A nova energia nuclear

O futuro da energia nuclear já está a caminho. O desenvolvimento de reatores avançados e da fusão nuclear promete elevar a geração energética a um novo patamar tecnológico. Iniciativas internacionais buscam pavimentar essa estrada e contam com a participação brasileira. Além de integrar estes projetos, o país também aposta na pesquisa nacional para ingressar na nova era tecnológica nuclear.

A evolução dos reatores de fissão nuclear dará um novo salto com o desenvolvimento da chamada geração IV. Os conceitos destes reatores prometem aumentar a segurança; a eficiência na operação das usinas, através de uma maior automação dos sistemas; a redução de custos, especialmente os de capital; além de produzir menos rejeitos, o que se daria pelo uso de combustíveis mais eficientes, de longa queima. Isso permitiria reduzir o número de paradas para troca de combustíveis, que hoje acontecem a cada 12 ou 14 meses. Menos paradas se traduzem em custo menor, aumentando assim a rentabilidade da geração nuclear.

A tendência é que os reatores avançados sejam modulares, o que diminuiria o tempo de construção dos atuais cinco a seis anos para, no máximo, três anos. Essa mudança ainda ajudará a diminuir os custos, pois esta é a fase que exige gastos maiores de capital. O retorno do empreendimento, por sua vez, acontecerá de forma mais rápida. A segurança também é aprimorada de forma a evitar que o pior acidente possível em uma usina nuclear, o derretimento do núcleo, aconteça. Medidas de projeto, como o uso de sistemas passivos, são tomadas para garantir o resfriamento do núcleo mesmo em caso de falhas na operação da usina.

Antes dos reatores de geração IV, estarão disponíveis os chamados reatores de geração III+, que contêm aperfeiçoamentos em relação aos modelos em uso hoje e avançam nas questões de segurança, economicidade e eficiência. Exemplos são o AP1000, da Westinghouse; o EPR (Reator Pressurizado Europeu), da Areva; e o Iris (Reator Internacional Inovador e Seguro), que conta com a participação do Brasil como observador. O Iris foi desenvolvido a partir da otimização da tecnologia das usinas de água pressurizada (PWR), como Angra 1 e 2. A iniciativa envolve 18 instituições de vários países. O cronograma prevê a entrada em operação do primeiro reator em 2015.

O Brasil também participa como observador de duas outras iniciativas internacionais que pesquisam reatores avançados. A primeira é o Fórum Internacional Geração IV (GIF, em inglês), que reúne doze países e trabalha atualmente em seis tecnologias, com o objetivo de torná-las disponíveis no mercado a partir de 2030. Outra iniciativa é o Projeto Internacional de Reatores e Ciclos do Combustível Nucleares Inovadores (Inpro), coordenado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), que apóia o desenvolvimento de novas tecnologias de reatores e serve como fórum de discussão e cooperação. 

Papel importante na expansão nuclear

Para o presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen), Odair Dias Gonçalves, os reatores avançados terão importante papel na expansão do uso da energia nuclear nas próximas décadas. As razões incluem o crescimento da demanda energética mundial, a falta de fontes confiáveis para suprir energia de base e os esforços para reduzir o aquecimento global. “Logo após a entrada no mercado dos reatores da geração III+, as empresas começarão a considerar os modelos de geração IV para impulsionar a expansão da energia nuclear no mundo, em particular, o reator de alta temperatura, que permite a produção de hidrogênio”, analisa.

Gonçalves afirma que o Brasil deve seguir o mesmo caminho. O país hoje planeja concluir Angra 3 e construir de quatro a oito usinas até 2030, de acordo com o Plano Nacional de Energia (PNE 2030). A partir dessa década, os reatores avançados já devem estar disponíveis e podem vir a ser utilizados em solo nacional.

O tema também movimenta as universidades e institutos de pesquisa. O Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) coordena projeto para a criação de um instituto dedicado ao desenvolvimento de tecnologias de reatores avançados, que teria sede em suas instalações. A proposta foi inscrita em edital do Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) para criar institutos nacionais de C&T em diversas áreas que recebeu 261 projetos para análise. Desse total, cerca de 50 institutos devem sair do papel. O resultado sai em novembro.

De acordo com o vice-diretor da Coppe, Aquilino Senra Martinez, caso se concretize, o instituto – que se chamaria Instituto Nacional de Reatores Avançados e Inovadores – será uma iniciativa integradora para o setor nuclear, pois envolve pesquisadores de Norte a Sul do país. “Estão envolvidos 45 pesquisadores principais de nove instituições de todo o Brasil, além de grupos de pesquisa coordenados por eles. No total, são cerca de 150 pessoas”, informa.

Além de pesquisar tecnologias inovadoras de reatores nucleares, a iniciativa também é importante para a formação de pessoal no setor nuclear, que carece de renovação. Ela garante que o conhecimento seja repassado às próximas gerações. “Os grupos envolvidos nessas pesquisas são compostos por pesquisadores seniores e por alunos de mestrado e doutorado, o que é importante para que a experiência e o conhecimento acumulados ao longo de mais de três décadas sejam repassados para os mais jovens”, complementa Senra.

Paralelamente às iniciativas envolvendo reatores avançados, o país conta com projetos que buscam tecnologias próprias de reatores. Um exemplo é a Marinha, que desenvolve, juntamente com o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), um protótipo em terra do reator de propulsão do submarino nuclear. Esse projeto já incorpora novas tecnologias, como controle digital do reator, componentes avançados e o uso de um combustível de longa queima, do qual se extrai mais energia utilizando a mesma quantidade de urânio que um combustível tradicional.

Na área de reatores de pesquisa, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (Cnen) pretende construir um reator multipropósito de 50 megawatts (MW), que servirá para produzir radiofármacos e testar materiais, como combustível nuclear. O reator deve ficar pronto em três ou quatro anos. 

Brasil negocia ingresso no Iter

O Brasil também avança em seus esforços de pesquisa com a fusão nuclear. Apontada como uma fonte limpa de geração de energia elétrica, a fusão já teve sua viabilidade demonstrada, mas ainda resta fazer vários aperfeiçoamentos para que seja econômica para uso em escala comercial.

A tecnologia utilizada é diferente da fissão, empregada em reatores como os de Angra 1 e 2. O calor é gerado não pela divisão, mas pela fusão de núcleos atômicos, principalmente de deutério e trítio. A intensidade de calor gerada é tão alta quanto na fissão, com a vantagem de não produzir rejeitos radioativos de longa vida. Além de gerar energia elétrica, os reatores de fusão poderão ser utilizados para a produção de hidrogênio, que é tido como o provável substituto do petróleo no setor de transporte.

Com o apoio da União Européia (UE), o país negocia sua adesão ao consórcio internacional que está desenvolvendo o primeiro reator de fusão do mundo, o Reator Experimental Termonuclear Internacional (Iter, na sigla em inglês). O objetivo do projeto é construir um protótipo para se verificar a viabilidade da tecnologia em escala industrial e solucionar questões de engenharia e materiais.

O Iter está sendo construído em Cadarache, no sul da França, e sua montagem deverá ficar pronta em 2014, a um custo estimado de US$ 13 bilhões. A operação do reator de 500 MW está prevista para 2016. Participam do projeto Estados Unidos, Rússia, Japão, China, Índia, Coréia do Sul e UE.

O Brasil ingressaria no Iter através de um acordo de cooperação em fusão nuclear com a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom) – que representa a UE no consórcio –, o que significaria, na prática, um apoio político para o ingresso brasileiro no projeto. Pelo acordo, haveria um intercâmbio de pesquisadores europeus e brasileiros nos institutos de pesquisas de ambos os lados. O documento está sendo analisado pelo governo federal, e o país dará uma resposta aos europeus até o início de dezembro. A princípio, o acordo estará pronto para ser assinado no primeiro trimestre de 2009.

O ingresso brasileiro aconteceria pela recém-criada categoria de colaborador, mas existe a possibilidade de que o país se torne cotista do projeto, o que lhe permitiria receber royalties do Iter. Para isso, precisaria pagar uma cota de US$ 1 bilhão. A forma de se fazer esse pagamento ainda está sendo negociada. Uma das possibilidades é que ele seja feito com nióbio, elemento usado no reator. O Brasil tem a maior reserva mundial do metal, o que despertou o interesse dos europeus. 

Tecnologia nacional

Várias universidades e institutos brasileiros também pesquisam o tema. Desde 2006, eles estão reunidos na Rede Nacional de Fusão, coordenada pela Cnen. A rede tem o intuito de coordenar e ampliar os esforços nacionais na área, além de estabelecer prioridades e gerenciar as colaborações internacionais. Com a rede, o país também busca desenvolver tecnologias próprias. No total, 16 instituições de pesquisa e 80 cientistas integram a iniciativa.

O próximo passo é a criação do Instituto Brasileiro de Fusão, instituição que reunirá todos os pesquisadores, projetos e equipamentos relacionados ao tema e será ligada à Cnen. A construção do instituto deve começar até 2010. “A criação do instituto dará uma eficiência muito maior para as iniciativas na área de fusão, pois ele coordenará todos os esforços realizados no Brasil”, ressalta Odair Dias Gonçalves, da Cnen.

Autor: Aben