Por George Paulus Dias – Inteligência artificial na educação: reimaginando a aprendizagem

(*) George Paulus Dias

Imagem criada com IA DALL-E

A ascensão dos chatbots de inteligência artificial como o ChatGPT tem gerado grandes expectativas sobre seu potencial para apoiar e aprimorar processos de ensino-aprendizagem. Entretanto, seu uso disseminado entre estudantes para realizar atividades acadêmicas também tem levantado preocupações sobre possíveis impactos negativos e desafios para educadores. De fato, pesquisas recentes indicam altas taxas de utilização entre estudantes. Em uma amostra, cerca de 60% dos alunos relataram usar ferramentas como o ChatGPT em seus trabalhos e 91% já haviam experimentado pelo menos uma vez(1). Após os primeiros casos de uso para “colar” virem à tona, muitos estudantes se sentiram tentados a recorrer ao chatbot para agilizar e facilitar a realização de tarefas acadêmicas(1). Essa situação tem levado professores e gestores educacionais a se questionarem sobre como garantir a integridade do aprendizado e evitar o uso inadequado da IA pelos alunos. Algumas das principais perguntas que têm surgido são:

  • Os estudantes realmente estão aprendendo?
  • Como saber se o trabalho entregue é de autoria do aluno?
  • Existe como detectar textos gerados por IA?

O uso disseminado de chatbots entre estudantes: Os chatbots de IA como o ChatGPT têm se popularizado rapidamente entre os estudantes por sua capacidade de gerar textos coerentes, responder perguntas e fornecer explicações sobre diversos temas. Essa facilidade de obter respostas prontas e soluções bem redigidas tem levado muitos alunos a recorrerem à ferramenta para agilizar a realização de trabalhos e tarefas acadêmicas. Um estudo nos Estados Unidos constatou que textos gerados pelo ChatGPT para alunos do primeiro ano da faculdade receberam majoritariamente notas A e B quando avaliados por professores universitários(1). Ou seja, o nível de qualidade do conteúdo produzido já se aproxima ao de um estudante médio em alguns casos. Por isso, a tentação do uso inadequado tem sido grande entre os estudantes. De fato, ao entrevistar alunos do ensino médio e superior, a maioria relatou usar ou já ter usado o ChatGPT para trapacear de alguma forma, seja colando respostas de exercícios, gerando ideias e textos ou até reescrevendo trabalhos prontos para evitar detecção(1). Embora muitos reconheçam que se trata de uma forma de fraude acadêmica, a facilidade de acesso e os benefícios percebidos em termos de ganho de tempo e qualidade do resultado têm falado mais alto. No entanto, permitir o uso irrestrito de chatbots no meio educacional também tem riscos significativos. Além da questão ética relacionada ao plágio, existe a preocupação de que o aprendizado efetivo dos alunos possa ser comprometido.

Como o chatbot muda o aprendizado?

Uma das principais preocupações de educadores em relação às ferramentas de IA como o ChatGPT é que seu uso disseminado possa substituir o verdadeiro aprendizado por parte dos alunos. Ao gerar respostas prontas para perguntas e fornecer soluções bem redigidas para trabalhos, os chatbots acabam privando os estudantes da oportunidade de construir efetivamente o seu conhecimento. De fato, o processo de aprender requer engajamento, esforço e superação de dificuldades por parte do aluno. Como coloca um professor, “você não se torna um melhor escritor apenas editando o trabalho dos outros. Isso ocorre por meio da luta”(1). Ou seja, é o caminho percorrido pelo estudante que de fato possibilita o aprendizado, não o produto final gerado pela IA.

Além disso, ao depender excessivamente do chatbot, os alunos podem ter a capacidade de raciocínio, análise crítica e criatividade comprometidas. Isso porque a ferramenta fornece soluções prontas, ao invés de estimular os estudantes a desenvolverem o pensamento autônomo para lidar com problemas complexos. Portanto, é essencial que o uso de chatbots como o ChatGPT seja orientado e regulado para garantir que ele aconteça de forma responsável, como um apoio ao aprendizado, e não como um substituto. Caso contrário, corre-se o risco da formação de profissionais com lacunas de conhecimentos e habilidades essenciais.

Como saber se houve aprendizado?

Outra questão (que continua) fundamental é: como educadores podem ter certeza de que verdadeiramente houve aprendizagem por parte dos alunos se ferramentas de IA estão sendo amplamente utilizadas nos trabalhos acadêmicos? Uma possibilidade, que muitos têm buscado, é o uso de softwares de detecção de textos gerados por IA. Entretanto, embora esses detectores estejam avançando, eles ainda apresentam limitações importantes. Por exemplo, não são capazes de identificar trabalhos que tenham passado por múltiplas edições e reescritas(1). Além disso, podem apresentar falsos positivos. O caminho mais recomendado é adaptar os métodos de avaliação para dar mais ênfase à aplicação prática de conhecimentos. Isso significa privilegiar atividades realizadas em sala de aula, provas discursivas, apresentações orais, projetos práticos, entre outras estratégias que permitam ao professor verificar se de fato houve internalização de conceitos e o desenvolvimento de habilidades por parte dos alunos(2). Além disso, também é essencial investir na promoção do pensamento crítico, na reflexão e no debate em sala de aula, estimulando os estudantes a apresentarem seus próprios pontos de vista e aplicarem ideias de forma criativa em diferentes contextos(2). Dessa forma, fica mais evidente se houve uma aprendizagem significativa ou se os alunos estão apenas reproduzindo respostas decoradas.

Como evitar o uso inadequado da IA?

Outra questão importante é: como evitar que os estudantes façam uso inadequado de chatbots de IA como o ChatGPT para trapacear em trabalhos e provas? Uma possibilidade seria o bloqueio completo do acesso a essas ferramentas nas redes das instituições de ensino. Porém, considerando que os alunos podem acessar os chatbots por meio de seus telefones, tal medida se mostra de difícil aplicação na prática(1). Portanto, a abordagem mais recomendada é estabelecer políticas claras sobre o uso responsável de tecnologias de IA desde o início, juntamente com diretrizes éticas rígidas contra o plágio(2). Também é importante conscientizar os estudantes sobre os riscos do uso inadequado, tanto em termos de punições acadêmicas como de prejuízos para a própria aprendizagem deles. Além disso, os educadores precisam se adaptar a essa nova realidade, investindo em inovações pedagógicas como a gamificação, aprendizagem baseada em projetos e outras estratégias ativas que estimulem o engajamento dos alunos e tornem o processo de aprender mais interessante do que simplesmente buscar respostas prontas na internet(3).

Como os chatbots já podem apoiar a educação?

Diante dos impasses com as abordagens punitivas, um número crescente de defensores argumenta que a saída pode estar justamente em explorar maneiras produtivas de incorporar o ChatGPT aos processos de aprendizagem (4). Por exemplo, a ferramenta poderia enriquecer discussões em sala, inspirando perguntas antes inimagináveis pelos alunos. Também auxiliaria como uma espécie de “monitor” digital, respondendo dúvidas frequentemente para liberar o professor a tópicos e alunos mais demandantes. eles podem atuar como assistentes virtuais personalizados, fornecendo explicações adaptadas ao nível de entendimento de cada estudante, esclarecendo suas dúvidas com paciência e usando exemplos relacionados aos seus interesses(2). Além disso, os chatbots podem ser utilizados pelos professores para enriquecer seus materiais didáticos, gerando perguntas, estudos de caso ou exercícios complementares sobre os temas ministrados em sala de aula(2). Também podem apoiar na preparação de aulas mais dinâmicas e interativas. Outra possibilidade valiosa é utilizar os modelos de IA para fornecer feedback personalizado sobre trabalhos e projetos dos alunos, apontando problemas lógicos ou conceituais, dando sugestões de aprimoramento, entre outros(1). Assim, os chatbots assumem o trabalho mais mecânico de revisão, liberando o professor para tarefas mais nobres como orientação dos estudantes.

Isso não significa, porém, delegar irrestritamente toda aprendizagem à IA. Pesquisas em cognição reiteram a importância do que alguns autores chamam “dificuldades desejáveis” [4] – aquelas atividades que, apesar de árduas e frustrantes, efetivamente estimulam uma assimilação profunda e duradoura de conceitos. Nesse sentido, o ChatGPT pode acelerar parte do trabalho dos aprendizes, mas não os dispensa de esforços genuinamente intelectuais como leituras complexas, reflexão crítica sobre problemas ou redação original de textos.

O dilema, portanto, reside em balancear inovação tecnológica com preservação de experiências educacionais engajadoras e adequadamente “difíceis” do ponto de vista cognitivo. Restringir por completo o ChatGPT seria desperdiçar chances de aproveitar parte de seu potencial benéfico. Porém liberá-lo irrestritamente pode levar a uma “preguiça intelectual”, onde alunos delegam ao chatbot inclusive tarefas essenciais para seu desenvolvimento analítico e criativo. Para que os benefícios dos chatbots de IA possam ser plenamente aproveitados na prática educacional, é fundamental que sua utilização seja orientada por princípios éticos e focada no desenvolvimento integral dos estudantes, não apenas no desempenho(3).

Implicações para políticas educacionais: Equacionar esse dilema exigirá mudanças de mentalidades e políticas nos sistemas de ensino. Primeiro, é vital superar a noção dos chatbots como inimigos e passar a concebê-los como aliados com limitações. Depois, as instituições precisarão estabelecer diretrizes realistas sobre usos aceitáveis e inaceitáveis de acordo com seus valores éticos e pedagógicos [5]. Além disso, são necessários maciços investimentos tanto em capacitação docente quanto em pesquisas multidisciplinares. Estas servirão de base para estratégias educacionais inovadoras, que alavanquem o melhor dos mundos humano e artificial em prol de aprendizagens significativas e inclusivas.

O futuro da IA na educação: Conforme discutido, os chatbots de IA como o ChatGPT têm gerado enorme entusiasmo, mas também preocupações sobre seus impactos na educação. Embora seu potencial para melhorar processos de aprendizagem seja inegável, os riscos associados ao uso irrestrito também precisam ser considerados. Não existe uma resposta definitiva sobre qual deve ser o papel dessas tecnologias nos ambientes educacionais do futuro. Entretanto, uma coisa parece clara: será necessário muito discernimento, reflexão e esforço conjunto de professores, gestores, estudantes e políticos para garantir que a IA se integre à escola e à universidade de forma ética, responsável e verdadeiramente benéfica para todos. Isso envolve estabelecer princípios e salvaguardas; adaptar abordagens pedagógicas para um contexto de abundância de informações; desenvolver o pensamento crítico e a autonomia intelectual dos estudantes; e assegurar que as tecnologias emergentes reduzam, e não ampliem, as desigualdades educacionais.

Os próprios alunos têm um papel central nesse processo. Eles precisam refletir cuidadosamente sobre suas motivações e as implicações éticas de suas ações ao decidir quando e como utilizar ferramentas como o ChatGPT. A tecnologia por si só não determina seus efeitos; depende do uso que fazemos dela. Portanto, os estudantes precisam assumir sua parcela de responsabilidade e desenvolver sua capacidade de autorregulação.

Claro, isso não é uma tarefa trivial para jovens ainda em formação. Por isso, o apoio de professores e familiares é fundamental para ajudar os alunos a navegar essa nova realidade e tomar decisões informadas e conscientes. Ao final, o objetivo deve ser capacitá-los a prosperar em um mundo cada vez mais moldado pela IA, sem abrir mão dos valores humanistas que são a base de uma sociedade justa e democrática.

Não será uma tarefa trivial. Porém, se bem sucedida, essa integração responsável da IA tem o potencial de inaugurar uma nova era na educação, mais personalizada, inclusiva e focada na preparação dos jovens para prosperarem em uma sociedade cada vez mais mediada pela tecnologia.

Referências

[1] G. P. Dias, “O impacto da calculadora, do Google e do ChatGPT na aprendizagem: conhecimentos, habilidades e atitudes em jogo“, Instituto de Engenharia, 03-Abr-2023. [Online]. Disponível em: https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2023/04/03/o-impacto-da-calculadora-do-google-e-do-chatgpt-na-aprendizagem-conhecimentos-habilidades-e-atitudes-em-jogo/.

[2] G. P. Dias, “Por que a inteligência artificial é uma boa notícia para educação: desafiando os pessimistas“, Instituto de Engenharia, 12-Jun-2023. [Online]. Disponível em: https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2023/06/12/por-george-paulus-dias-por-que-a-inteligencia-artificial-e-uma-boa-noticia-para-educacao-desafiando-os-pessimistas/.

[3] G. P. Dias, “Arranjos de Inteligências Artificial e Humana: Rumo à Qualidade e Equidade na Educação“, Instituto de Engenharia, 25-Sep-2023. [Online]. Disponível em: https://www.institutodeengenharia.org.br/site/2023/09/25/por-george-paulus-dias-arranjos-de-inteligencias-artificial-e-humana-rumo-a-qualidade-e-equidade-na-educacao/.

[4] “AI can do your homework. Now what“, YouTube, [Online]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=bEJ0_TVXh-I.

[5] OpenAI, “How can educators respond to students presenting AI-generated content as their own“, OpenAI Help Center, [Online]. Disponível em: https://help.openai.com/en/articles/8313351-how-can-educators-respond-to-students-presenting-ai-generated-content-as-their-own.

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(*) George Paulus Dias é engenheiro de produção pela Escola Politécnica da USP, mestre e doutor em Logística e Educação com Jogos. É empreendedor na área de TI e educação e acumula 20 anos de docência em instituições de ensino superior e treinamentos corporativos. É conselheiro do Instituto de Engenharia onde também coordena o GT Amazônia e Bioeconomia.