Crescimento concreto

Apontado como o principal filão de investimentos no Brasil, o setor de infraestrutura enfrenta desafios que não dependem apenas da obtenção de recursos para financiamento das obras necessárias para ampliação dos serviços. Questões regulatórias e burocráticas, disputas judiciais e políticas, falta de projetos e de profissionais qualificados compõem o pano de fundo para o atraso no andamento e desenvolvimento dos empreendimentos bem como para a atração de investidores privados, sobretudo nas áreas de saneamento, logística e transportes – as mais afetadas.

Protagonista do esforço do governo em assegurar a execução de obras e, ao mesmo tempo, apoiar a sustentabilidade do crescimento econômico durante e após a crise mundial, o PAC, Programa de Aceleração do Crescimento, com orçamento de R$ 646 bilhões, é alvo de elogios e críticas. “Graças a ele, o Brasil voltou a ter uma agenda de investimentos para o setor de infraestrutura”, diz o economista Julio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi). Já, para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, o programa peca por criar a falsa ilusão de que será possível fazer tudo até 2010. Para ele, o governo deveria reduzir gastos correntes para compensar a redução dos investimentos privados num momento de saída da crise.

No geral, o volume de investimentos destinados à infraestrutura aumentou nos últimos seis anos. De acordo com a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib), de 2003 a 2008, em valores atualizados pelo IPCA, os investimentos realizados saltaram de R$ 55,8 bilhões para R$ 106,8 bilhões. Paulo Godoy, presidente da entidade, estima que, para os próximos cinco anos, a necessidade anual de recursos será de R$ 160,9 bilhões, dos quais R$ 75,3 bilhões, para petróleo e gás, incluindo o Pré-sal.

Com a realização da Copa de 2014, São Paulo espera atrair sobretudo investimento estrangeiro. Os recursos para infraestrutura da cidade e seu entorno, envolvem cerca de R$ 33 bilhões, divididos entre Município, Estado, União e iniciativa privada. Cerca de 19 obras ligadas à mobilidade urbana que já estavam previstas serão apressadas, antecipadas e concluídas antes da Copa. A ampliação dos investimentos está sendo alavancada com a participação da iniciativa privada, que responde por 40,5% do investimento geral em 2008, segundo a Abdib.

“O governo ainda investe pouco, mas já é o dobro da média dos últimos dez anos antes do PAC”, afirma Antonio Corrêa de Lacerda, economista-chefe da Siemens e professor da PUC-SP. Na década de 70, diz ele, o investimento público representava 4% do PIB. Caiu para 0,5% do PIB antes do PAC e agora deve atingir 1%.

Para Lacerda, o governo aumentou os gastos correntes porque precisa amenizar os efeitos da crise. “Melhorar a eficácia dos gastos públicos é necessário, mas trata-se de uma questão estrutural da pauta deste e dos próximos governos”, diz. Segundo o economista, o principal obstáculo para aumentar o nível de investimentos é o custo de financiamento da dívida pública – R$ 160 bilhões ao ano, enquanto a fatia de investimentos é da ordem de R$ 20 bilhões.

Ele destaca o papel do BNDES. Entre 2001 e 2008, o banco aumentou de R$ 6,5 bilhões para R$ 37,9 bilhões os aportes de capital destinados à infraestrutura. No acumulado de janeiro a abril de 2009, o BNDES destinou R$ 11 bilhões para o setor, 42,9% do total de desembolsos.

Outra fonte é o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), cujo orçamento ganhou reforço de R$ 6,4 bilhões este ano. Esse montante vai se somar aos R$ 27,4 bilhões previstos para as áreas de habitação, saneamento e infraestrutura. É praticamente o dobro em relação a 2008, após o lançamentos de programas anticíclicos do governo federal – entre ele, o “Minha Casa, Minha Vida”.

Os investimentos em infraestrutura também seguraram a queda da taxa de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), causada pelo pé no freio das empresas em função da crise. Sergio Vale prevê que a FBCF, que alcançou 19,0% do PIB em 2008, deva fechar 2009 em 17,9%. “Ainda assim, ficará acima dos 15,2% registrados no pior momento de 2003”, assinala. O nível ideal para um crescimento sustentado de 5% do PIB é de 25%.

A retomada da atividade industrial, na opinião de Vale, será lenta, o que dará mais fôlego para o ajuste da oferta de energia ao aumento da demanda, aproveitando a conclusão dos novos projetos de geração de eletricidade.

As necessidades, contudo, não são iguais em todos os setores. “No caso de saneamento, aeroportos e portos, há uma carência de modelos de gestão que precisam ser regulamentados para atrair capital privado”, diz Paulo Godoy da Abdib. Para ele, o salto no volume de investimentos ainda não é suficiente, e serão necessários recursos externos. “Precisamos criar um arcabouço legal para contratação dos projetos e melhorar a gestão do ponto de vista funcional”, afirma.

Os aeroportos, um dos pontos de preocupação para a Copa de 2014, deverão receber recursos do orçamento para obras de ampliação. Onze dos 14 aeroportos das cidades-sede já ultrapassaram sua capacidade de utilização. Na área de portos, os investimentos federais somam R$ 3,5 bilhões para dragagem e infraestrutura interna. A expectativa é de ampliar em 30% a capacidade dos portos somente com o trabalho de dragagem.

Paulo Godoy diz que os menores índices de avanço no PAC são de projetos públicos. Na área de concessões, ele defende a criação de marcos regulatórios que tragam estabilidade para as regras. “Os problemas vão de greve à falta de aparelhamento técnico para licitações, afirma. “É preciso trazer mais transparência e clareza aos processos de licitação e licenciamento ambiental.”

Na área de saneamento, dois anos depois de aprovado o marco regulatório do setor, a participação da iniciativa privada ainda não decolou. Apenas a concessão para a OHL para captação de esgoto em Mogi Mirim (SP) foi assumida em 2009. Segundo Godoy, os municípios ou não se adaptaram ainda à nova legislação ou não têm estrutura técnica suficiente para atender os requisitos das leis.

Documento da entidade mostra que, “dos R$ 18 bilhões ofertados para empréstimos, entre 2003 e 2008, somente R$ 8,2 bilhões foram tomados pelas concessionárias estaduais – e apenas R$ 3 bilhões foram concluídos”. A expectativa é que, até 2010, os municípios aprovem seus planos de desenvolvimento e refaçam os contratos firmados com as empresas estaduais nos anos 70, abrindo espaço para a iniciativa privada. Pelos cálculos da Abdid, os investimento anuais em saneamento oscilaram entre R$ 3,4 bilhões e R$ 4,8 bilhões, de 2003 a 2008. Mas o volume necessário para universalização dos serviços é de R$ 13 bilhões ao longo de 20 anos.

No setor de transportes, o desafio é equilibrar a matriz de carga brasileira. O Plano Nacional de Logística e Transportes prevê investimentos de RS$ 2 bilhões anuais em oito anos. A meta é reduzir a participação rodoviária de 58% para 33%, elevar a ferroviária de 25% para 32%, a hidroviária de 13% para 29% e a aeroviária de 0,4% para 1%. Pelo último balanço do PAC, já foram concluídos 133 empreendimentos de logística e transporte, para os quais foram destinados R$ 10,2 bilhões.

Paulo Sérgio Oliveira Passos, secretário-executivo do Ministério dos Transportes, informa que, até junho de 2009, segundo dados preliminares, os investimentos privados em rodovias e ferrovias (Norte-Sul e Transnordestina) somam R$ 16,7 bilhões, dos quais R$ 10,3 bilhões se referem à segunda etapa das concessões rodoviárias que serão aplicados ao longo de 25 anos. Passos informa que o trecho da Ferrovia Norte-Sul até Palmas (TO) será concluído este ano e o trecho até Anápolis (GO) em 2010.

O presidente do Conselho de Infraestrutura da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José de Freitas Mascarenhas, assinala que o Brasil poderia aumentar em 40% as exportações para os EUA apenas com a melhoria dos serviços de infraestrutura. “É algo que se compara ao esforço feito junto à Organização Mundial do Comércio para revisão de tarifas”, explica. Na sua opinião, o PAC é insuficiente e não está sendo realizado na velocidade adequada. Com isso, diz ele, o volume de restos a pagar (recursos não aplicados que ficam de um exercício para outro) é crescente e equivale a um segundo orçamento.

Autor: Valor