Inspeção Técnica de Vizinhança

No âmbito da Engenharia Diagnóstica em Edificações, que visa criar ações proativas visando a qualidade predial, insere-se a Inspeção Técnica de Vizinhança como moderna ferramenta de controle técnico, sendo indispensável na fase de planejamento e execução do empreendimento.

Conhecida como vistoria de vizinhança no passado, na realidade, essa ferramenta deve ser denominada Inspeção Técnica de Vizinhança, pois se trata de procedimento mais complexo do que a simples constatação de uma vistoria, contendo múltiplos objetivos, tais como particularidades do terreno, da segurança local, características técnicas e ambientais, além de se constituir de fator importante na política de boa vizinhança do empreendedor, requerendo análises técnicas ao invés de simples constatações.

As vistorias de vizinhança foram tradicionais no mercado imobiliário de São Paulo desde a década de 70 até o início do século XXI e ganharam grande impulso e evolução recentemente, em todo o Brasil, com o forte crescimento imobiliário iniciado em 2007. Atualmente essas vistorias se transformaram em inspeções de vizinhança, e se proliferam por todo o Brasil, dando um grande impulso para a Engenharia Diagnóstica, pois o mercado da construção começa a valorizar as ferramentas diagnósticas mais detalhadas do que a vistoria, tais como as Inspeções e Auditorias para fiscalizar os serviços e materiais das obras quanto às conformidades, ou a Consultoria, para prescrever as melhores técnicas construtivas e de reparos.

A Inspeção Técnica de Vizinhança é o processo de analisar tecnicamente as condições construtivas, de manutenção e uso das edificações vizinhas ao futuro empreendimento imobiliários, e também suas condições de segurança e ambientais. Isso visando ação pró-ativa para a qualidade total e resguardo de direitos da obra e vizinhança. Tal conceito segue na esteira da doutrina da Engenharia Diagnóstica, que considera a inspeção como a análise técnica de determinado fato, condição ou direito relativo a um objeto. Nessa inspeção temos o fato da confrontação, a condição de risco dos imóveis e os direitos dos moradores e trabalhadores da obra, o que confirma o acerto da conceituação proposta.

A apuração técnica das condições construtivas visa determinar o estado geral e as eventuais patologias prediais das edificações confrontantes, para se proceder à análise do risco, visando plena segurança antes e no decorrer da obra.

A análise técnica da segurança possibilita determinar o grau de criticidade dessas anomalias e outras irregularidades de uso desses imóveis, bem como do meio ambiente.

Quanto às condições sócio-econômicas da vizinhança deve a inspeção analisar o nível de conhecimento e aceitação da futura obra pelos moradores e usuários da região, bem como o impacto da obra em pessoas vulneráveis, tais como os idosos, doentes e crianças.

Tais análises são fundamentais para que a futura obra possa se desenvolver com segurança e boa aceitação pelos vizinhos, além de respeitar a vizinhança e preservar direitos.

Não há norma técnica específica para esse trabalho técnico, havendo apenas algumas recomendações em normas da ABNT, tais como a norma de Desempenho de edifício- nbr 15575, a norma de Discriminação de serviços para a construção de edifício – nbr 12.722 e a norma Segurança na execução de obras e serviços de construção – nbr 7678/83.

A obrigatoriedade legal da inspeção de vizinhança está implicitamente apontada no estatuto da Cidade, lei 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece estudo prévio de impacto de vizinhança.

No entanto, independentemente da legislação o que se constata atualmente é que a construção civil brasileira já se conscientizou e já incorporou em sua cultura técnica a inspeção de vizinhança, o que é o mais importante.

Espera-se que, num futuro breve, o mesmo ocorra com a inspeção predial de manutenção, ou seja, que o poder público e os condomínios se conscientizem da importância de preservação do nosso patrimônio imobiliário, com a implantação dessa modalidade de inspeção, que desde 1999 vem crescendo no país, e que é o primeiro grande passo técnico para se adotar definitivamente a indispensável manutenção de nossas edificações. Isso visando evitar a degradação precoce e os constantes acidentes, tais como os mais recentes no estádio da Fonte Nova em Salvador e do templo da igreja em São Paulo, com inúmeras vítimas fatais.

O levantamento dos imóveis a serem vistoriados ou inspecionados deve ser realizado pelo consultor de fundações da empresa, pois o raio de influência das obras de fundações depende dos tipos de solo e fundações da obra.

Quanto ao laudo é recomendável ilustrá-lo com croquis e fotografias em abundância, devendo-se vistoriar e analisar tecnicamente cada imóvel, interna e externamente, sem embargo de outras considerações apuradas nas vistorias.

O registro do laudo em Cartório de Títulos e Documentos é uma opção que pode ser considerada, em determinados casos, bem como a protocolização de cópias junto aos vizinhos.

Assim sendo, o orçamento da inspeção baseia-se no número de imóveis incluídos no raio de influência da obra, suas tipologias, condições locais e demais detalhamentos exigido pelo contratante.

O inspetor deve se informar sobre as características e finalidade da futura obra, para conhecer a complexidade de seu trabalho e também para poder responder às normais curiosidades da vizinhança.

O mesmo deve ser feito sobre a construtora responsável pela obra, incluindo o prazo de execução e o nome do engenheiro residente que atenderá eventuais solicitações dos moradores.

A região deve ser descrita quanto à sua topografia, arborização, melhoramentos públicos, vias de acesso, tipos de urbanização e tendências sociais e econômicas.

A indicação de referências locais é recomendada, tais como museus, shoppings, hospitais, praças e demais marcos de relevância.

Considerando-se a importância da sustentabilidade, na atualidade, é importante se apontar dados ambientais, principalmente quanto aos níveis de poluição e degradação ambiental da região.

O histórico do terreno-motivo deve ser investigado previamente, principalmente no caso de terrenos resultantes de demolições de galpões industriais, visando determinar a existência, ou não, de contaminações do solo, fundações profundas e outras interferências de interesse do empreendedor.

A vistoria do terreno abrange a topografia, o solo, a vegetação, os recursos naturais (rochas, nascentes, etc), obstáculos (tubulações, passagens, etc) e as divisas, com destaque para os muros, cercas, tapumes e paredes confrontantes.

A existência de depósitos de lixo, sucata, restos de entulho ou ninhos de animais peçonhentos deve ser consignada na vistoria, bem como as demais constatações observadas que mereçam atenção do construtor quando da limpeza do terreno.

Além de minuciosa fotografação de todo o perímetro e demais itens de interesse técnico, pode-se preparar croquis com as indicações e legendas desses tópicos, visando boa ilustração do laudo.

Vistas aéreas do terreno são favoráveis ao bom entendimento do local, principalmente quando incluem os imóveis confrontantes. Tais fotos costumam ser obtidas dos topos de prédios das proximidades do terreno ou pela internet.

Informações sobre o histórico da vizinhança também pode ser útil. As características geográficas das áreas urbanas, principalmente das grandes metrópoles, podem ter sido muito modificadas em determinadas regiões, com alterações de topografia, rebaixamento do nível do lençol freático, canalizações e desvios de cursos d’água, ou outras intervenções de interesse técnico, devendo ser investigadas e anotadas no laudo.

A inspeção do imóvel vizinho deve ter enfoque tridimensional, com análises das condições construtivas, de manutenção e de uso. Destaque-se que, dentre as condições de uso, relevante se analisar a segurança, recomendando-se a classificação de risco preconizada pelas Diretrizes de Inspeção Predial do Instituto de Engenharia.

O nível de detalhamento técnico da inspeção do imóvel vizinho depende do escopo contratual, podendo, até mesmo, incluir croquis de cada edificação e indicações das anomalias prediais e demais dados, através de legendas.

Destaque especial deve ser dado às proximidades e face da confrontação direta do imóvel vizinho com o terreno-motivo, por motivos óbvios. Tal face deve ser intensamente examinada e fotografada pelo inspetor.

Outro destaque é aquele referente ao impacto da obra na vizinhança, cuja análise deve adentrar pelos aspectos ambientais, inclusive.

A ferramenta essencial na inspeção de vizinhança é a câmera fotográfica, preferencialmente com uma objetiva de abertura entre 28 e 70 mm, pois favorece fotos internas abrangentes e ampliação de detalhes. Recomenda-se carregar sempre duas máquinas fotográficas, filmes e pilhas em abundância, além de lanterna e prancheta para as anotações.

A realidade da atividade de inspecionar imóveis vizinhos aos terrenos de futuros empreendimentos de construção civil revela surpresas e dificuldades imprevistas.

Havendo necessidade de adentrar aos imóveis, o primeiro passo é obter a autorização do morador ou proprietário, o que requer habilidade de explanação verbal ou por escrito, às vezes por carta expedida pela própria construtora.

Sendo proibida a vistoria interna, limita-se o inspetor a consignar tal particular em seu relatório, para que o construtor providencie, ou não, a medida cautelar judicial visando tal medida.

Autorizada a vistoria interna deve o inspetor se preparar para conviver com as variedades humanas, animais domésticos e outras particularidades.

Bons ouvidos e boas conversas devem fazer parte do repertório profissional do inspetor de vizinhança, pois as pessoas adoram conversar, principalmente as mulheres e idosos, não só sobre a futura obra mas sobre os assuntos mais diversos.

O senso de observação deve ser constantemente aprimorado pelo inspetor, não só quanto ao comportamento do vizinho, mas também quanto à decoração interna do imóvel, muitas vezes a esconder atividades escusas ou anomalias relevantes, tais como depósitos de materiais combustíveis clandestinos, trincas em paredes sob quadros, ou tapetes sobre pisos recalcados, além de outros artifícios.

Enfim, a prática da inspeção costuma ser tão surpreendente como as pessoas que habitam ou utilizam os imóveis-motivo, ou seja, divertidas, rápidas, tensas, cansativas, tristes, ou com outras características completamente imprevisíveis.

O laudo deve conter os tópicos necessários para bem atender aos objetivos da inspeção técnica de vizinhança, destacando-se as vistorias e análises do terreno-motivo e imóveis vizinhos. A farta ilustração fotográfica também é item indispensável ao laudo.

Muito útil a inclusão de um tópico com as considerações finais abordando as questões de segurança e outras relevantes para o bom desenvolvimento da futura obra.

O inspetor é responsável apenas pela qualidade de seu relatório, limitando-se aos principais registros das características, condições construtivas, de manutenção e uso dos imóveis. Ocorrências posteriores ao imóvel vizinho, tais como alterações das condições constatadas na vistoria, ou de providências recomendadas e não adotadas pelos interessados, não podem ser atribuídas aos inspetores.

A inspeção de vizinhança é uma ferramenta diagnóstica de nível técnico muito superior às antigas vistorias de vizinhança. O laudo é de muita utilidade, quer para diagnosticar e evitar problemas com os vizinhos de obra edilícia, quer como instrumento jurídico para servir de prova nas apurações de eventuais danos decorrentes da construção.