Exxon investe US$ 600 mi em combustível de alga

A ExxonMobil, a maior empresa de petróleo e gás de capital aberto do mundo, cujo faturamento em 2008 foi superior a US$ 45 bilhões, anunciou o desembolso de US$ 600 milhões, ao longo de cinco anos, em pesquisas para viabilizar a produção de biocombustíveis a partir de algas por meio de uma parceria com a Synthetic Genomics Inc. (SGI), companhia fundada pelo pioneiro da pesquisa do genoma humano J. Craig Venter. 

A proposta é pesquisar o potencial das algas fotossintéticas para produzir combustível com auxílio da genômica. As parceiras dizem encarar sua aliança como um esforço de P&D de longo prazo, avaliando que os investimentos futuros poderão atingir até bilhões de dólares. O anúncio da aliança entre as duas empresas foi noticiado pela imprensa internacional, como o diário norte-americano New York Times e os jornais britânicos Financial Times e The Guardian. 

Nos termos do acordo, a SGI vai trabalhar na busca, otimização e engenharia de variedades de algas mais adequadas às necessidades e desenvolver melhores sistemas para o cultivo das algas em grande escala e para a conversão de seus produtos em biocombustível. A Exxon entrará com o dinheiro e com sua experiência científica e de engenharia, utilizada em todas as etapas do programa, desde o desenvolvimento de sistemas para aumentar a escala da produção de algas até o processamento de combustíveis finais. 

A parceria Exxon-Synthetic Genomics objetiva que as algas produzam hidrocarbonetos ― isto é, compostos como os obtidos pela destilação do petróleo ― e não etanol ou biodiesel. Há outras empresas que já trabalham nesta direção: um exemplo é a Amyris, instalada em Campinas. Segundo a revista The Economist (Biofuels from algae, Craig's twist, ― Biocombustíveis de Algas, a Virada de Craig), as microalgas já “engenheiradas” por Venter são unicelulares e capazes de produzir um óleo da família dos triglicérides ―que ainda não é um hidrocarboneto. As algas também foram preparadas para secretar o óleo no meio de cultura que as nutre.

 De acordo com a revista britânica, o dinheiro da Exxon vai servir para que a empresa de Venter pesquise como “obrigar” as algas a produzir um hidrocarboneto pronto, e não mais um triglicéride. Para isso, é preciso escolher, intervir e modificar rotas bioquímicas da alga, por técnicas de biologia molecular; e também escolher a espécie de alga mais adequada. Na descrição da revista, a espécie ideal deve suportar bastante luz e calor, para facilitar sua proliferação e produção de óleo; e também ser resistente a vírus. Se a espécie não existir, a empresa de Venter fará uma ― essa é a promessa da biologia sintética , área à qual pertence a SGI. 

O desafio de P&D não é produzir combustível com algas. Isso a empresa do Dr. Venter já faz, outros empreendedores da área de biotecnologia fazem, e até outras empresas petrolíferas, como a Royal Dutch Shell e a Chevron, conseguem fazer. A companhia aérea Continental Airlines já realizou um voo de teste com uma aeronave abastecida com combustível extraído de algas, conforme noticiou Inovação. A questão agora é de escala e custo. 

Algas na cabeça – Segundo a SGI, as algas fotossintéticas, entre as quais se incluem as microalgas (algas unicelulares) e as cianobactérias (conhecidas por algas azuis), são organismos que se reproduzem por si mesmos e utilizam com muita eficiência a energia do sol para converter dióxido de carbono em óleos, ou lipídios, e até em hidrocarbonetos de cadeia longa (com sete carbonos ou mais), passíveis de serem transformados em combustíveis e produtos químicos. 

A estrutura molecular dos combustíveis derivados das algas é similar à dos derivados de petróleo ¾ o que traz a vantagem da compatibilidade com a infraestrutura de transportes já disponível. Ou seja, em tese eles podem ser usados, sem adaptação, nos motores de veículos e aviões atuais. Poderiam também ser processados na rede de refinarias da empresa, transportados nos oleodutos já existentes e vendidos nas mesmas estações de serviço que hoje comercializam combustíveis fósseis ¾ tudo do interesse da Exxon. 

O cultivo de algas não ocupa terras agricultáveis e sequestra carbono: para crescer, essas plantas 
aquáticas precisam somente de luz, água ¾ para algumas delas serve água do mar e até água poluída ¾ e dióxido de carbono. “As algas são o melhor sistema biológico existente no que diz respeito a usar a luz solar para capturar e converter CO2 em combustível¿, assegurou o Dr. Venter no anúncio do acordo com a Exxon. Sempre conforme as noticias publicadas nos jornais internacionais, a produtividade das algas também supera a de outras matérias-primas: a companhia petrolífera estima que a produção por hectare de combustível obtido das algas já é, hoje, quase 4,5 vezes maior que a da cana-de-açúcar e oito vezes superior à do milho. 

Mas para chegar a concorrer com o petróleo, as algas do futuro vão ter de produzir muito mais óleo, ser cultivadas numa escala muitíssimo maior e capturar da atmosfera quantidades muito maiores de gases de efeito estufa. E a produção do combustível derivado delas terá de baratear significativamente: de acordo com o jornal britânico Financial Times, “uma estimativa recente” calcula em US$ 8,7 o preço por litro do biocombustível produzido a partir de algas ¾ quinze vezes o custo de um litro de etanol de cana-de-açúcar. 

Para buscar a viabilidade comercial do combustível de algas, a ferramenta que a parceria Exxon-SGI vai usar é a engenharia genética. “É o único modo de fazer a produção superar em muito a da natureza, obter algas resistentes a ataques de vírus e assim por diante”, asseverou o Dr. Venter ao Financial Times. “As algas costumam ser cultivadas e colhidas por meio de um processo caro e demorado”, conta ele. 

Pois cientistas da empresa conseguiram criar algas que produzem óleos num processo contínuo, mais eficiente e mais barato. “Tive a ideia de fazer com que as algas fabriquem mais lipídios”, explica o criador da SGI. Ainda assim, a produção do combustível derivado delas terá de baratear significativamente. 

Economia de carbono – Para Ben Graziano, gerente de P&D da Carbon Trust, agência do governo britânico de promoção de tecnologias que emitem pouco carbono, os biocombustíveis produzidos a partir de algas têm potencial para possibilitar “uma grande economia de carbono”. 

Segundo o Guardian, a Carbon Trust projeta que até 2030 os biocombustíveis produzidos a partir de algas poderão substituir mais de 70 bilhões de litros de combustíveis fósseis por ano. Isso equivale a 12% do consumo anual da aviação no mundo, ou a 6% de todo o diesel utilizado no planeta num ano. 

São metas difíceis: hoje, os EUA consomem aproximadamente 525 bilhões de litros de gasolina por ano. Se atingidas, poderiam evitar a emissão anual de 160 milhões de toneladas de CO2 . 

Venter reconhece o desafio da escala. Atualmente, os biocombustíveis (etanol produzido a partir de milho, principalmente) suprem cerca de 9% do consumo de combustíveis líquidos dos Estados Unidos, ou pouco mais de 47 bilhões de litros anuais. Em 2022, mantidos a legislação em vigor e o padrão de consumo atual, o mercado norte-americano vai precisar de 137 bilhões de litros de combustível. E há o resto do mundo. “Para a maioria dos cientistas”, ressalta o Dr. Venter, “aumento de escala significa ir do tubo de ensaio para o béquer. Nós precisamos ir do tubo de ensaio para milhões de galões.” 

Ao anunciar a parceria com a Exxon, o Dr. Venter avisou que o projeto é de longo prazo e que podem passar dez anos antes de ele se mostrar viável comercialmente: “Não estamos dizendo que vamos ter milhões de toneladas de algas no ano que vem”, disse o fundador da SGI. Pela companhia petrolífera, o vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento da unidade de pesquisa e engenharia da empresa, Emil Jacobs, estimou o prazo para a entrada em operação de qualquer planta com capacidade para produzir o biocombustível em escala comercial entre cinco e dez anos. “Não vou adoçar a pílula. Isto não vai ser fácil”, admitiu o executivo. 

O programa de pesquisa começa com a construção de um centro de testes em San Diego, no sul da Califórnia, onde fica a sede da SGI. Nele, segundo o Dr. Venter, serão testadas técnicas para acelerar o crescimento e otimizar o cultivo das plantas. Será preciso decidir quais tipos de alga usar e se é mais eficiente cultivá-las em lagoas abertas ou em biorreatores, nos quais elas crescem em tubos fechados. “

“Vamos usar algas naturais recém-descobertas para achar as melhores maneiras de atingirmos um aumento de escala”, explicou ele. 

Ao criar a SGI, o principal objetivo do Dr. Venter, conforme Inovação reproduziu, era precisamente trabalhar com biocombustíveis, em especial o etanol de celulose. Mas nos últimos anos o Dr. Venter também andou à procura de micróbios ambientalmente corretos, que de alguma forma pudessem ser usados para reduzir as emissões de carbono. Encontrou, por exemplo, um organismo que transforma CO2 em metano e poderia vir a produzir combustível com os gases expelidos por usinas de eletricidade. 

E descobriu outro que transforma carvão em gás natural, acelerando um processo que ocorre naturalmente e diminuindo tanto a quantidade de energia necessária para a extração do combustível fóssil como a quantidade de poluição quando este é queimado. 

Sinceridade à prova – Segundo Emil Jacobs, da Exxon, o acordo com a SGI foi precedido de dois anos de avaliação das diferentes opções de investimento em energias alternativas. A empresa analisou potencial de crescimento, desafios técnicos, impacto ambiental e perspectivas de viabilidade comercial de diversas fontes. “Atender as crescentes demandas energéticas do mundo vai exigir uma grande variedade de tecnologias e fontes energéticas. Acreditamos que o biocombustível produzido a partir de algas pode ser uma parte significativa da solução para o futuro”, afirma o executivo no press release divulgado pela companhia petrolífera. 

De acordo com a empresa, nos últimos cinco anos a Exxon investiu mais de US$ 1,5 bilhão em projetos para melhorar a eficiência energética e reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Pesquisou, por exemplo, revestimentos que mantêm pneus cheios por mais tempo, óleos de motor que reduzem o consumo de combustível e plásticos automotivos leves. A companhia petrolífera afirma também que vem patrocinando pesquisas sobre formas de aperfeiçoamento da energia solar, de biocombustíveis e de captura e armazenagem de carbono. 

A sinceridade e o compromisso da Exxon em relação aos combustíveis alternativos são questionados por muitos ambientalistas, principalmente em função dos lucros extraordinários obtidos pelo setor petrolífero nos últimos anos. Afinal, em fevereiro de 2007 Rex Tillerson, presidente da Exxon, se referiu ao etanol como “devaneio”. Ao falar para o New York Times sobre o acordo Exxon-SGI, Kert Davies, diretor de pesquisa do Greenpeace, comentou: “Nossa organização sempre disse que as grandes companhias de petróleo teriam de estar envolvidas nesse processo. A questão é se elas estão só fazendo de conta para consumo externo ou se de fato estão colocando seu peso e seu poder nisso.” 

Já o Dr. Venter se disse “surpreso e muito satisfeito” com a decisão da Exxon. Para ele, o envolvimento da empresa é componente crítico na procura por combustíveis alternativos cuja produção pode ser feita em grande escala. “Mudanças como essa não podem ocorrer sem a participação do líder do setor”, afirmou. “Os desafios não são pequenos para nenhum de nós, mas temos equipes e talentos científicos e de engenharia que, combinados, oferecem a melhor possibilidade de sucesso.”

Autor: Terra