Tecnologia torna mais eficiente a combustão do carvão mineral

Nos tempos que correm, a ciência tem dedicado cada vez mais esforços ao desenvolvimento de alternativas aos combustíveis fósseis. Ocorre, porém, que as fontes tradicionais de energia seguirão sendo importantes para a humanidade por longo período. 

E para que sejam aproveitadas da melhor forma possível, estas últimas também precisam continuar sendo objeto de pesquisas científicas. É neste contexto que atua a equipe coordenada pelos professores Araí Augusta Bernárdez Pécora e Leonardo Goldstein Junior, do Laboratório de Processos Térmicos e Engenharia Ambiental, unidade vinculada à Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp. 

O grupo dedica-se, entre outras atividades, a pesquisas em torno da queima de carvão mineral, empregando uma tecnologia denominada leito fluidizado circulante. O objetivo dos pesquisadores é estudar as variáveis que afetam o processo de combustão do carvão mineral, visando sua otimização, o que inclui a redução da emissão de poluentes como óxidos de enxofre e de nitrogênio, monóxido de carbono e mercúrio.

A relevância dos trabalhos realizados no Laboratório de Processos Térmicos e Engenharia Ambiental justifica-se pela abundância e participação do carvão mineral na matriz energética mundial. Dados de 2005 indicavam que as reservas globais desse combustível fóssil seriam da ordem de um trilhão de toneladas, quantidade suficiente para suprir o consumo nos níveis atuais por um período superior a 200 anos. 

No Brasil, conforme dados do Ministério de Minas e Energia, os recursos somariam 32 bilhões de toneladas, sendo que 90% desse montante estão localizados no estado do Rio Grande do Sul. “Ou seja, por mais que pensemos em fontes alternativas de energia, e é importante que o façamos, o carvão mineral deve continuar merecendo a nossa atenção”, pondera a docente.

Os leitos fluidizados com aplicação para a queima de carvão, informa a pesquisadora, constituem uma tecnologia relativamente antiga, que data da década de 50. Ela tem sido empregada para promover a queima de carvão mineral, assim como de outros combustíveis sólidos, incluindo a biomassa, em substituição ao modelo convencional, que usa queima pulverizada em grelhas. 

“No sistema tradicional, os níveis de eficiência tanto da combustão quanto do controle de poluentes são muito inferiores”, compara a professora Araí. Mas a despeito da vantagem que representava, a tecnologia de fluidização voltada para geração de energia permaneceu “esquecida” por algum tempo, em razão da abundância do petróleo. Em virtude da crise da década de 70, no entanto, a tecnologia voltou a ser apontada como uma alternativa à diversificação da matriz energética mundial, visto que o carvão mineral é utilizado pelas usinas termelétricas para a geração de eletricidade.

Ainda que a tecnologia de leitos fluidizados já represente uma evolução em relação ao método de queima por grelhas, a disposição do grupo de pesquisa é de torná-la ainda mais eficiente. A planta piloto construída no laboratório da FEM foi projetada sob a coordenação do professor Goldstein, hoje professor colaborador voluntário na Unicamp, e contou inicialmente com financiamento da Eletrosul Centrais Elétricas S.A. e posteriormente com apoio da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Trata-se do único reator de leito fluidizado circulante em escala piloto em funcionamento em universidades brasileiras.

A planta piloto instalada na FEM pode ser considerada de segunda geração, por assim dizer, em razão de utilizar um sistema circulante. Em tal modelo, um ciclone, instalado na saída da coluna principal do reator, coleta as partículas sólidas que atingem o topo da coluna, direcionando-as para a coluna de retorno, onde uma válvula de recirculação as conduz novamente à coluna principal, o que faz com que as partículas sólidas cumpram uma trajetória em forma de looping. 

“Com isso, é possível reter as partículas de carvão por mais tempo no reator, além de assegurar uniformidade de temperatura na coluna principal do reator, em função do elevado arraste de partículas pelo gás, fazendo com que a queima seja mais eficiente”, explica a professora Araí.

Outra vantagem dessa tecnologia, prossegue a pesquisadora, é que ela dispensa o uso de uma planta adicional, encarregada de promover a separação do enxofre presente no carvão, processo denominado tecnicamente de dessulfuração.

 Isso é possível porque, no leito fluidizado, a adição de calcário é realizada no próprio reator, de tal forma que os óxidos de enxofre gerados pela queima sejam absorvidos no local. “Ao final desse processo, obtém-se o sulfato de cálcio (gesso), subproduto que pode ser aproveitado”, destaca a docente.

Os leitos fluidizados permitem, ainda, que a queima do carvão seja feita a partir de temperaturas mais baixas do que no modelo por grelhas – cerca de 800 oC contra temperaturas acima de 1.000 oC. Isso é especialmente vantajoso para o Brasil porque o minério nacional tem um elevado teor de cinzas na sua composição, que varia de 40% a 60%. 

“Quando produzimos a queima desse carvão em temperaturas acima de 1.000º C existe a possibilidade de ocorrer o processo de sinterização das cinzas, com a conseqüente formação de aglomerados que prejudicam a operação. Entretanto, quando queimamos o carvão a aproximadamente 800º C, essa temperatura fica abaixo do ponto de sinterização, o que é operacionalmente vantajoso”, esclarece a professora Araí.

Atualmente, a equipe coordenada pela cientista tem se ocupado de determinar alguns fatores que possam ampliar ainda mais a eficiência da queima de carvão em leitos fluidizados circulantes. Os estudos visam obter dados experimentais que permitam a análise da influência de parâmetros operacionais como diâmetro das partículas de carvão e calcário, tipo de calcário, velocidade do gás na coluna principal, posição da alimentação e retorno de sólidos, proporção calcário/carvão na alimentação, injeção de ar secundário, entre outros.

 “Como são muitos os parâmetros envolvidos no processo, as combinações também são vastas. Temos muitos temas para estudos”, acrescenta a especialista.

De acordo com a docente da FEM, os estudos envolvendo o sistema experimental de leito fluidizado circulante já renderam quatro teses de doutorado, uma dissertação de mestrado e um trabalho de iniciação científica. Além do ganho acadêmico, traduzido na formação de mão-de-obra qualificada, as pesquisas também contribuem para colocar à disposição da indústria brasileira, principalmente o setor que fornece equipamentos para termelétricas, dados que permitam o desenvolvimento, no futuro, de uma tecnologia genuinamente brasileira. 

“Atualmente, essa tecnologia só é dominada por grandes fabricantes de caldeiras da América do Norte e Europa. Penso que não podemos continuar dependendo deles, inclusive porque a nossa realidade e o nosso carvão mineral tem características próprias”, assinala.

Ela lamenta, porém, que o setor produtivo brasileiro, à exceção da Petrobras, ainda não esteja utilizando os saldos das pesquisas produzidas pela sua equipe como poderia. 

“Como tem tradição na área de pesquisa e desenvolvimento, a Petrobras emprega os dados fornecidos por nossos estudos em suas plantas industriais. Já os fabricantes de caldeiras, ao contrário, têm se valido timidamente dessas informações. Particularmente, penso que a indústria brasileira poderia aproveitar melhor a oportunidade para começar a projetar a sua autonomia tecnológica nessa área”, analisa.

Reservas do país somam 32 bilhões de toneladas

De acordo com dados de 2005 da International Energy Outlook, o carvão mineral é o combustível fóssil com a maior disponibilidade no mundo. Suas reservas totalizariam perto de um trilhão de toneladas, quantidade suficiente para suprir o consumo nos níveis atuais por 219 anos. Além disso, conforme a entidade, ao contrário do que ocorre com o petróleo e com o gás natural, as reservas de carvão apresentam uma distribuição geográfica mundial muito mais equitativa. 

Atualmente, 75 países possuem depósitos expressivos do mineral. Entretanto, 57% deles estão localizadas em apenas três nações: Estados Unidos (27%), Rússia (17%) e China (13%). Outros seis países respondem por mais 33%, a saber: Índia, Austrália, África do Sul, Ucrânia, Cazaquistão e ex-Iugoslávia (atuais Servia e Montenegro).

As reservas brasileiras de carvão mineral, segundo o Balanço Energético Nacional, formulado em 2006, somariam 32 bilhões de toneladas. Os recursos estão localizados nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com maior predominância neste último (90% do total). A jazida gaúcha de Candiota é a maior do país, com aproximadamente 12, 2 bilhões de toneladas. 

É explorada desde 1961, produzindo combustível para a usina termelétrica Presidente Médici, que tem 446 megawatts de capacidade instalada. A segunda maior mina de carvão mineral do Brasil é a jazida Santa Terezinha, também no Rio Grande do Sul, com depósitos de 5 bilhões de toneladas de carvão mineral.

Autor: Unicamp On Line