Gestão contemporânea do saneamento básico

Por Eng. Paulo Bezerril Junior

Como princípio é saudável o debate sobre temas de relevância como a gestão do saneamento básico no Brasil. Certamente, despertarão críticas e opiniões divergentes quanto a forma mais assertiva, adequada e viável à época atual. Como importante será ouvir um pouco antes de falar.

Começo contextualizando um pouco a história da origem das companhias estaduais saneamento básico.  No início dos anos 70 o então Banco Nacional de Habitação (BNH) instituiu o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), tendo como Órgão Gestor o Sistema Nacional de Saneamento (SNS), como Agente Financiador o Fundo Nacional de Saneamento (FNS) e como Agente Promotor Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB), então criadas. Note-se que havia as funções precípuas do Estado: política, planejamento, regulação e supervisão que eram exercidas pelo SNS e as de financiamento a cargo do FNS. Como era precária a organização institucional para o saneamento na maioria dos estados brasileiros, o PLANASA criou as CESB, modelo único, admitindo como aplicável e desejável, para todos os estados brasileiros.

No período do PLANASA, 1971 a 1987, o qual podemos dizer como áureo para o saneamento em nosso país, pelo grande investimento em obras, (em valor presente, cerca de 9,5 bilhões de reais por ano, para uma população média brasileira de 114,5 milhões de habitantes, ou sejam 83 reais per capita), que por sua vez ampliou consubstancialmente a proporção de atendimento domiciliar com água de 32% para 70% (118%) e a coleta de esgotos de 14% para 30% (114%). Acrescente-se a esse melhoramento sanitário, outros benefícios proporcionados pelo PLANASA para o setor dos quais podemos citar: ampliação dos cursos técnico e tecnológicos profissionalizante; crescimento das indústrias de equipamentos, materiais, construção civil; e das empresas de consultoria. Portanto, muitos consideram esse período como áureo do saneamento em nosso país.

Não obstante os avanços alcançados o PLANASA estava direcionado para os sistemas mais rentáveis, como o de abastecimento de água nas áreas urbanas mais desenvolvidas, em detrimento dos esgotos sanitários assim como dos segmentos sociais que não podiam assumir os custos da política tarifaria.

A extinção abruta do BNH, pelo Decreto-Lei n0 2.291 de 29 de novembro de 1986 (Governo Sarney), sem nenhum planeamento prévio sobre a forma de dar continuidade ao PLANASA a não ser passando as atribuições financeiras tanto do saneamento como da habitação para Caixa Econômica Federal (CEF).

As políticas posteriores a partir de 1992 até 2020, foram pontuais e desarticuladas, o que vem comprovar os cerca 35 milhões de brasileiros que sofrem com a falta de acesso a água tratada e 100 milhões sem redes de esgotos sanitários. Acrescentem-se, entre outras deficiências, as inaceitáveis perdas médias superior a 35% da água tratada e serem as grandes poluidoras dos mananciais. Exemplos de ações e omissões que têm comprometido o setor de saneamento e, assim, a saúde pública em gral do nosso país.

O novo Marco Regulatório do Saneamento Básico a recente Lei n0 14.026 de 15/07/2020, representa um grande avanço para o equacionamento das condicionantes de natureza político-institucional, jurídico-legal, econômico-financeiro, administrativo e tecnológico faltando ao nosso entender uma organização de prestígio, com foco único para o saneamento básico (não um remendo na Agência Nacional de Águas), contando com um planejamento federativo (União, Estados e Municípios,  em um moderno e adequado PLANASA – o país há muito não tem um governo com visão para criar uma instituição pública nacional com autoridade para regular e tratar unicamente das questões de saneamento básico. Esta com fulcro , requisitos fundamentais para que possamos atingir o tão almejado acesso universal e igualitário de atendimento em saneamento básico.

As Companhias Estaduais de Saneamento Básico (CESB), criadas nos moldes ditatorial do PLANASA (extinto há 35 anos), apesar das várias evoluções e adaptações ao regime democrático republicano não conseguem se desvencilhar das amaras impostas pelas legislações vigentes e das influências políticas, como também são mais propensas aos desvios de condutas. Traduzindo melhor essas dificuldades exemplificamos: Como são empresas mistas de capital aberto ou fechado, tendo como acionista majoritários o Estado, portanto sua administração tem que se pautar dentro da legislação das Sociedades Anônimas (S.A.), das Trabalhistas (CLT) e de todo o cipoal público (licitações, concursos públicos, sindicâncias, cronologia de pagamentos e até a legislação eleitoral, etc.), sob as vigilâncias  dos Tribunais de Contas, Ministérios Públicos e denúncias dos legislativos entre outras perturbações. Sendo o Estado o acionista majoritário é quem indica os membros da diretoria e dos conselhos administrativo e fiscal, portanto, geralmente a escolha desses membros sofre uma forte ingerência política em detrimento da capacidade, do perfil técnico e independente. Acrescentem-se a tudo isso a insegurança do tempo de permanência dos dirigentes, que sendo cargos ad nutum são facilmente substituídos por conjunturas políticas, independente de performance positivas.  Diante desses fatos há muito já deveria ter acabado, para todas as empresas estatais, com esses desregramentos e travosas nomeações políticas, inclusive para os conselhos com elevados jetons (muitas vezes incluindo transporte e hospedagem) e os desrespeitosos cabides de emprego.

É oportuno ressaltar para o que e a quem serve o Estado? Devendo-se evitar a visão equivocada sobre o papel do Estado. Portanto, o resultado correto para as empresas estatais, que prestam serviços públicos essenciais voltados a prevenção de doenças,  como também é sabido que as enfermidades transmissíveis não se circunscrevem a uma única localidade, é fundamental a busca da universalização da salubridade ambiental para se conseguir uma melhor segurança sanitária, imprescindível e necessária ao bem-estar e ao progresso social. Não o lucro pecuniário para pagar dividendos aos acionistas, inclusive estrangeiros, sem, contudo, cumpria sua imprescindível participação nas ações de saúde pública.

Todos os profissionais expertos em saúde pública e os bons estadistas reconhecem que é muito mais econômico, além de mais respeitoso à pessoa humana, empreender ações públicas e privadas voltadas para a prevenção da doença, como o saneamento básico, do que remediar o mal já instalado, mediante hospitalizações e outras ações médicas e sociais de natureza curativa ou corretiva.

Como o Estado moderno está cada vez mais se aparelhando para exercer as funções estratégicas de inteligência, regulação/fiscalização e financeira e o setor privado por sua vez vem se especializando na execução dos serviços. Dessa forma objetivamente o Poder Público, conforme o seu interesse, se responsabiliza por boa parte dos investimentos; pela determinação de regras, metas e supervisão, incluindo as tarifarias, e o setor privado pela execução e a gestão dos serviços conforme as determinações especificadas pelo poder concedente o Estado. Realidade que tudo indica está sendo o aprimoramento da sinergia entre o setor público e o privado portanto, um modelo que poderá ser testado e aprimorado.

Eng. Civil e Sanitarista Paulo Bezerril Junior

Foi secretário Nacional de Saneamento, superintendente do DAEE, diretor da CETESB

Referências:

– Mapa da Contratualização de Serviços Públicos no Brasil – Escola Nacional de Administração Pública, Brasília 05/10/2021;

– Marco do Saneamento Lei n0 14.026/ de 15 de julho de 2020;

– Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) Ministério das Cidades 2021.