Gato por lebre?

                                                                                                                                                            Creso de Franco Peixoto

A última lata sai da gôndola. Singelo chip que a acompanha dispara cadeia de ações logísticas. Sonho dos supermercadistas: rápida reposição de estoque, maiores lucros, menor quadro funcional. No Brasil, a resolução 212 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) obriga veículos à instalação de chip de identificação nos pára-brisas. Implanta-se o Sistema Nacional de Identificação Automática de Veículos (Siniav). Ao se passar por barreiras de controle, serão enviadas informações sobre viagem e dados veiculares para um centro de controle operacional (CCO). Um pesadelo, caso estas informações sejam usadas indevidamente.

Segundo o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), essa tecnologia gera maior segurança veicular quanto a furto ou roubo e melhora a fiscalização documental. Abordagens explícitas a justificar tal projeto. Contudo, há citação sobre melhoria quanto à mobilidade urbana e controle sobre poluição. Pode resguardar outros interesses: a implantação de pedágio urbano. Um tema que membros do executivo e legislativo evitam discutir. Há forte repulsa a qualquer nova cobrança de taxas.

Este sistema alertará agentes de trânsito sobre veículos irregulares, gerando vantagens aos tradicionais bloqueios policiais. Ficaria no passado a seleção aleatória de veículos. Caso o risco de furto ou roubo seja minimizado, acarretará redução do valor do prêmio para seguros veiculares.

O Siniav pode caracterizar afronta jurídica quanto ao direito de ir e vir sem ser bisbilhotado. O Siniav pode caracterizar um orwelliano chip como vilão nacional, no atual teatro nacional, onde cartões de crédito acompanhados pelo fisco ou notas fiscais que amarram consumidor e vendedor estão em cartaz.

A defesa deste chip como nova placa de identificação tende a gerar revés forense. Advém de resolução em vez de lei e não altera texto legal sobre a exigência de placa física. Como o chip não tem clara identificação externa, uma troca de pára-brisas e instalação do chip do carro ao lado pode se tornar um grande problema. Para a licitação deste serviço, alega-se que o pregão eletrônico é mais ágil. Porém, deixa dúvida quanto a possíveis lances falsos que visariam eliminar concorrentes.

Empresas que monitoram veículos por satélite têm informação praticamente continuada do posicionamento. Pelo Siniav, controle apenas quando se passa em barreiras. Eficácia duvidosa. Marginais saberão desviar ou até anular o equipamento.

Quanto a controle de velocidade, o sistema permitirá aferir o excesso de velocidade por trechos, trazendo novo modelo que poderá, finalmente, evitar altas velocidades que tanto têm matado no Brasil. Atuais radares são observados entre veículos freando e acelerando em seguida.

Contudo, o principal motivo deste chip pode ser a viabilização do pedágio urbano, facilitando sua cobrança. Aumenta a velocidade nas áreas urbanas, desde que associado à melhoria do transporte público. Sem metrô suficientemente longo, eficácia duvidosa como gerador de desejo de deixar o carro em casa. Para vislumbrar nosso futuro, talvez o modelo chileno seja o melhor. Lá não se anda sem este chip. Mas, em Santiago do Chile, o ponteiro do velocímetro voltou a se mover. No Brasil, já poderiam ser trocados por calendários.

Creso de Franco Peixoto é professor do curso de Engenharia Civil do Centro Universitário da FEI (Fundação Educacional Inaciana), engenheiro civil e mestre em Transportes