Paulo Resende: “A iniciativa privada têm se mostrado, até agora, um elemento fundamental na eliminação de gargalos logísticos, principalmente, na área de rodovias”

Em entrevista à Agência ABCR, o professor de Operações e Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Resende, fala sobre a importância da licitação dos cinco lotes de estradas paulistas, realizada em plena crise financeira mundial, e analisa como fica a disponibilidade de crédito para projetos de infra-estrutura a partir de agora. 

Agência ABCR – A licitação de cinco lotes de rodovias realizada pelo Governo de São Paulo em outubro passado, em plena crise financeira mundial, demonstra que os projetos de infra-estrutura são um porto seguro para os investidores? Na sua opinião, esta seria a mais clara sinalização dada ao mercado pelo leilão? 

Paulo Resende – Acredito que sim. E a lição dada pela quantidade de interessados em um momento de crise, no qual todo mundo esperava pouco interesse, mostrou duas coisas, que revolucionam o processo de concessão rodoviária no Brasil daqui para frente. Primeiro, a concessão rodoviária e os projetos de infra-estrutura – mais especificamente a participação da empresa privada em concessões – se transformam em um porto seguro já que o Brasil apresenta trechos rodoviários com alta taxa de retorno de investimento. 

No momento atual, em que o crédito está seletivo – veja bem, não teremos falta de crédito, mas crédito seletivo, ou seja, um altíssimo grau de seletividade na aplicação do dinheiro no investimento – as concessões rodoviárias, pela experiência dos últimos lotes de São Paulo, se mostram um bom negócio. 

Tanto para o País, quanto para o poder público, que exigiu outorga, ou seja, terá dinheiro para investir na malha rodoviária. 

A segunda lição que o processo de concessões nos mostrou é que o poder concedente (nesse caso, o governo de São Paulo, mas a lição serve para qualquer governo que fizer concessão a partir de agora) deve se transformar no avalista do crédito para a iniciativa privada. Isso significa dizer que a parceria entre o poder público e a iniciativa privada se dá, a partir de agora, no processo de concessões, tendo o poder público como avalista do crédito. 

Observamos o seguinte: somente quando o governo paulista garantiu fonte de recursos, ou seja, avalizou o crédito, é que a atratividade aumentou. Nós tivemos grande quantidade de empresas porque o governo deu essa garantia. Então, o novo formato dos próximos processos de licitação no Brasil terá o poder público como avalista. 

Agência ABCR – Como o Sr. avalia a expansão do Programa Brasileiro de Concessão de Rodovias para o País, no que se refere à participação da iniciativa privada nos projetos de infra-estrutura e, conseqüentemente, na eliminação dos gargalos logísticos? 

Paulo Resende – Excelente. Em uma escala de um a dez, dou nota dez. A iniciativa privada têm se mostrado, até agora, um elemento fundamental na eliminação de gargalos logísticos, principalmente, na área de rodovias. 

Na área de ferrovias também. As concessionárias que ganharam lotes no Brasil têm tentado – não conseguido, mas tentado – cumprir os cronogramas de investimentos. Eu diria que o desempenho da iniciativa privada nos programas de concessão rodoviária no Brasil está no ponto de excelência em relação ao resto do mundo. 

Agência ABCR – Neste contexto, de ampliação da participação da iniciativa privada, qual o papel que o estado pode desempenhar para solucionar os graves problemas logísticos que o País enfrenta? 

Paulo Resende – O Estado se volta agora para três pilares fundamentais. O primeiro pilar é o marco regulatório. Ou seja, leis e garantias institucionais e jurídicas que permitam segurança para o investimento privado. Não podemos continuar no Brasil com insegurança institucional e jurídica para quem coloca o dinheiro em concessões rodoviárias ou qualquer outro tipo de investimento em infra-estrutura. 

Não podemos, por exemplo, passar por situações de insegurança como as concessionárias do Paraná passaram há alguns anos e passam até hoje. A empresa privada tem na Taxa Interna de Retorno (TIR) seu guia, seu alicerce. 

Todas as vezes que o Poder Público e o Estado não garantem segurança na manutenção de longo prazo da Taxa Interna de Retorno, afugenta possíveis investidores. Esses marcos regulatórios devem garantir o retorno do investimento planejado pela iniciativa privada e a continuidade do processo de concessão. 

O segundo papel importante do Estado é ser um órgão de fiscalização e regulação eficiente da infra-estrutura no País. É preciso que a gente tenha uma agência que fiscalize, que regulamente essas operações de infra-estrutura de forma eficiente. Não é possível termos uma politização de Agências 
Reguladoras. Elas devem primar pela eficiência técnica. Só assim as concessionárias terão uma consciência das regras do jogo. 

O terceiro papel extremamente importante do Estado é ser um avalista do processo de participação da iniciativa privada no Brasil. Ou seja, o poder público seria um parceiro da iniciativa privada nesse processo. 

Essa parceria tem que ser colaborativa. O Estado não pode ser visto pela empresa privada como um Estado que existe somente pra recolher imposto, que quer ganhar cada vez mais. Ele tem que ser visto como parceiro da iniciativa privada. Se o Estado conseguir cumprir essas três tarefas, está tudo muito bem delineado. 

Agência ABCR – A participação da iniciativa privada é vista como fundamental para garantir recursos para projetos de longa duração como os de infra-estrutura. Com a escassez de crédito, como fica o setor de infra-estrutura? Voltará a depender dos governos e financiamentos de bancos estatais? 

Paulo Resende – Vai. Ela vai depender, sim, nos próximos meses. Eu diria que até que o crédito puramente privado se recomponha, forme a sua nova linha de pré-requisitos para selecionar o investimento ou os locais onde vai investir, o governo vai ter que cumprir esse papel de garantidor do crédito. Essa situação será uma realidade no ano de 2009. 

Agência ABCR – Recuperar e manter importantes trechos rodoviários é o foco do programa de concessão de rodovias no Brasil. Importantes projetos dessa fase já foram realizados. Noutras áreas, como energia e telecomunicações, o setor privado tem demonstrado capacidade de gerenciamento e eficiência que supera a administração pública. 

O senhor acredita que a sociedade brasileira está madura para conviver com a idéia de que o Estado tem limitações financeiras intransponíveis e que a privatização ou a concessão de ativos à iniciativa privada é a saída que o país tem para garantir o desenvolvimento sustentável? 

Paulo Resende – Eu acho que a sociedade está madura, mas ainda não completamente consciente de que essa é uma realidade. Temos que analisar sob dois aspectos. O primeiro: a sociedade não tem dúvida nenhuma de que uma estrada pedagiada é uma estrada melhor. Essa certeza das pessoas carrega diversos subpontos.

 O que constrói essa certeza? O exemplo de estradas pedagiadas onde o usuário percebe a melhoria. É uma questão visual, não é preciso fazer esforço para notar a diferença. Existe a certeza que provoca esse amadurecimento, que, no caso de algumas áreas da infra-estrutura, a iniciativa privada é capaz de financiar e investir seguramente. 

Por outro lado, ainda existe por parte da sociedade a visão de que o pedágio é um ônus, um sacrifício. Ainda é um sacrifício duplo. Porque a sociedade pensa: “eu pago imposto e ainda tenho que pagar pedágio”. Nesse caso, essa visão do sacrifício do pagamento do pedágio ainda é uma realidade e isso faz com que ela esteja madura, mas ainda muito crítica em relação ao sistema, por causa do pedágio. 

No dia em que nós atingirmos um grau de consciência da sociedade de que o pedágio é importante como garantidor de melhor nível de serviço em outros trechos, que não garantem tráfego suficiente para a concessão, nós entraremos com a visão social do pedágio por parte do usuário. Nesse ponto, então, atingiremos um nível interessante de aceitação por parte da sociedade em relação às concessões. 

Agência ABCR – O governo de Minas apresentou na semana passada novos projetos rodoviários que devem ser executados via PPPs. Como o sr. avalia esse mecanismo? O que impede uma maior utilização das PPPs como instrumento para garantir a realização de projetos de infra-estrutura? 

Paulo Resende – O que impede maior utilização das PPPs no Brasil é que é um modelo desconhecido. O Brasil fala em PPP, mas não mostra o que é PPP. Na minha opinião, é preciso que haja, por parte do poder público, um debate muito grande com a sociedade para que ela entenda o que é uma Parceria Público-Privada. 

Quando a sociedade vê o governo falando em Parceria Público-Privada logo pensa: “não se pode confiar no poder público. Como vou fazer parceria com um governo que hoje é assim e amanhã muda? Como vou fazer parceria com um elemento que se pauta por altíssima instabilidade administrativa e política?” 

Então, isso reflete o modelo. O que acontece é que, em geral, os modelos de PPPs no Brasil são modelos que carregam uma dose de instabilidade político-administrativa muito grande, que afugenta a iniciativa privada. A solução para isso é lançar o modelo, debatê-lo com a sociedade e mostrar que ele tem uma determinada arquitetura, que tem que ser compreendida. 

O que está faltando, no caso das PPPs, é sair do gabinete para as ruas. Pelos movimentos que estamos acompanhando, no caso de Minas Gerais, eu acredito sinceramente que o governo está tendo uma preocupação muito grande na constituição de um corpo gestor das parcerias público-privadas no Estado. 

Significa dizer que o governo de Minas está se preocupando em capacitar os gestores de PPPs. Na minha opinião, isso vai ser o fator de sucesso das PPPs, naquele estado. Acredito que uma lição que o governo de Minas está passando é de que as Parcerias Público Privadas têm possibilidade de sucesso, porque o governo tem uma preocupação fundamental de formar um corpo gestor capacitado o suficiente para levar o modelo adiante. 

Agência ABCR – Analistas de consultorias internacionais prevêem a possibilidade de atrasos nos projetos de infra-estrutura devido à crise financeira internacional. O senhor acredita que a procura dos investidores por projetos dessa natureza deve ser afetada pela falta global de crédito? 

Paulo Resende – Eu acho que sim. Creio que vamos ter uma desaceleração na procura de investidores para projetos de infra-estrutura no Brasil durante o ano de 2009. Essa desaceleração vai acontecer em níveis diferentes nas diversas áreas da infra-estrutura. Os projetos que contarem somente com a participação privada e o governo não conseguir ser avalista poderão sofrer desaceleração em 2009. Um exemplo prático: uma determinada concessionária ferroviária precisa construir uma novo ramal. Ela é a única investidora.

 Não é parceria público-privada, não é concessão, nada. É um projeto interno. Esse é o tipo de projeto que, na minha opinião, vai sofrer desaceleração. E essa desaceleração vai depender muito da capacidade de acesso ao crédito que determinada empresa vai ter e o quanto a crise da economia real vai atingir aquela empresa. 

Em compensação você pega, por exemplo, as obras do PAC, que têm um avalista federal. Esses projetos estarão, sim, sujeitos naturalmente à desaceleração, mas em menor intensidade do que o projeto puramente privado.

Autor: ABCR