Infra-estrutura em xeque

*Engenheiro Maçahico Tisaka é consultor, ex-presidente do Instituto de Engenharia, árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Enegenharia e membro titular da Câmara Especializada de Engenharia Civil do Crea-SP

Para engenheiro, achatamento de até 40% no orçamento de obras públicas de infra-estrutura inviabiliza sobrevivência de boas empresas no mercado

Aconstrução imobiliária e industrial privada, que passa por um extraordinário boom de crescimento em função da entrada de maciços investimentos estrangeiros, pode chegar a um impasse por falta de infra-estrutura, principalmente na área de logística dos transportes, portos e energia.

Por mais que o Governo Federal afirme o contrário, a infra-estrutura de obras no País está à beira de um colapso. Estradas malconservadas sacrificam a logística dos transportes, dificultando o escoamento da produção; a estrutura de saneamento básico apresenta-se muito aquém das necessidades e do crescimento do País, afetando a saúde da população; os principais portos estão totalmente congestionados e sem condições de dar vazão às importações e exportações, prejudicando o comércio exterior; as habitações populares são ainda insuficientes, de baixa qualidade e de pouca durabilidade.

Existem muitas razões de ordens técnica, política e financeira que precisam ser urgentemente resolvidas, além do descumprimento dos princípios basilares da ética, da moral e da justiça, os quais tendem a dificultar um avanço maior na retomada do desenvolvimento e, em particular, na implementação rápida da recuperação da infra-estrutura nacional.

O TCU considera que mais de 75% das obras públicas federais estão irregulares. Entre todas as questões que possam ser levantadas, a principal causa dessas eventuais irregularidades, sem dúvida, é o aviltamento dos preços das construções públicas, motivadas por vários fatores:
>> Omissão deliberada de alguns custos sociais determinados pela legislação.
>> Omissão de custos indiretos de infra-estrutura necessários para a execução de obra.
>> Determinação política da taxa do BDI incompatível com a realidade das empresas.
>> Omissão de impostos obrigatórios pela legislação tributária.
>> Omissão de pagamento de despesas financeiras de capital de giro.
>> Orçamentos malfeitos ou manipulados sem a identificação de seus responsáveis.
>> Projetos básicos deficientes e mal-especificados sem a identificação de seus autores.
>> Decisão obrigatória do vencedor apenas pelo menor preço.
>> Engessamento das decisões dos agentes públicos imposta pela legislação.
>> Interpretações equivocadas das leis pelos órgãos públicos e órgãos de controle.

Vejamos, a seguir, alguns casos mais gritantes:
1) Omissão dos Encargos Complementares – Sobre qualquer gasto feito em função da mão-de-obra de produção, além das tradicionais Leis Sociais, incide os Encargos Complementares, que são o Vale Transporte (lei 7418/85), o Vale Refeição (Acordo Sindical), Equipamento de Proteção Individual (art. 166 da CLT e NR-6) etc., que são pagos pelo empregador e devem compor a formação de todos os Custos Diretos unitários de uma obra, porém não são respeitados na maioria dos orçamentos dos órgãos públicos.

O mais surpreendente é que, embora esses encargos de mão-de-obra sejam uma obrigação legal amplamente divulgada pelas instituições técnicas independentes, os principais órgãos oficiais que publicam os custos das construções – como o Sinapi (Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil), Siurb (Secretaria de Infra-estrutura Urbana e Obras da cidade de São Paulo) e outros órgãos da administração não levam em consideração esses gastos obrigatórios pagos pelas empresas (ver quadros 1 e 2), o que representa uma omissão de cerca de 25% nos custos de mão-de-obra e de cerca de 10% no preço final da obra.

2) Omissão nos Custos Indiretos – Os gastos com a implantação do canteiro de obras e instalações, administração local e mobilização e desmobilização são custos e não despesas indiretas, não por opção, mas porque as leis assim os exigem, e devem ser lançados no Centro de Custo da obra na contabilidade da empresa (IN-003/05), sob pena de pesadas multas pelo seu não-cumprimento. No entanto, na maioria dos casos essa exigência legal não é respeitada. (O quadro 3 mostra os percentuais médios dos custos de infra-estrutura normalmente gastos em obras de edificações, em relação ao custo total.)

O próprio TCU (Tribunal de Contas da União) já reviu sua posição em diversos pronunciamentos anteriores em Decisão do TCU no 1332/02 e agora, definitivamente, no Acórdão no 325/07, onde determina que esses gastos devem compor a Planilha de Custos (e não o BDI/LDI) de qualquer orçamento de obras e serviços no âmbito do Governo Federal. 

Esses custos representam uma omissão em cerca de 10% ou mais dos Custos Diretos e do Valor de Venda.

3) BDI político – O chamado “BDI político”, como ficou conhecido, é uma taxa arbitrada sem qualquer justificativa técnica que torna o orçamento estimativo um instrumento de conveniência não transparente e pouco recomendável à Administração, quando ele deveria ser um parâmetro importante para medir o grau de sustentabilidade nos preços entre os vários concorrentes.

As despesas com alimentação e transportes, eventualmente colocadas como parte da composição do BDI, se forem conceituadas como despesas indiretas, devem estar incluídas na taxa de Administração Central e não devem ser destacadas separadamente por se tratarem de gastos com funcionários mensalistas da sede central e não da produção.

Deixando de lado as omissões que podem estar ocorrendo em outras taxas que compõem o BDI, fixemos apenas na análise das taxas de administração central adotadas por vários órgãos de governo e verificaremos que elas são insuficientes e inexeqüíveis na prática.

Mesmo que se alegue que essas despesas possam ser rateadas por um número maior de obras, as taxas atribuídas à administração central são todas insuficientes. As despesas da administração central pesam, no mínimo, 8% dos Custos Diretos para as empresas de grande porte e até 20% para as pequenas empresas bem administradas.

Para comprovarmos essa omissão, vamos nos ater ao exemplo dado no quadro 4, considerando em 3% a taxa média da administração central. Imaginemos uma obra de R$ 1,4 milhão com Custo Direto de R$ 1 milhão a ser executado em dez meses. 

Nesse caso, o Custo Direto mensal seria de R$ 100 mil e os 3% (média dos exemplos), que representaria R$ 3 mil, não pagaria sequer um funcionário administrativo de escalão mais baixo (S+encargos), quando sabemos que há dezenas de outros gastos imputáveis à administração central.

4) Reajustes – Outra razão do achatamento no preço das obras é o não pagamento de reajustes devido à inflação havida durante os 12 meses, além da não atualização do IO (data-base do orçamento) até o mês da assinatura do contrato. Alguns órgãos obrigam, de forma ilegal, as contratadas a aceitarem na assinatura do contrato, orçamentos elaborados há muito tempo sem a devida atualização. Além disso, fatores imprevisíveis, como a alta exagerada de alguns insumos de larga utilização na construção civil está causando um desequilíbrio econômico-financeiro aos contratos de médio e longo prazo, achatando ainda mais o seu valor de venda.

5) Questões de mercado – Os longos anos de falta de investimentos públicos na infra-estrutura do País têm provocado uma desleal e autofágica concorrência predatória entre os concorrentes, levando os mesmos a darem descontos absurdos e inexeqüíveis nas suas propostas de preços, alijando as boas empresas do mercado e criando uma imagem distorcida de que os ganhos das empresas são muito grandes, quando na realidade é o contrário.

Considerações finais 

Todas essas questões levantadas representam um achatamento de 20% a 40% no orçamento de origem das obras públicas, o que torna insustentável a manutenção de boas empresas no mercado e continuidade de uma estrutura produtiva que propicie o desenvolvimento sustentável de toda a infra-estrutura do País, imprescindível para o seu tão sonhado reerguimento econômico e social.

A atual lei 8666/93 apresenta graves defeitos que impossibilitam aos gestores públicos escolher o melhor, considerando todos os fatores técnicos, administrativos, financeiros e garantia de qualidade e de prazos, pois são obrigados a decidir pelo menor preço (art. 45). A outra questão é a faixa de percentuais excessivamente condescendentes para a desclassificação de propostas inexeqüíveis (art. 48), fato esse que contribui decisivamente para incentivar a concorrência predatória e conseqüente aviltamento dos preços.

Veja quadros com detalhes de encargos sociais, custo de infra-estrutura e composição do BDI
www.piniweb.com

Autor: Maçahico Tisaka*