Às margens dos trilhos, eles vivem das sobras de açúcar

Desde que os trens de passageiros pararam de circular pelos trilhos da antiga Rede Ferroviária no fim da década de 90, a população da pequena Pradópolis parece ter esquecido que ali ainda há uma ferrovia que atende a principal atividade da cidade, o açúcar. Alguns nem sabem que ALL (América Latina Logística) é o nome da empresa que opera a via. Até o Cristo Redentor, construído em 2008, num local escolhido para abraçar toda a cidade, ficou de costas para os trilhos.

A antiga estação ferroviária, construída em 1901, para atender a fazenda e a Usina São Martinho, foi invadida. Não há estatísticas de quantas pessoas moram no local, até porque a cada dia surge uma família nova. Todas são atraídas pelo mesmo motivo. Além de não pagar aluguel, luz e água, eles ainda podem conseguir açúcar para vender. Trata-se da prática de varredura, como contam os moradores.

Pelo menos duas vezes ao dia, quando os trens chegam para carregar açúcar na Usina São Martinho, eles podem entrar e limpar os vagões. Cada morador corre para reservar o seu. Quando o trem sai, eles ensacam tudo e levam para suas casas.

“O açúcar que conseguimos tirar é nosso”, conta Zelita Santos, 45 anos. Segundo ela, que mora no local há dez anos, o produto é trocado por cestas básicas e outros alimentos. Alguns vendem para agricultores que fazem veneno para ser usado na lavoura.

A varredura ficou tão rentável que a população cresce a cada dia. O prédio onde funcionava a estação foi dividido por três famílias. Na falta de casa para todos, há quem tenha resolvido fazer uma casinha ao lado dos trilhos. Mas a movimentação não se resume aos moradores da antiga estação. O açúcar também tem atraído gente que só aparece quando os trens chegam.

O grande problema, relata Zelita, é que o negócio começou a ficar perigoso. Não contente com a quantidade de açúcar que conseguem tirar dos vagões, alguns estranhos resolveram roubar, conta a moradora, que trabalhou durante anos como cortadora de cana. Eles descobriram uma forma de abrir o contêiner e soltar o açúcar. Depois que o trem vai embora, eles encostam peruas e carros e levam o produto embora. “Aqui era um bom lugar para morar. Hoje tem muito estranho circulando pelos trilhos”, afirma Conceição Serafim, que trabalhou 33 anos como cortadora de cana.

Autor: O Estado de S.Paulo