fundos de pensão e quatro fundos de investimento estrangeiros que, entre eles, detêm mais de 90% das ações da empresa.

Recentemente, segundo os jornais londrinos, os acionistas da Thames recusaram-se a desembolsar 500 milhões de Libras que eram esperados até o final de março, parte dos quais seriam destinados ao pagamento do empréstimo do Kemble.

O anúncio levantou a possibilidade de a TWUL que tem 16 milhões de clientes ser temporariamente nacionalizado passando para o Governo, possibilidade não desejada pelo Primeiro Ministro Rishi Sunak que ainda parece relutante com relação a esta solução, mas que poderá ser posta em prática em caso de colapso.

As negociações ainda prosseguem e por enquanto nada está decidido.

Voltaremos ao assunto.

Por ora fica o alerta de que a privatização de uma estatal do porte da SABESP deve se cercar de todos os cuidados fiscalizatórios por parte da agencia reguladora sob pena de insucesso. O caso da TWUL não é o único, embora seja o maior. Muitos municípios a nível internacional na Europa. nos Estados Unidos e também na America Latina retomaram, ou estão retomando os serviços, de água e esgotos em razão do descumprimento de contratos.

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José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: [email protected]

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo