Professores da UFSC querem criar em Joinville núcleo pioneiro de Engenharia da Mobilidade

Dividindo pequenos e abarrotados espaços de trabalho nos prédios que hoje fazem parte do campus provisório da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em Joinville, estão especialistas de um tipo inédito na cidade. São professores dedicados a áreas ligadas à engenharia aeronáutica, mecatrônica, ferroviária, naval, automobilística e logística.

Alguns passaram períodos de estudo na Europa e nos EUA. Hoje, têm um ideal em comum: o projeto de montar em Joinville um núcleo de engenharia da mobilidade, pioneiro no País. Do campus de Joinville, sairão profissionais capazes de pensar estratégias para movimentar pessoas e mercadorias em um mundo cada vez mais engarrafado.

A proposta continua viva e caminhando mesmo com os atrasos constantes no início das obras no campus definitivo, na chamada Curva do Arroz, às margens da BR-101. Há duas semanas, cerca de três anos após o começo das aulas nas salas alugadas, iniciaram-se as obras de terraplenagem no campus definitivo.

É um impulso na previsão, considerada “otimista” pelo diretor-geral do campus, Acires Dias, de abrigar alunos na Curva do Arroz em março de 2013. Enquanto isso, os docentes aguardam o espaço adequado para as aulas práticas e confiam nisso.

Ainda que, pelo menos por enquanto, as salas dos professores continuem na verdade apenas duas, apertadas e mais compridas do que largas, no lugar onde eram os vestiários de um antigo ginásio de esportes da Univille.

Mesmo com as dificuldades, o centro hoje já encampa pelo menos 26 projetos de pesquisa, alguns financiados. Desde 2009, a UFSC abriu processos de seleção para contratar mais de 20 professores efetivos. No peneirão de análises de currículos e bancas examinadoras, foram escolhidos apenas profissionais com doutorado – há nove com pós-doutorado.

Segundo o diretor acadêmico, Álvaro Lezana, o quadro de professores deve chegar a 105 até 2013. Entre eles, há os que se aventuram pela primeira vez nas salas de aula. E os que fazem isso há tempos, mas não pensam em parar tão cedo. Nestas páginas, “AN” mostra a história do florianopolitano Juan Pablo Salazar, que representa a primeira situação.

O iraquiano Hazim Ali Al-Qureshi, que vive na “ponte viária” entre Florianópolis e Joinville, está na segunda. Professor aposentado do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), escolheu há dez anos continuar lecionando.

Aula sobre tudo. Desde robótica até espaço

À primeira vista, Hazim Ali Al-Qureshi parece personificar uma série de contrastes. A fala calma e bem-humorada é de alguém que passou tempo suficiente em São Paulo para incorporar gírias paulistas. Elas convivem com expressões em inglês, uma vez que Al-Qureshi chegou ao Brasil após mais de 30 anos no Reino Unido.

Fez graduação, mestrado, doutorado e pós-doutorado (em engenharia mecânica) na Universidade de Birmingham. É comum vê-lo segurando na mão direita um típico rosário de orações muçulmano. Mas, nas contas do rosário, a imagem é de Nossa Senhora Aparecida.

— Foi um presente — explica ele, que diz não ser religioso como foram seus pais árabes, mas carrega respeito pelas crenças.

A figura de Al-Qureshi intriga e inspira estudantes de engenharia de mobilidade pelo menos duas vezes por mês, quando ele ministra uma espécie de aula magna. O engenheiro apresenta aos acadêmicos uma colagem de assuntos que hoje parecem distantes, mas podem um dia fazer parte do universo profissional deles: a indústria nacional que produz aeronaves para exportação, robótica, o tímido programa espacial brasileiro.

Se algum deles tiver interesse em se dedicar à pesquisa, é possível que se espelhe em Al-Qureshi. Nascido em Bagdá, filho de médico que também procurou estudo na Inglaterra, ele escolheu engenharia por causa de uma curiosidade natural, que se mostrou na infância, em saber como tecnologias funcionam.

Está envolvido hoje em projetos tão distintos quanto o desenvolvimento de próteses para pessoas que perderam membros e de materiais resistentes para instrumentos de segurança, como capacetes. Quando era professor do ITA, em São José dos Campos (SP), Al-Qureshi viajou muito a Joinville nos anos 1970 para dar aulas na Udesc.

Descia no aeroporto na Vila Cubatão e o único prédio visível era o do Hotel Tannenhof, brinca. Há nove anos, quando aposentou-se como professor titular do ITA, mudou-se para Florianópolis, por sugestão de sua mulher. Optou por continuar lecionando.

— Não iria ficar em casa. Fazendo o quê? — pergunta.

É professor da UFSC desde então, lotado no curso de engenharia de materiais e sem nova data para aposentadoria. Ele também faz parte do círculo restrito de professores visitantes seniores da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

São professores aposentados que mantêm produção científica e são convidados a viajar ministrando palestras sobre áreas específicas. Como todos os iraquianos da sua geração, Al-Qureshi é formal no jeito de vestir e se expressar. A imagem rígida cai quando ele brinca, por exemplo, sobre a forma com que tem se virado há tantos anos para fugir da concordância no português, já que às vezes tem dúvida sobre que palavras são masculinas ou femininas.

Ele conta ter inventado uma vogal híbrida para ajudá-lo a se expressar no quadro negro. O “o” tem uma perna, como no “a”. Assim, não erra e todos entendem. Al-Qureshi afirma que visitou o Iraque pela última vez pouco antes da guerra no Golfo Pérsico, na década de 1990.

— A casa dos meus pais, as coisas de que me lembrava, nada existia mais — conta ele, que não se recorda de ter visto o país alguma vez em período de paz. Fora a confusão com as vogais, hoje o professor mantém os dois pés no Brasil.

Experiência a jato

Para qualquer professor, ainda mais iniciante, as salas de aula do campus provisório da UFSC em Joinville são prova de fogo. Em uma delas, o auditório, quase 200 alunos reúnem-se para a aula. São necessários quatro telões ligados ao datashow e o professor tem de usar microfone de lapela.

Juan Pablo Salazar saiu do doutorado em engenharia aeroespacial nos EUA para as salas cheias da UFSC de Joinville sem nunca ter lecionado antes. As referências eram os pais dele, ambos professores universitários da UFSC na Capital. Na profissão desde meados de 2010, Juan Pablo, 33 anos, hoje sente-se mais seguro à frente dos alunos.

A aula que ele ministra, mecânica dos fluidos, não é considerada das mais fáceis. A disciplina usa cálculo e física, mas de forma aplicada. Tem quem não preste atenção mesmo – considerando que há muitos adolescentes nas turmas. Em uma sala com 80 alunos, um disperso consegue causar tumulto. Antes mais sério, agora Juan Pablo age com naturalidade.

— Em ocasiões em que sentia que estava perdendo o controle, muita conversa, e tudo, explicava que quem não quisesse ficar ali poderia sair sem problemas. Você tira energia dos que mostram interesse. Mas não temos muitos problemas disciplinares, não — conta.

Ele lembra que muito do entusiasmo sobre engenharia foi passada a ele por professores. Por isso, tenta ser uma referência “motivacional” para os alunos.

— Quero mostrar que gosto da disciplina que leciono, que não trabalho nela por ter sido obrigado.

Como o curso é novo no País, Juan Pablo desconfia que muitos alunos entram com uma ideia vaga (“assim como eu tinha quando passei no vestibular”) do que é engenharia. A vantagem, diz ele, é que, pelo currículo do curso, os estudantes têm três anos para decidir que ramo específico tomar.

Juan Pablo tem planos, principalmente na área da pesquisa: quer estudar polímeros capazes de reduzir a resistência das superfícies submersas das embarcações (arrasto) que atrasa o deslocamento. O assunto desperta o interesse da Marinha norte-americana, afirma. O que Juan Pablo mais anseia é desenvolver pesquisa na UFSC. E tirar do papel o campus na Curva do Arroz é o primeiro passo para um programa de pós-graduação.

— Sinto empenho e vontade na direção do campus, o que dá uma certa tranquilidade — diz.

Por enquanto, alunos de fases mais avançadas começaram a usar laboratórios da unidade Norte do Senai.

Autor: Clic RBS