Primeiro computador brasileiro completa 50 anos. Ex-presidente do IE, prof° Antonio Hélio Guerra, liderou projeto

Em 24 de julho de 1972, professores e alunos da Escola Politécnica da USP preparavam uma sala do prédio da engenharia elétrica para uma apresentação. Tiraram carteiras e tablado e usaram um tapete da diretoria da faculdade para esconder o piso: do jeito que estava, desvalorizaria as fotos.

Estariam ali o então governador de São Paulo, Laudo Natel, o reitor da USP na época, Miguel Reale, e o bispo Dom Ernesto de Paula. Naquele dia, eles assistiram à apresentação do primeiro computador brasileiro: o Patinho Feio, que completa 50 anos no próximo domingo.

A máquina, em uma caixa de um metro de altura por um metro de comprimento, havia sido fabricada ao longo do ano anterior por alunos de graduação e pós-graduação da universidade, que atuaram sob a liderança do professor Antônio Hélio Guerra Vieira.

Sem tela alguma, um painel com luzes indicava o fluxo das informações inseridas em um teletipo, equipamento parecido com uma máquina de Telex que imprimia os comandos. A memória principal tinha 4 kB, capacidade quase 1 milhão de vezes menor do que a de um celular atual de linha básica.

 

A ideia era inserir direto no teletipo uma fita perfurada —a linguagem de programação da época— com o programa que seria apresentado. Mas perto da apresentação, desligaram o computador da tomada. A saída foi ditar o comando do loader, em 0 e 1, para um dos estudantes, que o inseriu por meio do painel de chaves. “Programou na raça”, como definiu o engenheiro Antonio Marcos Massola, que tinha 28 anos na época do lançamento e participou do projeto.

Finalmente, a fita do programa da apresentação foi inserida na máquina parecida com o Telex, que imprimiu uma folha com um pato desenhado com várias letras X. “Eu sou o patinho feio”, dizia uma frase.

O feito foi resultado de uma época de efervescência do setor na universidade, que começava a abraçar a engenharia da computação.

Em 1968, Vieira criou o Laboratório de Sistemas Digitais da USP, que daria à luz o computador. No início de 1970, o curso de engenharia elétrica foi dividido em telecomunicações e sistemas digitais. E um ano antes do Patinho Feio, em 1971, alunos da faculdade conseguiram ligar dois computadores, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo, por meio de linha telefônica.

Mas o principal impulso para a empreitada foi um curso de arquitetura de computadores ministrado pelo americano Glen Langdon, que trabalhava no gigante de informática IBM. Como trabalho final, em junho de 1971, ele propôs que a turma projetasse um computador. A ideia foi bem recebida pelo então diretor da faculdade, Oswaldo Fadigas, que se encarregou de conseguir recursos.

Cerca de 12 formados debruçaram-se sobre o projeto —o mais velho era o professor Hélio, então com 42 anos. Junto com eles, diversos estagiários no 4º ou 5º ano do curso.

“A gente precisou fazer tudo do zero”, conta a professora da USP Edith Ranzini, que na época do lançamento tinha 25 anos. As placas de circuito, por exemplo, foram feitas com papelão e plástico. “Hoje nem projeto de feira de ciências é feito assim.”

A carcaça do computador foi produzida na oficina de mecânica da universidade, e a memória, parte pela qual Ranzini era responsável, comprada por alguns milhares de dólares no exterior.

Uma coincidência acabou dando nome ao projeto. Enquanto os alunos faziam a máquina, a Marinha lançou um desafio: construir um computador para navios de guerra da força armada.

“Sem nunca ter feito um computador neste país, a Marinha depois chegou à conclusão de que não ia dar para fazer um pela primeira vez e já colocar na fragata”, afirma Ranzini. Mas a proposta serviu de estímulo para projetos no Brasil, dentre eles um da Unicamp: o Cisne Branco.

Fonte: Folha de S.Paulo