A afluência de óleos, graxas e gorduras em estações de tratamento de esgotos biológicas tem se constituído em um problema recorrente desde sempre prejudicando a operação e a eficiência destas depuradoras, dado que, por não ser caracterizarem exatamente como fase líquida (a não ser quando emulsionadas) ou sólida, acabam sendo expelidas em alguma fase do processo da ETE por raspadores superficiais sob forma de escumas, porém sem tratamento ou apenas parcialmente tratadas.
A quantidade destas substâncias presente nas águas residuais urbanas tem aumentado significativamente nos últimos anos, podendo representar cerca de 30 a 40% da DQO afluente.
Em geral, as grandes estações de tratamento de esgotos não incluem em seu tratamento preliminar dispositivos de remoção destes flutuantes, limitando-se à separação de sólidos grosseiros, através de grades e peneiras e areia por meio de “caixas de areia” por gravidade ou aeradas.
A própria norma brasileira não prevê separadores de óleos & graxas no tratamento preliminar das ETEs. A ABNT NBR 12209 de 2011 (Elaboração de Projetos Hidráulico-Sanitário de Estações de Tratamento de Esgotos) apenas prevê dispositivos de remoção de escuma acoplados aos decantadores primários e digestores anaeróbios.
Entretanto, muitas das ETEs, de prateleira ditas compactas, preveem tanques separadores por gravidade diferencial ou flotadores a ar dissolvido para a separação de fases, aliviando a fase biológica destes “incômodos”, especialmente quando anaeróbia (tanques UASBs)..
Decorre que estes tanques não removem apenas o material oleoso. Além de funcionarem como decanadores primários (em função de reinar neste ambiente um regime laminar de escoamento), muitos sólidos também assomam à superfície conjuntamente com o material oleoso livre devido a fermentação da matéria orgânica fazendo com que o material separado se constitua de uma mistura heterogênea indesejável e mau cheirosa, visto que agrega carbohidratos, proteínas e lipídeos em estado de putrefação. Após a separação, tal ”gororoba” é descarregada em caminhão limpa-fossa e encaminhados a aterros e lixões na melhor das hipóteses.
De qualquer forma, a existência de material oleoso nos processos biológicos das ETEs afeta o seu bom funcionamento uma vez que a sua presença é responsável por potencializar vários problemas, incluindo a diminuição da transferência de oxigénio com a consequente redução da eficiência do tratamento como um todo. Com a popularização cada vez mais frequente das membranas filtrantes em sistemas MBR ou similares, o aparecimento destas substâncias é um dos responsáveis pelo colapso prematuro destes meios filtrantes devido a entupimentos.
A solução para este problema seria dotar as estações de tratamento de mecanismos de remoção de óleos & graxas, porém destinando todo o material flutuante removido a tratamento em separado por vias aeróbias ou anaeróbias na própria ETE a fim de que as fases líquida e sólida resultantes deste tratamento em paralelo possam ser introduzidas desprovida destes lipídios nas respectivas linhas de tratamento do fluxo principal.
A ABNT NBR 12209 deve, pois, com urgência ser atualizada acrescentando-se esta nova etapa de tratamento.
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José Eduardo Cavalcanti é engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia. E-mail: [email protected]
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