Local Motors: a próxima geração de montadoras?

A indústria automobilística não anda bem. Montadoras tradicionais como a Toyota e a General Motors enfrentam problemas. Nada melhor então, para esse mercado saturado, do que uma novidade moderna, inteligente e sustentável. Uma microfábrica de 10 funcionários no Estado americano de Massachusetts, a Local Motors, pode ser essa novidade. A Local Motors está prestes a comercializar seu primeiro carro, o Rally Fighter, um cupê offroad criado de forma colaborativa pela internet. O Rally Fighter é um produto de nicho, para quem adora automóveis e quer participar da construção do seu carro. Uma nova forma de interação que levou a Local Motors a ser classificada como “o futuro da produção industrial americana” pela revista Wired. Sozinha, pode ser apenas uma tendência, mas quando outras microfábricas surgirem com o mesmo propósito, ou conceitos parecidos, essa pode ser realmente a próxima geração de montadoras. ÉPOCA conversou com John B. Rogers, diretor-executivo e cofundador da Local Motors.

ÉPOCA – Como você começou a Local Motors?
John B. Rogers – Sempre amei carros e era meu sonho ter uma empresa automotiva. Mas eu queria que fosse algo significativo, que fizesse uma diferença. Quando me formei, da escola e da faculdade, eu não estava pronto para começar essa companhia. Só depois de trabalhar durante 11 anos decidi que era a hora certa de fazer isso. Meu tempo na Marinha dos Estados Unidos me convenceu de que o uso do petróleo é uma barreira significante para que os países desenvolvidos mudem seus hábitos, por causa da maneira com que usamos petróleo em veículos. Se você conseguir fazer uma empresa automotiva que mude o uso do petróleo, então você terá feito algo muito diferente. Em 2005, decidi investir na ideia de construir uma empresa automotiva que fizesse a diferença no progresso e na tecnologia dos carros, que criasse carros mais eficientes que as pessoas quisessem comprar.

ÉPOCA – Você disse uma vez que construir um carro é uma ciência complexa mas bastante conhecida, que o difícil é fazer isso de forma sustentável. Sustentabilidade é a ideia mais importante por trás da Local Motors?
Rogers – Sim, mas não é porque você construiu um carro sustentável que as pessoas vão querer comprá-lo. Construir um carro, mesmo que ele seja o mais sustentável por aí, não é nada. Você tem que fazer mais do que isso. Você tem que ser sustentável e construir um carro que seja desejado, que muitas pessoas queiram.

ÉPOCA – Produzir as coisas localmente está se tornando uma forte tendência. Esse pode ser um fator para o sucesso da Local Motors?
Rogers – Espero que sim. Fui inspirado por empresas como a Natura, que faz no Brasil ótimos produtos de cosméticos para homens e mulheres (A Natura promove diálogos com consumidores e com as comunidades fornecedoras e promove o uso sustentável da botânica.) Acredito que mostrar para as pessoas que os produtos que elas consomem são autênticos e reais e que elas os compreendem e podem encontrá-los localmente é um grande passo para permitir que os clientes tenham de volta o controle sobre o tipo de carro que estão comprando. Uma das coisas que está acontecendo na indústria automobilística mundial é que os carros são feitos muito longe dos locais em que são vendidos e utilizados. Você pode ver isso tanto no Brasil como no Japão. Isso significa que há uma grande desconexão entre os consumidores e o que se passa em seus carros. Acreditamos que isso machuca a aceitação do carro, a paixão pelo carro, o afeto para manter o carro por um longo tempo. 

ÉPOCA – Já falaram que você criou um novo caminho para a indústria automobilística. Você acredita que a Local Motors seja tão revolucionária?
Rogers – Gostamos de pensar que o que estamos fazendo é forte o suficiente para que várias pessoas parem e pensem o que é possível. Com certeza não foi feito antes. O que é mais importante, e que muitas vezes é negligenciado, é a revolução de ter o cliente envolvido. Empresas começam negócios dizendo: “eu sei o que o melhor produto é para você”. Você pode muito bem não saber o que o melhor produto é para os seus clientes. Se alguma coisa que defendemos é revolucionária, ou um novo caminho para a indústria, é a incorporação do cliente em todas as etapas, do design, através da construção, e até mesmo no serviço e no fim da vida dos veículos. Isto é muito importante: se você cria um novo motor, ou um novo chassi, você está realmente revolucionando a indústria automotiva? Pode estar. Mas também pode apenas estar colocando alguma coisa em um carro da forma como ela já era colocada, com a mesma duração, e o mesmo programa de reciclagem, que, frequentemente, não funciona. Pessoas falam da ideia de um motor híbrido, mas isso realmente torna um carro mais sustentável? Eu argumentaria que não. Para transformar a indústria é preciso mais do que um novo e eficiente motor. É necessário um novo processo. E somente se você tem a montagem com uma rede de clientes, e o desing nas mãos das pessoas, e é capaz de olhar para a internet, você pode fazer isso ser revolucionário ou notável. Caso contrário, você apenas está fazendo o que está acessível hoje.

ÉPOCA – Qual o tamanho da comunidade da Local Motors?
Rogers – Cerca de 10 mil pessoas.

ÉPOCA – Como ela funciona? Quanto a Local Motors interage com essas pessoas?
Rogers – Tentamos alcançar a comunidade de todas as formas. A maior parte da nossa comunidade é de membros do nosso site, e eles fazem comentários, votam, sobem imagens, baixam imagens, mudam as imagens e sobem elas de novo. Também temos membros da nossa comunidade que são engajados conosco através do Facebook e do Twitter, e eles fazem comentários e participam diariamente. E há aqueles que vêm aos eventos na nossa microfábrica. São essas pessoas que passam tempo fisicamente conosco e essa parte da comunidade é das pessoas que estão mais interessadas em como vamos crescer. Nós os convidamos para virem aqui e construírem seus carros com a Local Motors. Nós ouvimos os cometários feitos em outros lugares também, blogs e YouTube, mas é provável que a parte mais importante seja daqueles que nos visitam.

ÉPOCA – Com que frequência as pessoas podem visitar a Local Motors?
Rogers – Estamos abertos praticamente seis ou sete dias por semana, a maior parte das semanas do ano. Qualquer um pode vir aqui a qualquer hora. Nós esperamos envolver mil ou duas mil pessoas interessadas, que podem trazer seus amigos e começar a criar, em uma área bem local, um pequeno grupo de pessoas que realmente espalha o nome da companhia e traz experiências. Se você imaginar em uma cidade, mesmo tão grande quanto São Paulo, conseguir mil pessoas que estão envolvidas com os carros da sua fábrica, isso vai se espalhar e as pessoas vão notar, e elas podem escolher se juntar a você vindo até a fábrica ou se conectando na internet. Tudo começa com o engajamento físico das pessoas.

ÉPOCA – Vocês usam Creative Commons? Que licença?
Rogers – Há bastante conteúdo gerado pelos usuários e eles podem escolher suas próprias licenças. Geralmente quando nós colocamos coisa no ar elas estão distribuídas na licença Não-Comercial Share-Alike.

ÉPOCA – Acha que o uso de Creative Commons é uma parte importante da Local Motors?
Rogers – Sim, é importante para a Local Motors e mais do que a Local Motors. Por muito tempo nós ignoramos os direitos dos indivíduos no que diz respeito a eles postarem coisas em formulários e na rede. A comunidade de programadores acertou nesse ponto. Eles perceberam que trata-se de um trabalho valioso e querem que as pessoas sejam capazes de compartilhar seus programas e querem se certificar de que esse código está protegido. Então eles foram pioneiros no uso de Creative Commons pois, se eu retenho os direitos autorais de algum trabalho, eu posso ditar como o meu trabalho será distribuído e se será usado para finalidades comerciais. O mesmo se aplica para arte e para design e nós damos às pessoas a experiência do Creative Commons. Vamos explicitar isso ainda mais no nosso site. Agora, o site deixa claro que você retém os direitos do seu design e que as pessoas devem entrar em contato com você para usá-lo. Vamos colocar Creative Commons em cada upload individual, para que os usuários possam escolher a licença que mais lhes agrada e deixá-la mais óbvia para aqueles que querem usar seu trabalho.

ÉPOCA – Como vocês escolheram o Rally Fighter para ser o primeiro carro da Local Motors?
Rogers – O importante é que nós não escolhemos. Nós ouvimos o que a comunidade quer. Esse veículo apareceu no nosso site há 18 meses e foi escolhido pelos usuários como, não o único, mas um dos mais excitantes designs da época. Muitos comentários, muitas análises sobre ele. Isso nos mostrou que o Rally Fighter era algo que podia valer a pena construir. Se tivemos alguma influência na escolha, foi falar sobre o que era possível construir e sobre segurança. Precisávamos escolher qual veículo era possível produzir da maneira rápida e segura. Mas queremos nos tornar um companhia onde até mesmo essas decisões sejam aconselhadas pela comunidade, onde a comunidade decida o que pode ser feito com velocidade e segurança.

ÉPOCA – Esse tempo de produção, 18 meses, é bastante impressionante, principalmente se comparado com a indústria automobilística tradicional. Como vocês criaram algo tão rapidamente?
Rogers – Não exista uma mágica. Todo mundo sabe que, se você é pequeno, quanto mais pessoas tiver, mais rápido pode conseguir fazer as coisas, até que você tenha tantas pessoas que se torne difícil tomar decisões. É justo afirmar que as companhias automobilísticas e a cadeia de distribuição que as junta, são tão grandes que é difícil fazer decisões rapidamente. Então se você puder voltar par uma forma de construir carros onde a tomada de decisões seja mantida por um pequeno grupo ou por um elegante sistema de votação, então a possibilidade de se mover rapidamente é muito maior.

Nós também não fazemos várias coisas que as montadoras tradicionais fazem. Estamos dispostos a aceitar motores feitos por outros, estamos dispostos a aceitos luzes feitas por outros, maçanetas, reguladores de janela, travas. E quando digo que estamos dispostos a aceitar significa que não fazemos nenhuma mudança estrutural neles. Encontramos as peças que funcionam com nosso design, ou forçamos o nosso design a encontrar as especificações de uma forma que o motor ou a maçaneta funcione. O que isso significa é que temos a responsabilidade sobre a performance, sobre a elegância, a aparência, mas não temos responsabilidade de fazer 90% dos componentes que estão no carro.

ÉPOCA – Os componentes de outras empresas, como o motor que é BMW, também foram escolhidos pela comunidade?
Rogers – Em várias oportunidades. E quando a empresa crescer, cada vez mais serão escolhidos pela comunidade. No começo, e isso foi algo com que a Local Motors teve que lutar, nós falamos vamos fazer esse carro, e várias pessoas falaram que nós não íamos, que era impossível. Então, para fazer de fato, nós tivemos que tomar algumas decisões. Mas acredito que no nosso segundo, no nosso terceiro, quarto, quinto, décimo, vigésimo carro, as pessoas vão prestar bem mais atenção e nós queremos que todos estejam envolvidos nas decisões, principalmente nas áreas com os quais têm afinidade. Nós sabemos que há várias pessoas por aí que são aposentadas ou entusiastas de uma área, e elas não precisam trabalhar em uma companhia. Se elas gostam de eletrônicos, ou da suspensão de carros, e têm várias opiniões, nós estamos aqui para elas.

ÉPOCA – As pessoas que contribuíram pela comunidade na internet podem ganhar dinheiro com isso?
Rogers – Sim, bastante.

ÉPOCA – Quanto?
Rogers – Se escolhemos construir um carro, como no caso do Rally Fighter, quem fez aquele design ganha US$ 20 mil. E o ganhador de qualquer competição de design também recebe.

ÉPOCA – Qual o tamanho da Local Motors?
Rogers – Nós somos cerca de 10 pessoas e trabalhamos com fornecedores que têm cerca de 20 funcionários.

ÉPOCA – E o que eles são? Designers automotivos? Engenheiros?
Rogers – Tudo. Há relações públicas, designers, designers de produtos, engenheiros, especialistas em eletrônica, moldagem, todos os tipos.

ÉPOCA – Quanto custa o Rally Fighter?
Rogers – US$ 50 mil.

ÉPOCA – Esse é o preço para o mercado?
Rogers – Esse é o preço de varejo, o preço alvo. Ainda não anunciamos o preço real, mas isso não deve mudar muito.

ÉPOCA – Não há carros exatamente como o Rally Fighter, mas pensando em concorrência, é muito ou pouco dinheiro?
Rogers – Pense assim: acredito que nós não vendemos apenas o Rally Fighter. Acredito que nós vendemos o Rally Fighter mais a experiência de construí-lo conosco. Então quando você pergunta sobre competição, não há tantos veículos como o Rally Fighter, mas mesmo que exista, quando você pensa que você vem até aqui e constrói o veículo com a gente, com certeza não há competição. Nos EUA temos os Subarus, conhecidos por serem uma espécia de sedan offroad. Há as caminhonetes – Ford, Chevy, Toyota – feitas para corridas offroad, mas elas são picapes. Tem o Touareg, da Volkswagen, ou o Kain, da Porsche, mas são utilitários transformados em off-road sem uma quantidade significativa de mudanças. A Ford introduziu o Raptor, que também é uma caminhonete, não um cupê offroad. É difícil dizer que exista uma concorrência.

ÉPOCA – Quantos Rally Fighters vocês esperam vender?
Rogers – Cerca de dois mil

ÉPOCA – Um produto de nicho?
Rogers – É um nicho, sim.

ÉPOCA – Parece que você não competem com as montadoras tradicionais, e sim preenchem lacunas. Como é isso?
Rogers – Imagine que nós temos 50 carros diferentes e cada um deles vendeu 2 mil unidades, um total de 100 mil veículos. 100 mil veículos é um número muito pequeno quando você olha para a produção global de uma empresa automobilística de grandes dimensões. Então é impossível dizer que nós vamos concorrer ou assumir a indústria. Mas o que podemos fazer é preencher as lacunas onde os clientes estão insatisfeitos e onde eles estão procurando por algo não disponível no mercado. E preencher essas lacunas pode fazer uma diferença enorme, pois pode forçar as grandes montadoras a pensar de uma maneira diferente para fazer as coisas que não estão nas lacunas, mas nos espaços já preenchidos.

ÉPOCA – Agora que as grandes companhias estão mals, elas podem se voltar para modos de produção de carros que sejam menores, mais locais ou customizados?
Rogers – Isso é uma coisa que não posso comentar. Eu gostaria de pensar que qualquer um pode mudar. Certamente nenhuma das grandes montadoras é burra, elas são gerenciadas por pessoas inteligentes. Mas quando uma empresa cresce muito, pode ser difícil mudar sem que alguém mostre o que precisa ser feito. Talvez nós possamos servir de exemplo para essas grandes empresas. E a companhia pode ser boa, nós não queremos ser os únicos, nós queremos ser seguidos por outros. Podemos fazer parte de um grupo.

ÉPOCA – Você gostaria que outras microempresas s fizesse carros como a Local Motors?
Rogers – Sim, acredito que a indústria possa ser maior, nós não temos a expectativa de sermos os únicos a funcionar assim, queremos apenas ser os primeiros.

ÉPOCA – Qual será o próximo modelo de carro a entrar em produção? Gosto muito do Boston Bullet.
Rogers – O Bullet é muito popular. O carro de São Francisco, o Ethylik, é um carro muito popular também. Nós sempre vamos trabalhar com veículos que sejam de nicho e que atendam pedidos de um grupo de consumidores que acredita que seu carro ainda não foi fabricado. Esses carros são muito populares no nosso site e nós queremos que a comunidade escolha o próximo modelo a ser construído, não queremos escolher sozinhos. Vamos anunciar, provavelmente no próximo semestre, o período de escolha para o próximo veículo que a Local Motors irá construir. Essa será a hora para todos opinarem sobre o que eles querem que seja construído. Queremos todos participando do nosso projeto.

Autor: Época