NA MÍDIA – Em 19h, chuva em SP é equivalente a 38% da prevista para dezembro

Rios Tietê e Pinheiros transbordaram na manhã desta terça-feira. Chuva provocou a morte de seis pessoas

A chuva que atingiu São Paulo nas primeiras 19h desta terça-feira (8) foi o equivalente a cerca de 38% da chuva esperada para todo o mês de dezembro na cidade, de acordo com o Centro de Gerenciamento de Emergências (CGE). Por conta do temporal, toda a cidade ficou pouco mais de 12h em estado de atenção, das 3h14 às 15h25. Até às 20h30, seis mortes foram confirmadas na Grande São Paulo – uma na capital paulista, uma no município de Itaquaquecetuba e quatro irmãos em Santana do Parnaíba.
De acordo com o CGE, a região onde mais choveu foi o Centro de São Paulo, com 96,4 mm. Na Zona Oeste choveu 84,5 mm; na Zona Leste, 68,6 mm; na Zona Norte, 64 mm e na Zona Sul, 49,4 mm. 

Apesar de a cidade ter deixado o estado de atenção, a chuva ainda atinge a cidade de São Paulo, que registra 37 pontos de alagamento.

Os bairros que registram o maior número de alagamentos são a Lapa, na Zona Oeste de São Paulo, e a Mooca, na Zona Leste, cada um com sete pontos de alagamento.

Transbordamentos

Na manhã desta terça-feira, o Centro de Gerenciamento de Emergências registrou o transbordamento dos rios Tietê e Pinheiros, das 5h55 às 12h; do Ribeirão dos Meninos, das 4h40 às 8h40, na região do Ipiranga, na Zona Sul de São Paulo; e do Córrego Três Pontes, na região Itaim Paulista, na Zona Leste, das 5h55 ao meio-dia.

Por causa do transbordamento dos rios Tietê e Pinheiros, o trânsito nas marginais chegou a ser totalmente interditato.

Mortes

Para quatro famílias, os danos materiais provocados pela chuva não são nada, em comparação com a dor que sentiram. Elas perderam filhos, mãe, irmãos, primos e tios na tempestade que atingiu a capital e a Grande São Paulo. A chuva causou um deslizamento de terra e soterrou quatro irmãos em Santana de Parnaíba. Outro deslizamento matou um catador em Sapopemba, na zona leste da cidade, e, em Itaquaquecetuba, uma mulher de 57 anos morreu após duas casas desabarem na região.

O deslizamento de terra em Santana de Parnaíba ocorreu por volta das 5h40 no bairro 120 e atingiu parte de um imóvel. O terreno da prefeitura, invadido há 15 anos, fica no pé de um morro. A área é rural, com acesso por uma rua de terra habitada por moradores que criam galinha nos quintais. Em um dos barracos, vivia Geomara Oliveira dos Santos, de 8 anos, com o casal de irmãos gêmeos Juliano e Juliana, de 7 anos, e o meio irmão deles João Luís, de 20 anos.

Os quatro dormiam no mesmo quarto quando a terra cedeu. “Estava na cozinha fazendo o café, fui para o banheiro e ouvi o estrondo Quando saí, a tragédia já havia acontecido”, recorda o ajudante geral Giomar Souza dos Santos, de 35 anos, pai das crianças e padrasto do jovem, que, assim como a mulher, Neuza, saiu ileso por estar em um cômodo separado.

Desesperado, Santos começou a cavar a terra para tentar retirar os filhos. Os vizinhos chegaram, com pás e enxadas para ajudar. “Quanto mais terra a gente tirava, mais caía do morro”, recorda o pai das crianças. O Corpo de Bombeiros foi acionado e chegou ao local às 7 horas.

Giomara, que dormia na cama de cima da beliche, foi a primeira a ser encontrada. Em seguida, Juliana acabou retirada da cama debaixo da beliche. Depois os bombeiros resgataram João Luís e, pouco antes do meio-dia, o corpo de Juliano foi encontrado. “Esperava que eles pudessem sair com vida”, disse Santos. A mãe das crianças, Neuza, por causa do choque emocional, precisou ser hospitalizada.

Foi por causa de Neuza que João mudou de casa, há 15 dias. “Ele morava com a gente, mas queria ficar mais perto da mãe”, comenta Elisângela Gambeta, de 21 anos, uma dos cinco irmãos do jovem, filho do primeiro casamento de Neusa. O jovem também queria ficar mais perto de Juliano. “Eles eram muito apegados. João pegava as crianças na escola à tarde e brincava com eles até a hora de dormir”, conta Ezequiel Gambeta, de 18 anos, outro irmão da vítima.

Para os pais, sobraram as lembranças em família. “Como a de ontem, da gente cantando karaokê”, disse Santos. A casa onde ele vive foi interditada pela prefeitura. O município também desalojou outras 17 famílias.

Na Zona Leste da capital, uma outra pessoa também morreu soterrada. Por volta das 3 horas, um deslizamento de terra atingiu quatro barracos na Favela Jardim Elba, na região de Sapopemba. Os ocupantes de três deles conseguiram sair antes de suas residências serem destruídas, mas o catador de papelão Francisco Oliveira de Lima, de 45 anos, estava dormindo no momento e acabou encoberto pela lama.

O corpo da vítima foi resgatado no início da manhã pelo Corpo de Bombeiros. Chicão, como era conhecido, vivia há mais de dez anos no Jardim Elba, mesmo já tendo presenciado outros deslizamentos. “Risco é o que não falta por aqui e ele sabia disso. Mas o que se pode fazer se era isso o que a situação permitia”, disse seu irmão João Gomes de Lima, que foi avisado do acidente pela manhã, quando estava trabalhando. Os dois não se viam havia três anos. Chicão chegou a viver alguns meses na casa do irmão, na Vila Prudente, mas retornou para a favela.

Em Itaquaquecetuba, um córrego transbordou e arrastou uma casa que havia sido erguida no local. O corpo de Delzi Conceição Ferreira, de 57 anos, foi encontrado entre os destroços da moradia. A PM diz que Delzi vivia sozinha no local há dois meses. Segundo a Defesa Civil, a moradia foi erguida bem em cima do córrego, que tinha 2 metros de largura antes da chuva.

Grávida em trabalho de parto

Em meio ao caos causado pela chuva, um helicóptero pousando na Rua Vergueiro, fechada por quatro carros de polícia, seria mais um sinal dos transtornos vividos nesta terça por São Paulo. Eram pouco mais de 10 horas quando o Esquilo AS50 do Deic desceu na frente da Estação Paraíso do Metrô, levando a bordo Patrícia Aparecida de Oliveira, de 25 anos, grávida, em trabalho de parto, resgatada depois de ficar ilhada na Avenida Zaki Narchi, do outro lado da cidade. Era o início da história mais iluminada do dia.

Patrícia estava a caminho da maternidade – o parto estava marcado para as 13 horas -, mas ela saiu de casa antes, assim que começaram as primeiras contrações. Mãe de dois filhos – Vitor, de 5 anos, e Tainá, de 10, ambos nascidos de cesariana -, ela sabia que não poderia entrar em trabalho de parto. “O médico avisou que eu poderia sofrer hemorragia e morrer, caso isso acontecesse”, contou.

Ela e o namorado, o segurança Gleidson Daniel da Silva, de 27 anos, ficaram presos no congestionamento. Ele saltou do carro, desesperado, pedindo para os motoristas abrirem passagem. “Dois motociclistas tentaram ajudar, para que voltássemos pela contramão. Na frente era só aguaceiro”, disse Patrícia.

Gleidson pediu ajuda à polícia. Em minutos, veio um helicóptero de policiais que costumam sobrevoar a cidade em dias complicados “Voamos à procura de ambulâncias. Quando tem uma parada, damos um jeito de levar o paciente”, explicou o delegado Roberto Bayerlein, comandante da aeronave. Em quatro minutos, percorreu os 9 quilômetros que a separavam da confusão da Zaki Narchi à Estação Paraíso.

Patrícia desceu do helicóptero pálida e assustada, caminhou duas quadras, amparada pelo namorado, até o Hospital e Maternidade Santa Joana. A mãe de Gleidson, Marilda Donizetti da Silva, de 56 anos, e a irmã, Sheila Cassiana, de 30, deixaram o Chevrolet Celta do casal na rua e foram de metrô.

Às 12h15, após uma cesárea, veio à luz Tayla Vitória, com 3,130 quilos e 48 centímetros. Forte e rosada, a menina que nasceu cheia de atenções ganhou nas primeiras horas de vida seu primeiro brinquedo, um urso de pelúcia, dado pela equipe do helicóptero do Deic. “Se ela não tivesse vindo de helicóptero, mãe e filha não sobreviveriam”, explicou o obstetra Alberto d Auria. “Minha filha teve muita sorte”, disse Gleidson. “Eu nunca tinha andado de helicóptero, e ela andou mesmo antes de nascer.”

Explicações

Falha nos sistemas de bombeamento, quantidade insuficiente de piscinões e assoreamento dos rios da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê são três dos principais fatores que ajudam a explicar o transbordamento dos rios Tietê e Pinheiros.

O Plano de Macrodrenagem, iniciado em 1998, previu o alargamento e aprofundamento da calha do Tietê e 134 piscinões espalhados pelos seus 65 afluentes. A calha foi alargada, mas o governo construiu somente 45 piscinões. “Toda a chuva que cai em São Paulo vai parar no Tietê. Os piscinões são importantes para evitar que a chuva dos afluentes cheguem ao rio”, explica o engenheiro Aluísio Canholi, um dos idealizadores do plano antienchentes. O Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) informa que três novos piscinões serão feitos até o ano que vem.

Além do problema estrutural da falta de piscinões, durante as chuvas desta terça, uma bomba da Usina de Traição, no Pinheiros, não funcionou, fato que acabou diminuindo a capacidade de vazão do Tietê. As bombas na Ponte das Bandeiras, local onde a pista da Marginal é rebaixada, também falharam, o que acelerou o alagamento na região.

Segundo cálculos do geólogo Álvaro Rodrigues, ex-diretor do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), mais de 3 milhões de m³ de terra são despejados nos rios de São Paulo. O DAEE vai retirar 400 mil m³ de terra dos rios neste ano. “Mas o total é insuficiente. O assoreamento reduz ainda mais a vazão do Tietê”, diz o engenheiro Júlio Cerqueira César Neto, do Instituto de Engenharia. 

Fontes: Agência Estado e G1/Globo.com

Autor: Gazeta do Povo