Agronegócio do Brasil pode ter ganho de US$ 4,9 bi com Doha

As negociações da Rodada Doha, da Organização Mundial de Comércio (OMC), vão gerar um aumento de US$ 7,36 bilhões, pelo menos, nas importações agrícolas de União Européia e Estados Unidos, caso sejam seladas seguindo o esboço em discussão em Genebra, revelam cálculos do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone). A estimativa considera os três produtos que mais interessam ao Brasil: etanol, carne bovina e de frango

As importações desses produtos por EUA e UE subiriam de US$ 4,19 bilhões na média entre 2004 e 2006 para US$ 11,55 bilhões em 2014. O período de implementação da Rodada Doha vai de 2010 a 2014. Para carnes, valem apenas as vendas para os europeus, já que os americanos não importam por restrições sanitárias. O cálculo inclui somente o acesso ao mercado e não considera os ganhos indiretos com corte de subsídios.

Se o Brasil mantiver a participação nesses mercados, o ganho agrícola para o país com a Rodada Doha seria de US$ 4,9 bilhões. Esse cenário significaria incremento de quase 190% nas exportações brasileiras de carne bovina, de frango e etanol para as duas maiores potências do planeta. As vendas do Brasil subiriam dos atuais US$ 2,6 bilhões para US$ 7,48 bilhões. O país responde hoje por 63% das importações de carne de frango e 52% da carne bovina da União Européia, e por 72% das importações de etanol dos EUA e da UE.

“Só que esse é o único ganho para a agricultura brasileira na Rodada Doha”, disse André Nassar, diretor-executivo do Icone, um “think-tank” financiado por associações agrícolas. “Não podemos mascarar o fato de que as negociações globais não trouxeram nenhuma vantagem para o Brasil nos países emergentes”. Na sua avaliação, o principal ponto negativo da Rodada é que China e Índia não foram obrigadas a abrir seus mercados agrícolas. Esse países são alvos prioritários para a agricultura brasileira no futuro, por conta do potencial de crescimento das vendas.

Para calcular os ganhos, Nassar considerou o compromisso selado na sexta-feira por Brasil, EUA, UE, Japão, Austrália, China e Índia. Desse grupo, os indianos são os únicos que ainda discordam. O acordo está agora está em discussão com os demais países-membros. O pacote prevê redução de 70% nas tarifas agrícolas mais altas dos países ricos. Até 4% dos produtos poderão ser designados como sensíveis, o que significa redução menor de tarifa, mas, em compensação, os países devem oferecer alta de 4% nas cotas. No etanol, as negociações ainda não terminaram. O cálculo do Icone pressupõe cota equivalente a 10% do consumo futuro – um percentual que seria considerado “razoável” pelo Brasil.

As importações européias de carne bovina aumentariam 73% em volume e 100% em valor após a implementação da Rodada Doha, conforme as estimativas do Icone. As compras de carne bovina do bloco subiriam 83% em volume e 112% em valor. Já as importações de etanol por EUA e UE aumentariam 224% em volume e 293% em valor. Contrariando temores do setor privado, os dados demonstram que a Rodada Doha vai gerar incremento real no comércio em volume. Os ganhos em receita, entanto, são maiores, porque volumes já vendidos serão apenas incorporados na cota, gerando margens de lucro mais altas.

“O acordo está bem equilibrado na sua modéstia”, avaliou Marcos Jank, presidente da União da Indústria Canavieira de São Paulo (Unica), ressaltando que ainda faltam os “10 minutos do segundo tempo”, referindo-se às discussões hoje e amanhã em Genebra. Ele disse que a negociação sobre etanol está mais complicada com os EUA do que com a UE. Os europeus pedem a criação de cota, e oferecem um volume que está distante da demanda brasileira, mas os EUA sequer aceitam discutir a tarifa de 0,54 centavos por galão.

“Sou favorável a um acordo, mas um retrocesso não tem cabimento”, disse Pedro de Camargo Neto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), que não está satisfeito com o pacote. Para ele, as perdas futuras nas vendas para a China são maiores do que ganhos atuais nas exportações para a Europa. No caso de suínos, uma exceção reduz o aumento da cota de 4% para apenas 1%.

Autor: Valor Econômico