Brasileiros vão à Índia para capacitar mão-de-obra

Para manter o padrão de qualidade na fabricação de equipamentos, a Alstom, empresa francesa que produz componentes para os setores de energia e transporte, promove intercâmbio de tecnologia e de mão-de-obra de seus mais antigos funcionários. 

“Aqui na Índia, por exemplo, nós trouxemos cinco brasileiros especializados em soldagem para capacitar a mão-de-obra local”, conta Luiz Hercus, brasileiro que dirige a unidade fabril da francesa Alstom na Índia há quatro anos e meio. Dos cinco funcionários brasileiros, três trabalham na Alstom há cerca de 40 anos. 

A Índia, segundo país mais populoso do mundo, com 1,1 bilhão de habitantes e que abriga a maior comunidade hindu do planeta (mais de 80% do total de indianos), tem mantido taxas de crescimento econômico entre 7% e 8% nos últimos anos e, segundo empreendedores e analistas ocidentais, a ascensão da economia será ainda maior nos próximos anos. 

Além da boa localização geográfica (está a 4 mil quilômetros da gigante China), terreno e mão-de-obra têm custos muito baixos se comparados ao Ocidente. Porém, para se instalar no país, é preciso compreender os costumes hinduístas, que muitas vezes podem ser vistos como prejudiciais à produtividade. 

“Aqui eles precisam rezar de três em três horas. Não importa o que estejam fazendo naquele momento, eles se dirigem a um dos pequenos templos e rezam”, conta Hercus. Ao circular pela fábrica da empresa são vistos inúmeros templos construídos pelos indianos conforme manda os seus costumes. O templo é uma espécie de santuário feito à mão, coberto com muito brilho e cores fortes, e que abriga as imagens dos dois principais deuses louvados pelos hindus: Ganesh e Shiva. 

Cada detalhe destas imagens tem um significado para os indianos. “Para eles rezarem, há todo um ritual. Por exemplo, eles não podem ficar de sapatos”, diz Bernadino Chmurzenski, recém-chegado ao país e que afirma ainda estar em adaptação. Luiz Silva, outro funcionário da companhia, trabalha na Alstom há mais de quatro décadas, já morou em diversos países nos quais a empresa mantém operação e está há mais de quatro anos com os indianos. 

“Já passei por muitos lugares, mas nunca tinha visto coisas tão curiosas e diferentes como aqui”, conta. Silva já capacitou 600 indianos para serem soldadores – hoje, cerca de 150 trabalham na fábrica da Alstom em Vadodara, na Índia. Outra dificuldade relatada pelos brasileiros é o idioma. “Oficialmente eles têm 17 dialetos”, diz Hercus, o diretor da fábrica. 

“Você imagina a dificuldade que tivemos e temos para ensinar as coisas a eles?”, indaga. “É preciso ser bom de mímica”, brinca. Os hindus consideram as vacas animais sagrados e, portanto, não comem sua carne. Carneiro, frango, peixe e camarão (sempre preparados da mesma maneira), acompanhados de arroz, lentilha e pão, são os pratos diários dos indianos. 

Garfo e faca são proibidos, o talher deles é o pão. Além disso, a mão esquerda é considerada impura, por isso comem com a mão direita sem auxílio nenhum do outro braço. Os funcionários da Alstom contam que, há cinco anos, quando a fábrica de turbinas de hidrelétricas começou a funcionar, não haviam mesas na unidade. Segundo os brasileiros, os indianos trabalhavam agachados no chão. Preocupada com a postura dos funcionários locais, a Alstom comprou mesas e cadeiras. 

“Quando as mesas chegaram, entramos na fábrica e os indianos estavam agachados em cima da mesa trabalhando”, conta Silva. Os hinduístas acreditam na reencarnação e, somente considerando este ponto, é que um ocidental consegue entender o tão falado sistema de castas. 

Esta hierarquia também está intimamente ligada à possibilidade de conseguir mão-de-obra disponível e com intenção de ser capacitada. Por exemplo, um dos mecânicos indianos que trabalha na fábrica da Alstom comenta que seu filho já sabe bastante sobre mecânica. Em seguida, ele é questionado sobre se seu filho poderia ser médico caso tivesse essa vontade. 

O indiano é enfático: “Se ele devesse ser médico, teria nascido em uma família de médicos”. Na filosofia indiana a vida é um eterno retorno e os percalços do caminho não são motivo de raiva. A sociedade é dividida em quatro castas: Brâmane, a mais alta e composta por intelectuais, filósofos e educadores; seguida da Kshatriya, administradores e soldados; Vaishya, comerciantes e pastores; e Sudras, artesãos e trabalhadores braçais.

Autor: Gazeta Mercantil