Para manter marca, EUA fazem caça a talentos

Todo semestre, o programa de seleção de Harvard faz pelos EUA um misto de “road show” (viagens de empresas exibindo seu produto) e caça-talentos para atrair os melhores estudantes do país.

A prática é comum nas universidades de ponta americanas e mostra que bons alunos são tão disputados quanto bons professores.

Na última turnê “Harvard em sua Cidade Natal”, havia representantes de Stanford, Duke (Carolina do Norte) e Georgetown (Washington).

Esse tipo de programa reflete uma mentalidade quase empresarial arraigada nas instituições de ensino superior dos EUA. A ideia, pregam, é que não basta um processo de admissão criterioso para ter um corpo estudantil qualificado e produtivo.

É preciso também procurar e estimular alunos do ensino médio que não tenham se dado conta de seu potencial. E bancar a educação dos que têm recursos limitados.

Na maioria das sete americanas do ranking, famílias com renda mensal de até R$ 8.500 não pagam para o filho estudar. A bolsa média, que beneficia de 50% (Yale) a 80% dos alunos (Stanford), cobre 70% dos gastos, inclusive moradia e alimentação. Frequentemente, essa caçada se estende além das fronteiras americanas.

MARCA

Buscar os melhores é uma forma de preservar o nome da universidade e garantir sua influência em governos, corporações, centros de pesquisa e ONGs. Nessa porta rotatória, os ex-alunos retribuem a educação com dinheiro ou prestígio.

“A “marca” Harvard é muito cara, e a universidade mantém gente em seu departamento jurídico encarregada de cuidar de seu bom uso e preservação”, afirma um professor e advogado que preferiu não se identificar.

Os departamentos de carreiras são ativos. Professores com renome, contatos ou empregos simultâneos em esferas altas do mundo corporativo e do serviço público oferecem ajuda e conselhos para o aluno se colocar.

A disputa pelos melhores docentes, aliás, é acirrada. Em 2009, Harvard diz ter gasto R$ 1,7 bilhão em salários e benefícios para seus 2.100 professores. Às vezes, há rumores de um salário anual de US$ 1 milhão (R$ 1,7 milhão) para uma estrela acadêmica.

A lógica é de negócios. As universidades gerenciam uma reserva de fundos próprios. Um Nobel traz maior financiamento para pesquisas e atividades acadêmicas.

Gente cujo nome pesa, como o constitucionalista Lawrence Tribe, da Faculdade de Direito de Harvard, atrai dinheiro. Em 2009, uma doação anônima de R$ 17 milhões foi feita em homenagem a ele.

Dinheiro privado passa longe das brasileiras

Harvard recebeu R$ 526 milhões em doações, além de fazer parcerias com empresas

Tão comum nas grandes universidades americanas, o repasse de dinheiro de pessoas e empresas quase não acontece por aqui.

A primeira colocada no ranking, Harvard, recebe quase o dobro de recursos de empresas privadas que a Unicamp e ainda teve um fermento adicional em 2009 de R$ 526 milhões em doações -boa parte para pesquisa.

“Temos vontade de doar, mas é tudo muito difícil”, diz José Carlos Junqueira Meirelles, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.

Neste ano, a empresa doou R$ 600 mil para uma sala de aula da Faculdade de Direito da USP -onde boa parte dos sócios estudou.

Mas o barulho diante do dinheiro recebido foi grande, e houve quem questionasse as intenções do Pinheiro Neto no repasse à USP.

“Resta saber se a universidade não recebe doações por causa da dificuldade ou se a dificuldade existe porque não é comum que existam doações”, diz Meirelles.

Dar dinheiro para a universidade em que se estudou é algo tão disseminado nos EUA que acontece até com quem não é norte-americano, como o empresário Antônio Ermírio de Moraes.

Sua família fez doações à Escola de Minas do Colorado, onde ele e alguns de seus filhos estudaram. “Temos uma relação com a universidade”, diz Regina de Moraes Waib, filha de Antônio.

Mas, se as doações ainda passam reto pelas universidades brasileiras, a boa notícia é que as parcerias entre elas e as empresas privadas têm crescido.

“As empresas estão fazendo parcerias porque agora estão fazendo pesquisa, o que antes quase não acontecia”, diz o engenheiro Sérgio Robles de Queiroz, especialista da Unicamp em política científica e tecnológica.

Na própria Unicamp, o dinheiro privado aumentou de R$ 6,8 milhões para R$ 23,8 milhões em dez anos.
Já a USP não sabe se o montante cresceu: a universidade informou não ter dados sobre a quantidade de dinheiro privado que recebe.

LUCRO

Na análise de Rogério Meneghini, especialista da USP em indicadores científicos, ainda existe uma cultura no país de que a ciência não pode dar lucro.

Mas essas vozes estão ficando isoladas. “Há um movimento dos empresários para fazer ciência e inovação”, disse o ministro Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia).

Sem recursos privados, e com orçamento do governo que só dá para o básico (85% do que a USP e a Unicamp recebem é para pagar salários e aposentadorias), a dependência das universidades das agências públicas de fomento à pesquisa (como Capes e Fapesp) permanece.

Autor: Folha de S.Paulo