Atraso no saneamento

Ignorado durante anos pelas autoridades, o que impediu a melhora mais rápida dos índices de mortalidade infantil nas regiões pobres, o setor de saneamento básico não conseguiu avançar no ritmo desejável nem mesmo quando dispôs, no governo anterior, de recursos para investimentos. Burocracia, falta de projetos, desinteresse de governantes e de empresas privadas, dificuldade para a obtenção do licenciamento ambiental e ineficiência de gestão impediram que boa parte das verbas disponíveis fosse convertida em obras.

 O dinheiro ficou parado. Desde o início da década passada, mudanças na legislação – que culminaram com a aprovação da Lei Geral do Saneamento Básico em janeiro de 2007 e sua regulamentação em junho do ano passado – propiciaram o aumento gradual dos investimentos no setor. A verba destinada pelo governo federal para obras e serviços de saneamento básico, por exemplo, cresceu de R$ 2,3 bilhões em 2003 para R$ 10,3 bilhões em 2009.

 Mas o resultado prático foi frustrante. Do total de R$ 45,3 bilhões que foi reservado para o setor no período, apenas R$ 21,4 bilhões, ou 47%, foram investidos, mostrou reportagem do jornal Valor na quarta-feira, dia 5. A falta de saneamento básico e a existência de esgotos a céu aberto estão entre as principais causas de grande parte das moléstias que afetam as populações de baixa renda, como diarreias e doenças infecciosas – as quais, por sua vez, estão entre os principais fatores da mortalidade infantil -, o que torna socialmente mais nocivo o atraso dos programas de expansão das redes de água e dos sistemas de coleta e tratamento de esgotos. 

Calcula-se que, para alcançar a universalização dos serviços de saneamento básico, o Brasil precisa investir anualmente R$ 10 bilhões durante 20 anos. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previu investimentos de R$ 40 bilhões entre 2007 e 2010, o que, em tese, atenderia às necessidades do País no período. Mas não basta anunciar grandes verbas para obras de saneamento. É preciso que essas verbas sejam destinadas a projetos e que os projetos saiam do papel, o que nem sempre aconteceu na gestão Lula, como mostra o baixo índice de utilização dos recursos disponíveis. Houve problemas nos três níveis de governo e também na contratação de obras.

 O governo federal, por meio da Caixa Econômica Federal, atrasou a liberação das verbas; muitas prefeituras não dispunham de equipes para elaborar projetos nem buscaram apoio de órgãos federais que poderiam auxiliá-las na tarefa, o que as impediu de receber investimentos; órgãos ambientais demoraram para autorizar obras; e muitas empresas privadas, favorecidas pelo aquecimento do mercado imobiliário, não se interessaram pela área de saneamento. Foi muito lenta, por isso, a melhora dos índices sociais vinculados às condições de saneamento. 

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), do IBGE, por exemplo, constatou que, entre 2004 e 2009, as casas atendidas por rede de água passaram de 82% para 84% do total, enquanto aquelas atendidas por coleta de esgoto ou fossa sanitária passaram de 56% para 59%. Ou seja, mais de 40% dos domicílios ainda não dispõem de sistema de esgotamento sanitário. Apesar da lentidão com que avançaram os serviços de saneamento básico, o secretário de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades, Leodegar Tiscoski, disse ao jornal citado que o Brasil cumprirá as Metas do Milênio para a área (cada país que se comprometeu com essas metas deve, até 2015, reduzir pela metade o déficit de saneamento constatado em 1990). 

O economista da Fundação Getúlio Vargas, pesquisador da área de saneamento básico e especialista em indicadores sociais Marcelo Cortes Neri, no entanto, calcula que, para alcançar as Metas do Milênio, o Brasil precisa duplicar a velocidade de melhora dos índices relativos à coleta e tratamento de esgotos. Para os milhões de brasileiros que carecem de serviços de saneamento básico, pouco importa que o País cumpra ou não as Metas do Milênio. O que eles precisam é da ação eficaz das autoridades para melhorar suas condições de vida e reduzir os riscos a que sua saúde está exposta.

Autor: O Estado de S.Paulo