Indústria de automóveis experimenta seu maior desafio

O mundo automobilístico virou de pernas para ao ar depois de dois abalos sérios: a disparada do preço de petróleo que chegou a US$ 145, em julho de 2008, e a grave crise financeira mundial em cascata iniciada pela falência do banco americano Lehman Brothers, em setembro do mesmo ano. Fabricantes que já enfrentavam dificuldades tiveram que pedir concordata e mesmo os mais rentáveis sofreram prejuízos bilionários. Sem contar o mergulho em queda livre das vendas, com reflexos ainda um ano depois, e desorganização do sistema produtivo. Se já se discutia como a indústria poderia atender tantos desafios simultâneos, o estrangulamento financeiro tornou tudo mais difícil.

Na realidade existiam duas vertentes sobre as mudanças necessárias na matriz energética automobilística. A União Europeia levantou a bandeira de controle das emissões de dióxido de carbono (CO2), um dos gases que agravam o efeito estufa, seguida pelo Japão. Mas os EUA resistiam até o início deste ano, quando a posse do novo presidente, Barak Obama, praticamente alinhou o país ao pensamento prevalente no mundo.

Pode se questionar a ênfase ou a velocidade com que se deve combater o aquecimento da Terra. Ainda há dúvidas se apenas as atividades humanas e os combustíveis fósseis, que liberam carbono para a atmosfera, são os únicos responsáveis pela mudança do clima, que já ocorreu em outras eras. Os transportes por terra, mar e ar respondem por cerca de 15%, talvez 20% dependendo de como se calcula, das emissões de CO2 no planeta. Geração de energia e agropecuária têm peso maior, entre outras fontes.

No entanto, o apelo da sustentabilidade, a necessidade de economizar as fontes de energia não renováveis ou reservá-las para fins mais nobres falam mais alto. O CO2 é atóxico e sem a letalidade do monóxido de carbono (CO). Só no sentido leigo da palavra é considerado poluente. Sem ele as plantas deixariam de existir e inviabilizaria a vida no planeta. Para controlar sua emissão nos escapamentos de veículos não existe um catalisador ou pós-tratamento. Único meio é diminuir o consumo de combustíveis fósseis (gasolina, diesel) ou utilizar biocombustíveis, capazes de absorver o CO2 e devolver oxigênio à atmosfera no processo de fotossíntese das plantas, árvores, vegetais.

Diminuir o consumo e manter os custos do veículo sob controle, de tal forma que os compradores possam suportar, é o maior desafio que a centenária indústria de automóveis já experimentou. Depende de tempo para pesquisas e de pesados investimentos em um momento de fontes financeiras escassas.
Alternativas possíveis

Alterar a matriz energética do setor é algo extremamente complexo. Depende de ações políticas, mudança de mentalidade, influências contrárias (da indústria petrolífera aos ambientalistas radicais) e de ações coordenadas dos governos.

Na Europa, criou-se uma legislação que impõe a diminuição de emissões de CO2 por meio de impostos e metas estritas a serem cumpridas pela média de todos os modelos produzidos por cada fabricante. Para 2015 estabeleceu-se o limite de 130 g/km de CO2: acima disso paga-se mais imposto; abaixo, menos. Em 2020 o limite será reduzido.
A indústria europeia vem diminuindo o consumo e o nível emitido de CO2 desde 1995. Em 13 anos a queda foi de quase 20%. Paralelamente a esse esforço, que continuará, a Associação dos Construtores Europeus de Automóveis (ACEA) defende ações coordenadas.

Dos governos pede incentivos fiscais, melhoria na infraestrutura viária, medidas para facilitar o fluxo de tráfego e mais apoio a combustíveis alternativos ou renováveis. Dos usuários de seus produtos, um modo de dirigir mais econômico e uso racional do automóvel. Dos fornecedores de combustíveis, o planejamento de uma rede de abastecimento capilar para hospedar a futura era do hidrogênio ou mesmo de eletricidade. Nada muito fácil de ser alcançado…

O maior desafio é eleger o melhor caminho. A Conferência de Mudanças Climáticas, em Copenhagen, em dezembro próximo, incluirá muito debate. A Europa já tem 17 países com taxações sobre veículos baseadas em emissões de CO2. A indústria de veículos europeia explicitará sua posição em torno da harmonização da legislação, sugerindo uma taxação linear baseada em cada grama/km emitido. Também faz questão de defender que a tecnologia utilizada seja neutra, sem direcionamentos ou tentativas de escolher a “solução vencedora”. Isso, certamente, provocou muita discussão acalorada na ACEA, talvez reações iradas em choques de interesses entre marcas premium e generalistas nos diferentes países.

Nos EUA ainda há questões em aberto. Provavelmente o país investirá em uma matriz energética diversificada que incluiria petróleo, gás, biocombustíveis e eletricidade. Por enquanto, discutem-se metas de redução de consumo de 40% até 2020 e forte estímulo fiscal para convencer os compradores a eleger alternativas caras, a exemplo de carros elétricos ou híbridos. A crise financeira torna-se grande empecilho por exaurir o caixa do governo americano.

Veículos elétricos representam mudança radical nos transportes. Os consumidores precisam acreditar na criação de infraestrutura de abastecimento. A tecnologia de baterias quanto à autonomia, tempo de recarga, peso, densidade energética, potência e reciclagem não está perto de soluções econômica e técnica viáveis. E também não se sabe quanto custará a geração de eletricidade para milhões de automóveis, mesmo à noite. Se de origem térmica (carvão, óleo ou gás), o balanço entre energia e poluição seria negativo. Restam usinas hidroelétricas e atômicas também com impactos ambientais.

Hidrogênio talvez seja a solução definitiva. Alimentaria as pilhas a bordo (fuel cells) para motores elétricos, deixando como subproduto apenas vapor d’água e contornaria o problema das baterias. Entretanto, obter hidrogênio de fontes não fósseis implica usar grande quantidade de energia elétrica com as dúvidas já citadas. Sem contar a caríssima estrutura de abastecimento.

Por isso tudo, conclui-se que não existe a certeira bala de prata para enfrentar o problema energético do planeta. O carro elétrico pode ser alternativa em países de pequena extensão territorial e em algumas aplicações urbanas de nicho. Aumentar a eficiência do motor a combustão e utilizá-lo em conjunto com motor elétrico (solução híbrida) trariam certa racionalidade. O gás natural seria apenas solução pontual por fatores como rede de distribuição cara e rarefeita, além do custo de adaptação aos automóveis.

Etanol de segunda geração (celulose e restos orgânicos) teria a vantagem tripla de quase neutralizar as emissões de CO2, evitar gastos com a troca da infraestrutura existente para combustíveis líquidos e aproveitar os motores atuais melhorados. Já o etanol de primeira geração depende de grandes extensões territoriais, terra agricultável, sol e água, além de uma planta privilegiada, a cana-de-açúcar. Em países como o Brasil – e outros em condições semelhantes – seria a energia renovável e alternativa que tanto se procura. Também já se fala de etanol de terceira geração a partir de algas.

Quanto ainda vai durar

Um interessante estudo publicado no portal Energia da Europa (http://www.energy.eu/#depletion) mostrou a expectativa de esgotamento das reservas mundiais de combustíveis fósseis, também conhecidos por não renováveis. Tomaram-se como referência produção atual, reservas conhecidas, ritmo de novas descobertas e manutenção do consumo.

Sabe-se, no entanto, que o consumo deve subir, apesar dos esforços para controlar as emissões de gases de efeito estufa. Somente em dezembro, poderá se saber se algum consenso foi alcançado na conferência de Copenhagen. Ainda assim, nada garante que a curva crescente de consumo de combustíveis fósseis seja invertida. Talvez sofra apenas uma leve inflexão.

As previsões são as seguintes:

Carvão (em toneladas)
Total de reservas mundiais em 1/1/ 2009: 841.086.192.000
Consumo mundial por segundo: 203
Data estimada de exaustão: 19 maio 2140

Urânio (em toneladas de U-235)
Total de reservas mundiais em 1/1/ 2009: 18.096
Consumo mundial por segundo: 0,0000042222017
Data estimada de exaustão: 28 novembro 2144

Gás natural (em metros cúbicos)
Total de reservas mundiais em 1/1/ 2009: 174.436.171.550.404
Consumo mundial por segundo: 92.653
Data estimada de exaustão: 12 setembro 2068

Petróleo (em barris)
Total de reservas mundiais em 1/1/ 2009: 1.206.780.968.626
Consumo mundial por segundo: 986
Data estimada de exaustão: 22 outubro 2047

Nos cálculos não se consideraram as reservas mundiais de areia betuminosa e xisto betuminoso, cuja extração é cara demais e poluente, embora abundantes.

Autor: WebMotors