Brasil está preparado para aportes em eólica

O governo brasileiro marcou para o dia 25 de novembro o primeiro leilão de energia eólica, que é visto como um gesto de vontade política para essa forma de geração elétrica. A entrada, porém, definitiva dessa fonte de energia limpa, que está crescendo cerca de 27% ao ano no mundo, na matriz energética brasileira ainda dependerá dos incentivos. Para debater esse assunto, o programa “Panorama do Brasil” trouxe o presidente da Associação Brasileira da Indústria Eólica (Abeeólica), Lauro Fiúza, que foi entrevistado pelos jornalistas Roberto Müller, Crislaine Coscarelli, editora de Indústria do DCI, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM.

Roberto Müller: Doutor Lauro, constatamos que o potencial de energia eólica e de outras fontes é de tal magnitude que não há mais dúvidas de que Deus é brasileiro. Conte um pouco da entidade que preside e desse potencial.

Lauro Fiúza: Deus definitivamente é brasileiro. O mundo inteiro tem uma preocupação básica: como gerar energia sem agredir o meio ambiente. O mundo está preocupado com o término do ciclo do petróleo e a grande questão é como substituir essa geração de forma sustentável sem destruir a natureza. Esse é um processo que começou na Alemanha nos últimos 20 anos, e que se espalhou pela Europa e hoje atinge a China, Índia e, principalmente, os Estados Unidos, uma nação que depende muito de petróleo importado, um produto que tem como característica existir em abundância onde há instabilidade política, e os EUA são reféns dessa posição, tanto que na administração do presidente Barack Obama há o desenvolvimento de pesquisa e busca pesada por outras formas de geração de energia para diminuir essa dependência que em termos financeiros chega a US$ 700 bilhões de déficit na balança comercial. Já o Brasil é a nação que tem a maior participação de energia renovável em sua matriz energética, no setor elétrico, temos 80% da carga produzida de fontes renováveis e entre elas a matriz básica é a geração hidroelétrica. O Brasil também tem muito sol e terra, o que propicia gerar energia por meio de produtos agrícolas, o etanol e a geração elétrica por bagaço da cana. Como consequência do sol podemos também gerar energia elétrica solar por meio de painéis térmicos e fotovoltaicos. Ainda, o sol é o gerador das correntes de vento, e ventos o Brasil tem em grande proporção. Para completar, Deus ainda deu uma pitadinha de sorte, com a descoberta do petróleo do pré-sal. Daqui para a frente, o Brasil pode ser um grande fornecedor de petróleo para o resto do mundo que não tem fontes renováveis de energia da forma como nós temos. O petróleo já teve preço próximo de US$ 150 por barril, caiu, e já está subindo novamente, e as previsões dos grandes estudiosos de energia do mundo preveem o retorno da economia a patamares anteriores, com o que esse preço voltará a US$ 150. A vida do petróleo deve acabar em 30 ou 40 anos, por isso o mundo passa por um novo ciclo de geração de energia.

Milton Paes: As concessionárias investem em pesquisa. A CPFL, por exemplo, tem investido em energia de biomassa e pesquisas nesse sentido. Em relação à energia eólica, como está esse ponto por parte das concessionárias?

Lauro Fiúza: A eólica chega com força no Brasil. Hoje temos a nítida percepção de que ela é necessária como forma complementar à geração hidroelétrica, que é a nossa principal fonte de geração.

Roberto Müller: E o Brasil tem muito potencial? O que representa?

Lauro Fiúza: Nosso potencial é gigantesco. O último Atlas da energia eólica aponta de que temos 143 mil MW de potencial a ser explorado. Mas esse mapa foi feito com torres de 50 metros de altura; hoje, a média dessas torres está acima de 100 metros: o novo mapa está em preparação e indica que o potencial brasileiro passa para 300 mil MW. Isso representa o triplo da capacidade total de todas as fontes de que o Brasil dispõe hoje. Quer dizer, somente por meio da eólica podemos abastecer o Brasil nas próximas décadas.

Roberto Müller: …e para sempre, porque somente se parar de ventar é que se para de gerar…

Lauro Fiúza: E ainda tem a vantagem de que o custo do combustível é zero: não se cobra pelo vento. As concessionárias estão preocupadas com o futuro, afinal não vivem somente no presente. As maiores empresas de energia do mundo estão investindo pesadamente em eólica, nos EUA e na Europa. No Brasil a CPFL tem muitos parques preparados para entrar nos próximos leilões, a EDP, a Iberdrola, a AES, a Tractebel-Suez. Enfim, todos os nomes de peso no mundo em geração e transmissão de energia e que estão no Brasil estão atentos e querendo desenvolver parques. Gostaria de acrescentar que a Petrobras vai entrar em eólica também, e a Eletrobrás vai entrar também por meio das concessionárias como a Chesf. Isso prova que o mundo ligado à energia pensa seriamente na eólica.

Crislaine Coscarelli: O senhor citou os leilões, o primeiro dos quais vai ser no próximo semestre; o senhor acha que isso será um marco, um início para o investimento?

Lauro Fiúza: Acho que é uma grande sinalização do governo de que passa a se preocupar e a investir, a incentivar e a considerar a geração eólica uma parte da matriz energética. Existiam alguns mitos, que foram amplamente debatidos nos últimos doze meses, um dos quais é de que a energia eólica é cara. Não, não é cara, é complementar à hidroelétrica. Um dos estudos que nós, da Abeeólica, contratamos, com um dos maiores pensadores e autoridades do setor de energia do Brasil, o doutor Mauro Veiga, que pesquisou durante sete meses a fundo a inserção da eólica na matriz energética brasileira, chegou a conclusões fantásticas. Uma delas é a de que cerca de mil MW de energia eólica contratada durante 10 anos produz uma economia de R$ 1,4 bilhão anualmente, porque quando a eólica está utilizando os ventos para a geração, contribui para os reservatórios das hidroelétricas economizarem água para o segundo semestre, mais seco. Poupar água para esse período do ano significa deixar de utilizar as térmicas para complementar a geração.

Roberto Müller: Essas sim, são mais caras, não?

Lauro Fiúza: São bem mais caras e têm o agravo de ser altamente poluentes. E tem mais: hoje sabe-se quanto vai custar essa energia, mas não se sabe qual será esse preço amanhã, porque esse tipo de usina depende de uma commodity, que é o petróleo.

Crislaine Coscarelli: Com a eólica não tem essa variável…

Lauro Fiúza: Para a eólica, como o combustível não é comprado, o custo de geração é definido quando termina o investimento no parque, daí para frente o custo não muda mais, tem apenas o de operação.

Milton Paes: Mundialmente falando, qual é a participação da energia eólica?

Muito baixa, mas tem avançado com muita rapidez. A geração eólica é a forma de energia que mais cresce no mundo, cerca de 27%. Nos EUA já está encostando no carvão, que é a linha-mestra daquele país. Porém, no mundo, é de cerca de 3% da matriz energética, muito baixo ainda, mas há paises, como a Dinamarca, em que a energia eólica responde por cerca de 20% do consumo. Na Espanha, 13%, em Portugal, 11%, e na Itália, 9%. No Brasil, a participação é muito menor: cerca de 0,4%.

Crislaine Coscarelli: O senhor acha que a eólica pode substituir quanto de geração aqui, no Brasil?

Não vai substituir, vai crescer complementando a geração hidroelétrica. Se pegarmos mil MW em dez anos, não passará de 4% da geração de energia brasileira. É muito pouco devido ao fato de termos uma matriz hidroelétrica muito forte. No Brasil jamais se vai substituir a geração hidráulica, mas será um parceiro essencial para a matriz ser mais econômica, e isso é que importa: termos energia para desenvolvimento e de forma barata.

Roberto Müller: Mas apenas 4% são o suficiente para fazer essa complementação?

Pode ser 10%, pode ser 20%. Esse índice de 4% refere-se a um horizonte de 10 anos, que é o suportável para poder investir. Você sabe, Roberto, que o investimento por MW de eólica é muito pesado?

Roberto Müller: Mais que em hidroelétrica?

Lauro Fiúza: Mais caro. É só um pouco mais caro, mas é mais caro que as térmicas, por exemplo, que são baratas no investimento mas caríssimas no funcionamento e dependentes de uma commodity que tem um preço instável e ascendente. O que devemos fazer no Brasil é investir cada vez mais nas fontes de energia renováveis -a biomassa, a solar, a eólica, no etanol- e dessa forma contribuir para a manutenção da liderança brasileira de energia renovável, para continuarmos com a carteirinha de este ser o país mais limpo do mundo e ainda preservar o petróleo do pré-sal para exportação, que é um produto nobre e que podemos vender a países que não possuem esse benefício de fontes de energia renovável.

Roberto Müller: Qual é o cenário ideal e possível que o senhor desenha para a participação da eólica na matriz energética do Brasil?

Lauro Fiúza: O ideal é a mistura da eólica com biomassa, com pequenas centrais hidroelétricas e solar -esta última ainda tem um futuro um pouco distante- com a hidroelétrica, de forma que seja possível minimizar a participação das termoelétricas a óleo combustível, óleo pesado e óleo diesel.Não que elas não sejam necessárias na matriz energética brasileira, pois são backups importantes em horas de emergência e fazem com que o sistema trabalhe em harmonia e segurança.

Roberto Müller: O senhor inclui também a nuclear?

Lauro Fiúza: Definitivamente, sim. Acho que o mundo inteiro vê essa fonte de outra forma. Hoje ela é considerada muito segura, mas ainda tem um único problema: como tratar os resíduos, que podem durar 2 mil anos; mas isso acredito que a tecnologia vai resolver. Agora, no Brasil não é tão importante como outras formas que temos em abundância. Como já falei, Deus foi muito generoso, temos potencial para gerar toda a energia de que precisamos para os próximos 100 ou 200 anos das fontes de energia renováveis.

Roberto Müller: Há empreendedores, fora concessionários de energia, que investem nessa fonte?

Há muitos empreendedores: o mundo inteiro do setor está no País, aguardando o programa. Temos a intenção do governo brasileiro, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que planeja o setor elétrico brasileiro, e do Ministério de Minas e Energia para fazer leilões anuais contratando energia eólica.

Roberto Müller: Isso garante a demanda e o investimento?

Lauro Fiúza: Se tivermos esse aceno de uma demanda a longo prazo, sem sombra de dúvida atrairemos todas as grandes montadoras. No Brasil, já temos duas grandes fábricas de reputação, temos outras cinco ou seis grandes empresas com escritórios no Brasil: uma é indiana; a outra, a maior do mundo, a dinamarquesa Vestas; a GE, americana que tem em torno de 46% de todos os componentes aplicados nos EUA fabricados no Brasil. Quer dizer, as indústrias brasileiras já fornecem peças e equipamentos para o mundo inteiro, e talvez você não saiba, Roberto, mas a segunda maior fábrica de pás eólicas do mundo está aqui no Brasil, e exporta 100% de sua produção. Então, o estabelecimento de demanda garantida para essas indústrias fará que montem suas bases aqui no Brasil. E a consequência é que, como a eólica está crescendo imensamente no mundo, liderada pelos EUA, podemos fazer uma base de exportação de produtos eólicos para o mundo inteiro, mas isso só poderá ser iniciado se antes de tudo houver uma demanda por esses equipamentos, internamente.

Roberto Müller: Criar exportação de produtos de geração?

O gerador inteiro. Eu cito o exemplo da Espanha: esse país começou há 15 anos, abriu um mercado criou um programa e atraiu fabricantes mundiais para produzirem lá. Hoje, sete fábricas estrangeiras e sete grandes empresas espanholas estão competindo, e a Espanha passou a ser um grande exportador de máquinas.

Crislaine Coscarelli: Então faltava somente a iniciativa do governo para que isso gerasse mais divisas para o país, para que fosse para a frente, e agora temos o início desse processo no Brasil?

Exatamente. Nós tivemos a felicidade de organizar uma missão liderada pelo ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, com deputados da Comissão Especial da Energia Renovável, com o presidente do Banco do Nordeste (BNB) e seu diretor financeiro, o presidente da EPE, todos fomos conhecer a realidade da Espanha, e essa experiência foi muito agradável, porque nos mostraram a forma de ver esse setor como fator de desenvolvimento econômico. Numa reunião com o congresso espanhol, uma deputada disse que primeiro tem de haver uma decisão política, uma decisão de estadismo, ao se olhar para um setor econômico enfocando o futuro; o segundo passo é criar um marco regulatório que garanta retorno aos investidores, afinal nenhuma empresa vai fazer empreendimentos se não tiver certeza de que terá retorno, além disso, nenhum banco financiará, e lembro que estava o presidente do BNB conosco, que é o maior apoiador da eólica como fator de desenvolvimento para a Região Nordeste; o terceiro ponto é um pacote de incentivos, expressão que às vezes é vista como maldita. Em outra reunião mostraram de forma clara que, para cada euro de incentivo, retornaram impostos posteriores com a geração de emprego, com economia na importação de combustível para térmicas e, principalmente, com a instalação das indústrias de fabricação de equipamentos eólicos que são exportados. Com tudo isso cada euro retornou 5,4 euros. Podemos fazer no Brasil a mesma base de exportação,

Crislaine Coscarelli: O senhor citou o Nordeste, esta deve ser a região que mais receberá parques eólicos no Brasil?

Sem dúvida, já temos três regiões mapeadas para a instalação de eólica no Brasil. A primeira, a Nordete, do Maranhão a Alagoas, a segunda no interior da Bahia, região riquíssima em ventos, e ainda no Rio Grande do Sul e um pouco em Santa Catarina. Temos medidos 143 GW, mas podemos chegar a 300 GW sem ter medido a Amazônia.

Milton Paes: O governo brasileiro desenvolveu uma campanha para o desenvolvimento da bioenergia. Por que o governo não difunde e incentiva esse modelo de energia?

Ele já começou, a decisão já está tomada, a eólica já é vista como complementar à hidroelétrica junto às outras. Esses conceitos de que é cara já foram superados. Ela é contribuidora para a economia porque, ao funcionar, evita que outras formas mais caras sejam criadas, compensa o sistema, os parques são bem distribuídos pelo território nacional, o que melhora o balanceamento da rede, que é muito extensa.

Roberto Müller: Dessa forma o custo de transmissão diminui?

O custo de transmissão diminui, as quedas e as oscilações de corrente diminuem e assim conseguimos evitar a entrada de geração de energia de fontes mais caras.

Autor: DCI