Obra de transposição divide especialistas

Técnicos divergem sobre impacto de projeto que levará parte das[br]águas do maior rio do Nordeste para regiões secas de quatro Estados 

O projeto de transposição do São Francisco dividiu não apenas os políticos de Estados que perderão ou ganharão água, mas também especialistas. Engenheiros, geólogos e ambientalistas estão longe de um consenso sobre o impacto da obra.

Para o geólogo Pedro Ângelo Almeida Abreu, doutor em Ciências Naturais pela Universidade de Freiburg (Alemanha) e reitor da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri , o projeto representa a “redenção” do semiárido nordestino.

Já o engenheiro João Abner Guimarães, professor do Laboratório de Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, vê a iniciativa como “uma fraude que não tem nada a ver com a seca”.

A discordância não se limita aos aspectos técnicos, como a necessidade de água nas regiões que serão atingidas e os eventuais prejuízos ao rio e a seu entorno. Até as causas e efeitos políticos da obra são encaradas de forma divergente.

Para Guimarães, a obra é resultado de lobbies de setores beneficiados pela chamada “indústria da seca”. Já Abreu afirma que vêm da mesma “indústria” os ataques ao projeto, pois ele teria potencial para acabar com a “hegemonia política de coronéis e oligarquias que sempre abocanharam os recursos para o combate à seca”.

“A perenização de alguns rios e a manutenção de açudes cheios vai melhorar o abastecimento às pessoas e, ao mesmo tempo, viabilizar projetos de irrigação, fruticultura, criação de peixes”, previu o reitor da UFVJM.

“A água vai escoar, na parte inicial, por áreas despovoadas, e depois irá para grandes barragens, onde não falta água. Nenhum carro-pipa deixará de ser contratado”, disse o professor da UFRN.

Interesses
Debatida desde a época do Império, a transposição do São Francisco foi apresentada como prioridade já no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O projeto em andamento prevê a abertura de 720 quilômetros de canais para levar a água do maior rio do Nordeste para áreas de Pernambuco, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte. Estados que perderão água sempre protestaram contra a obra, mas a resistência diminuiu com a eleição de correligionários de Lula na Bahia e em Sergipe.

“É um grande lobby. Um vírus que se instalou no governo Itamar Franco, se replicou no governo Fernando Henrique Cardoso e ficou mais forte no governo Lula. São os interesses econômicos das empreiteiras que mandam neste País”, afirmou João Abner Guimarães.

Para Almeida Abreu, as críticas à obra vêm de pessoas que a desconhecem ou que fazem “propaganda ostensiva” por temer que o vale do São Francisco – polo de produção de frutas e vinhos – perca investimentos para regiões mais ao norte.

“Fui testemunha de discussões com argumentos que beiram a ignorância. Vi gente dizendo que grande parte da água seria perdida com a evaporação. Los Angeles é abastecida por água que atravessa todo o deserto de Mojave, e as taxas de evaporação são insignificantes”, afirmou o reitor.

Abner Guimarães afirma que o alto custo da água nas regiões atendidas vai inviabilizar a irrigação e o estabelecimento de novos polos de fruticultura, a não ser que os consumidores das cidades paguem a conta.

“Haverá um subsídio cruzado, semelhante ao que existe no setor de energia. As cidades do Nordeste setentrional vão acabar subsidiando a irrigação, mesmo as que não precisam da água do São Francisco.”

O professor ataca ainda o discurso oficial de que a transposição beneficiará cerca de 12 milhões de habitantes dos Estados atingidos. “É mentira. Não há infraestrutura para levar água para essas pessoas.”

Autor: O Empreiteiro