Por José Eduardo W. de A. Cavalcanti – Tratamento de águas fluviais em tempo seco por processos físico-químicos – Avalição de performance

  • Contexto

No Brasil, o tratamento de esgotos atinge pouco mais de 50% da população. Em consequência, grande parte dos rios urbanos, principalmente, que recebem também a poluição difusa se encontram poluídos. Em decorrência, na tentativa de minorar o problema supostamente em menor prazo que a implantação de depuradoras, emerge a ideia do tratamento de rios em tempo seco.

O tratamento em tempo seco de rios poluídos, com vistas a melhoria de suas águas pode ser feito em unidades de tratamento situadas próximas ás suas margens (“ex situ”) ou, no caso de não haver áreas disponíveis, de forma invasiva no próprio leito do rio (“in situ”).

Em ambos os casos, tal procedimento visa purificar as águas de rios pelo menos até o ponto a jusante antes de receber um lançamento de esgotos ou o seu próximo afluente poluído. Isto significa que o processo de purificação de suas águas pode se limitar a apenas um trecho do rio ou prosseguir em outros trechos se outras unidades recuperadoras da qualidade da água (UTRs) tiverem sido instaladas dentro ou fora do rio.

Quanto às modalidades de tratamento elas podem ser por métodos físicos, físico-químicos ou biológicos.

Por métodos físicos, destacam-se gradeamento, peneiramento, remoção de areia e de materiais flutuantes. Para tanto, são adotadas grades, peneiras, caixas de areia, “skimmers” ou barreiras flutuantes (quando o pré-tratamento é feito no leito do rio).

Por métodos físico-químicos tem-se a coagulação/floculação com produtos químicos (coagulantes e polímeros) seguida por etapa de separação de fases por meio de decantação ou flotação (quando o tratamento é feito no leito do rio) e/ou ainda filtração. Há ainda a possibilidade de se utilizar tanto em um caso como outro, ozonização ou oxigenação (oxigênio puro ou peróxido) para elevar o teor de OD no rio ou eliminar odores.

Por métodos biológicos, utilizando-se o leito do rio como reator, tem-se usado aeração por meios mecânicos ou, em menor escala, ar difuso ou ainda injeção de oxigênio objetivando acelerar a fase aeróbia do processo natural de autodepuração. “Ex situ”, as estações de tratamento podem agregar vários processos biológicos como lodos ativados e suas variantes (MBR ou MBBR).

A justificativa do tratamento de rios poluídos segundo esta modalidade está atrelada a objetivos específicos, tais como a recuperação e proteção de recursos hídricos situados a jusante em que haja interesse em preservar com vistas a diversas finalidades.

No Brasil, esta modalidade de tratamento de rios em tempo seco começou nos anos 70 durante uma das crises hídricas que tem assolado a RMSP. Na época se cogitava aproveitar as águas do rio Pinheiros (já bastante poluídas) para reforço do abastecimento de São Paulo, ideia logo em seguida abortada com o término daquela crise hídrica. Na ocasião, visando oxigenar o rio, foi instalado a título experimental um aerador flutuante de baixa velocidade de 20 CV próximo à represa Guarapiranga. Para tentar amenizar o problema da despoluição descontrolada na Bacia do Guarapiranga, já nos anos 80 se aplicava Cloreto Férrico nos córregos mais poluídos contribuintes, os famosos “pinga-pinga”. Este foi o “gatilho” para desenvolvermos o uso da flotação em córregos, segundo o Engº   Milton Ushima.

Desde setembro de 2000, a Sabesp mantém em funcionamento a unidade de tratamento do córrego Sapateiro, em São Paulo, (UTR Parque do Ibirapuera) que utilizou pela primeira vez tratamento físico-químico utilizando o leito do próprio córrego como reator em que os sólidos formados são separados por flotação a ar dissolvido. (Tecnologia Flotflux). A finalidade deste tratamento, localizado na entrada do lago do Ibirapuera para uma vazão de 150 l/s, foi a de permitir a recuperação das águas daquele lago do qual é o principal formador.

Outra intervenção por este mesmo método, foi realizada no rio Pinheiros, também em São Paulo, (UTR Rio Pinheiros) cuja recuperação está atrelada a finalidades paisagísticas, em função de banhar uma extensa área nobre da cidade, e energéticas, uma vez que dependendo da qualidade de suas águas, estas, acrescidas com as do Tietê, poderiam voltar a ser bombeadas também em tempo seco para a represa Billings e de lá encaminhadas por gravidade para a UHE Henry Borden situada em Cubatão visando o incremento na produção de energia.

Os experimentos foram realizados no período compreendido entre agosto de 2007 a dezembro de 2009 onde foi descontinuado. A vazão tratada foi de cerca de 10 m3/s, cerca de 20% da vazão projetada para escala plena que não ocorreu..

No Rio de Janeiro, foi implantada a UTR do Rio Carioca, construída no Aterro do Flamengo, (UTR Flamengo) com capacidade para tratar vazões de 300 l/s melhorando a qualidade da água lançada na Praia do Flamengo.

Ainda no Rio de Janeiro, em 2007, foi iniciada a construção da Unidade de Tratamento de Arroio Fundo (UTR Arroio Fundo) situado na Zona Oeste da cidade, com capacidade para 1.800 l/s operando até recentemente, mas em vias de desativação por iniciativa da nova Concessionária que alegou não ser eficiente (O Globo de 2/3/20220). O objetivo desta UTR era proteger o sistema lagunar de Jacarepaguá.

É intenção da CEDAE a implantação de uma unidade similar para tratar os rios poluídos que afluem à Lagoa do Guandú (Poços/Queimados e Cabuçu/Ipiranga) com a finalidade de proteger a água captada que se destina à ETA.

Todas estas UTRs empregam a mesma tecnologia patenteada, denominada Flotflux

Com relação ao tratamento de rios em tempo seco na modalidade ”ex situ” ou “pump and treat”, os primeiros sistemas estão sendo previstos para iniciar a operação ainda este ano. Localizados na bacia do rio Pinheiros, objetivam tratar as águas de 5 córregos afluentes ao rio principal em seus trechos finais, mediante a implantação de UTRs cujas vazões variam de 150 l/s a 600 l/s. Os processos de tratamento que serão utilizados variam, indo desde tratamentos físico químicos com coagulação, ozonização até tratamentos biológicos com mídias de MBBR.

  • Eficiência do tratamento físico-químico nas UTRs

 

Tendo em vista conhecer a real performance desta tecnologia “in situ” (Flotflux) quanto à remoção dos contaminantes de interesse, é válido tomar como base os resultados do experimento realizado no rio Pinheiros acima referido em função da grande quantidade de análises realizadas ao longo do período de testes.

De acordo com o relatório “Avaliação da Qualidade das Águas do Sistema Pinheiros-Billings com o Protótipo do Sistema de Flotação – Serviços de Apoio Técnico para os Testes do Protótipo da Flotação no ano 2009” de autoria da Fundação Centro Tecnológico de Hidráulica da USP, (FCTH) para a Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE), os testes de flotação, assim como o plano de monitoramento, obedeceram a três fases:

1ª Fase – Abrangeu as coletas realizadas entre 22/08/2007 a 31/12/2008, primeiro período de teste do protótipo da flotação no Rio Pinheiros.

2ª Fase – Abrangeu as coletas realizadas entre 01/01/2009 e 03/05/2009, período no qual o protótipo da flotação não operou

3ª Fase – Novo período de teste da flotação: Abrangeu as coletas realizadas entre 04/05/2009 a 31/12/2009, segundo período de teste.

Serão considerados nesta avaliação os resultados obtidos na 1ª Fase que se desenvolveu no período entre 22/08/2007 a 31/12/2008, em razão de ter o sistema operado a plena carga só se interrompendo por ocasião do período de cheias no rio e em razão das paradas para manutenção e/ou conserto de equipamentos e dispositivos associados à flotação. Mesmo assim, a flotação operou, em média, 54,4% do tempo, ou seja, a operação ficou suspensa por problemas técnicos, em média, 45,6% do tempo (FCTH), resultando assim 156 dias de operação para análise comparativa entre água bruta e água flotada no Rio Pinheiros.

A FCTH teve o cuidado de adequar a comparação dos resultados das coletas realizadas na entrada do sistema (ponto P1) com as da saída do sistema (ponto P4-A) defasando os dados de P1 em um dia em relação aos dados de P4-A. Isso se justifica pois, no processo de flotação, são necessárias, segundo a FCTH, cerca de 20 horas para a água bruta em P1 percorrer todo trecho do canal do Pinheiros entre as duas estações de flotação até chegar em P4-A como água flotada.

A Tabela abaixo mostra as eficiências médias de remoção de poluentes com operação contínua do protótipo da flotação na 1ª Fase (6634 análises)

A CETESB também monitorou pontos a montante e a jusante das estações de flotação. Diante disto, foi possível fazer uma análise da eficiência do sistema, para alguns indicadores de qualidade de água: DBO, Nitrogênio amoniacal, Oxigênio dissolvido, Fósforo total e Turbidez, além de Toxicidade aguda (Microtox).

A tabela abaixo mostra a eficiência do sistema de flotação em 2008 segundo os dados do Monitoramento da CETESB

Conforme análise apresentada no Relatório da CETESB, os dados mostraram resultados de mesma ordem de grandeza com relação aos apresentados pela EMAE.

  • Comentários finais acerca da performance do processo

O processo de flotação foi mais eficiente na redução de Fósforo total e Turbidez, sendo pouco efetiva na remoção de Nitrogênio amoniacal. Quanto à DBO, as eficiências obtidas foram de 47 % considerando os resultados dos testes da EMAE e de 56 % considerando os resultados do monitoramento da CETESB.

Estes resultados são os esperados, pois Fósforo e Turbidez são bastante suscetíveis a uma boa remoção por métodos físico-químicos. O mesmo não acontece com o Nitrogênio amoniacal, uma vez que a maior parte desta substância orgânica está na sua forma dissolvida.

Quanto à DBO, os processos físico-químicos por coagulação/floculação apenas removem a fração em suspensão da matéria orgânica e inorgânica e somente parte da matéria dissolvida e coloidal por adsorção, resultando ser relativamente baixa a eficiência de remoção deste parâmetro por este método.

Assim sendo, é importante ver as limitações deste processo para avaliar a possibilidade de sua implantação, sem se esquecendo da necessidade de manejo correto dos resíduos gerados (lodos) os quais devem ter tratamento, desidratação e destinação adequados.

________________________________________________________________________

*José Eduardo W. de A. Cavalcanti

É engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia

E-mail: [email protected]

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.