Discurso Eminente Engenheiro do Ano 2021 – Wilson Ferreira Junior

Boa noite, senhoras e senhores, amigas e amigos,

Agradeço muito a presença de todos vocês.

É um prazer estar aqui hoje, na companhia de Paulo Ferreira, presidente do Instituto de Engenharia, de toda a diretoria, e de vocês, meus colegas, que muito contribuíram para o desenvolvimento de nossa profissão, nas últimas décadas. E, além do prazer, existe a honra. De fato, é uma grande honra para mim receber essa homenagem, e entrar para essa galeria dos Engenheiros do Ano, ao lado de gente tão notável, numa tradição de quase 60 anos. Estar ao lado de Engenheiros como Antônio Ermírio, Ozires Silva, Rubens Ometto e Pedro Parente, para citar alguns os quais tive a oportunidade de conviver, me enobrece como cidadão brasileiro.

Por isso, estou imerso em um sentimento de fraternidade, de congraçamento, de forte ligação com esse Instituto. Estou muito agradecido! Estou muito feliz! Emocionado! Eu gostaria de confessar a vocês uma verdade nua e crua: eu só sou o que sou porque sou engenheiro. Portanto, muito obrigado por me acolherem como um de vocês. Pois, mais do que nunca, eu me sinto pertencente a esse grupo. Mais do que nunca, eu me filio a essa tradição e ao legado da engenharia, que construiu esse nosso Brasil, que temos hoje, e do qual nos orgulhamos tanto.

No momento em que eu soube que receberia essa distinção, comecei a pensar no que significou para mim ser engenheiro e sobre a carreira que trilhei. Quando eu ainda estava no colégio eu fiz, não somente um, mas dois testes vocacionais. Se eu fosse me basear somente no primeiro teste, teria seguido a carreira de Medicina. Naquela hora, eu meditei, meditei, e achei melhor procurar uma segunda opinião. Parti para o meu segundo teste vocacional. Na nova tentativa, a orientadora conversou comigo, depois da realização do teste, e me apontou além da Medicina um outro caminho. Ela me disse que eu tinha uma visão humanista da vida, e que eu devia escolher uma profissão que me desse condições de trabalhar com o oferecimento, às pessoas e às comunidades, de serviços públicos. Surgiu aí a ideia de estudar Engenharia Elétrica, um campo que tinha empresas que faziam isso muito bem. Esse foi o caminho que segui, e jamais me arrependi. Fui fazer a minha graduação na Universidade Mackenzie, onde formei as minhas primeiras ideias, sobre essa maravilhosa profissão. Foi lá que comecei a minha trajetória, que me levou a tantas descobertas. A Engenharia moldou a minha forma de pensar, enxergar o mundo, e trabalhar. Seus princípios me guiaram até aqui.

Estou completando agora quarenta anos de carreira, plenamente realizado. A vida me brindou com oportunidades e desafios, que moldaram e moveram a minha carreira. Neste momento, é interessante lembrar que o meu primeiro desafio, na CESP, foi integrar a Divisão de Aplicação de Energia Elétrica, criada para viabilizar a venda de eletricidade, que, na década de 80, tínhamos em excesso. Queríamos, naquela época, substituir o combustível fóssil, importado e caro, depois das duas Crises do Petróleo, da década de 70, pela energia elétrica. Quarenta anos depois, estou liderando a transformação da Vibra Energia. Exatamente, para podermos oferecer novas energias, buscando a Transição Energética de nossos clientes, nos juntando a esse nobre e essencial desafio global, de redução dos gases de efeito estufa, com o objetivo da preservação e da sobrevivência de nosso planeta.

Outro desafio fascinante, que tive na CESP, e que marcou a minha carreira, foi a sua Reestruturação Empresarial. Dirigida, na época, pelo Governador Geraldo Alckmin, aqui presente, e pelo Presidente da CESP, Andrea Matarazzo, a quem, quero externar aqui o meu reconhecimento. Eles lideraram esse enorme esforço de redução de custos, de aumento da produtividade, e da extraordinária evolução na qualidade dos serviços prestados, aos seus clientes. Por todas essas conquistas, a CESP foi a primeira energética com certificação ISO 9000 – Gestão da Qualidade. Conquista que legitimou o êxito de seu processo de gestão, salvando a companhia, de sua quase falência, viabilizando assim a privatização da empresa. Importante dizer aqui que o Estado de São Paulo não seria o que é hoje, se não fosse a privatização de suas empresas, especialmente as elétricas, que, além de auferir expressivos prêmios sobre os valores mínimos, reduziram muito a dívida do Estado, transferindo todas as dívidas financeiras e previdenciárias das empresas, para os novos operadores privados. Por essa razão, uma das coisas mais decisivas que fiz, no início de minha vida profissional, foi me especializar no tema da Qualidade Total. Eu fiz isso graças aos ensinamentos que recebi de um grande consultor em Gestão Empresarial, o Vicente Falconi.

Obviamente, esse fantástico aprendizado, de busca da excelência empresarial, na CESP, foi determinante para que eu pudesse dirigir a RGE – a Rio Grande Energia, uma das 3 distribuidoras privatizadas em 1997, no Rio Grande do Sul, experiência que me foi muito útil também, a partir de 2000, quando tornei-me o presidente da CPFL, onde tal como na CESP, trabalhei por 18 anos, numa jornada, que transformou essa distribuidora do interior de São Paulo, no maior grupo privado de energia do Brasil.

Vocês imaginem, então, o que foi, para um engenheiro, que iniciou a sua carreira em uma empresa estatal, liderar a CPFL, com acionistas privados, todos focados em crescimento e eficiência.  Na CPFL, participei de um verdadeiro Turnaround empresarial:  Construção de 7 hidrelétricas, Aquisição de mais 8 distribuidoras, Criação de comercializadoras de energia no mercado livre, Criação do negócio de transmissão, Criação da maior operação de energia renovável do Brasil, com mais de uma centena de parques eólicos e solares, Repotenciação e construção de PCHs, Criação de uma empresa para operar o Centro de Serviços Compartilhados, Criação de uma empresa de telecomunicações. Enfim, uma extraordinária e explêndida jornada.

Depois disso tudo, fui convocado, pelo Presidente Michel Temer e pelo Ministro Fernando Coelho Filho, para dirigir a Eletrobras, e jogar, como considero hoje, na Seleção Brasileira de Energia. Sem duvida nenhuma, o maior desafio que tive na minha vida profissional: Liderar a recuperação da maior empresa de Eletricidade da América do Sul, uma das 15 maiores do mundo, que em 2016, encontrava-se, com sérios problemas de sobrevivência. A Eletrobras, na época, uma holding listada no Brasil, em Nova York, e em Madri, valia ¼ do valor da CPFL, apesar de ser, pelo menos, 10 vezes maior em ativos, do que a empresa paulista. A Eletrobras, naquele momento, tinha 16 subsidiárias, 178 SPEs, dezenas de obras paradas, ações no DOJ, na SEC, e uma class-action, no Estados Unidos, impedindo a negociação de suas ações, no pregão da NYSE. Com prejuízo de mais de 34 bilhões, em 4 anos, o que reduzia quase à metade o Patrimônio Líquido da companhia, que era, já naquele momento, inferior à sua dívida bruta. A alavancagem da empresa, nessa época, era de quase 9 vezes a sua geração anual de caixa. Custos operacionais de 50 a 100% maiores que os custos regulatórios. Imeginem vocês que ela tinha, quando assumi a direção da empresa, dois mil gerentes e 26.000 empregados.

A sensação de dever cumprido ocorreu quase cinco anos depois, meus amigos. Com grande felicidade, testemunho, agora, que a nossa ELETROBRAS  não guarda mais nenhuma relação com aquela que encontrei, em 2016. Encurtando uma longa história, privatizamos as suas 7 distribuidoras, focando a Empresa, naquilo que é a sua vocação, a geração e a transmissão de energia elétrica. Por conta disso, vendemos quase 100 SPEs e, com os recursos conseguidos, concluímos todas as obras que estavam esperando encaminhamento. Destaco, aqui, a conclusão de todas as hidrelétricas do Rio Madeira, do Rio Teles Pires, e, especialmente, a UHE de Belo Monte e a sua respectiva Linha de Transmissão, de 800 kV, em corrente contínua, a primeira a ser realizada no Brasil. Ficaram por terminar a construção de Angra 3, que termina em 2026, e a Linha de Transmissão Manaus – Boa Vista, que terminará em 2023.

Mais importante, ainda, o quadro de pessoal da Eletrobras foi reduzido para menos de 12.000 empregados, e a empresa nunca mais teve prejuízos anuais. Pelo contrário, apresentou, em 2018, o maior lucro de sua história, revertendo todos os prejuízos acumulados. A alavancagem é menor que duas vezes a geração anual de caixa. E, o mais significativo, seu patrimônio líquido duplicou, e seu valor de mercado, na bolsa de valores, sextuplicou, atingindo R$ 70 bilhões, no começo deste ano. Nada disso teria sido possível sem o incondicional apoio dos Ministros Fernando Coelho e Bento Albuquerque, cuja confiança, apoio e amizade, foram fundamentais, para o cumprimento dessa missão. E, com toda a certeza, o futuro reserva melhores perspectivas, ainda, para a Eletrobrás, com a sua privatização, agendada, para ocorrer, no primeiro trimestre de 2022.

Aqui, preciso voltar, uma vez mais, à minha juventude. Porque, desde jovem, aprendi a cultivar grandes metas, sem me deixar amedrontar diante dos mais intrincados desafios. Aliás, foi com os meus pais, a quem agradeço sempre, que eu aprendi que desafios existem para ser vencidos. Basta termos a coragem de não apequenar a nossa alma, pois, como tão bem sintetizou Fernando Pessoa, ‘Tudo vale a pena quando a alma não é pequena’.

Mas, no meu caso, isso talvez não baste. Além de buscar ter uma alma grande, o que é uma busca pessoal diária, a gente também precisa ter a cabeça no lugar – e, para mim, cabeça no lugar é sinônimo de cabeça de engenheiro. A alma sonha e a cabeça calcula. Gosto disso. Imaginar! Projetar! Construir! Solucionar equações onde outros só veem problemas. Criar condições para que as soluções sejam possíveis. É assim que eu sou. É assim que eu gosto de ser.

Desde o começo, eu sabia que a engenharia é mais do que vital para o desenvolvimento do Brasil. Quanto a isso, nós, engenheiras e engenheiros, podemos nos orgulhar. Pensemos nas cidades que edificamos, nos transportes públicos que criamos, no metrô que planejamos e que atualmente ajuda milhões de pessoas a transitarem pelos nossos grandes centros urbanos. E as hidroelétricas que entregamos, então? Itaipu, Belo Monte, isso para falar apenas de duas, entre as centenas que construímos, e que fazem de nosso sistema elétrico o mais integrado do mundo, graças as linhas de transmissão e de distribuição de energia que cortam o País de Norte a Sul! E das plataformas de petróleo e gás, que construímos, nessas últimas décadas, que fizeram de nosso país o que ele é hoje?

Ao olhar para  o Brasil, não há como não concluir que o nosso país é também uma consequência da nossa contribuição, da contribuição de todos nós, das engenheiras e dos engenheiros brasileiros. Não há como não nos orgulharmos.

Eu me orgulho também quando percebo que soubemos mudar com o tempo, e soubemos liderar grandes transformações. Em primeiro lugar, estamos agora na vanguarda das adaptações às Tecnologias da Informação, que, através das redes sociais e da Internet, estão batendo à nossa porta, de minuto a minuto, consolidando a chegada da Quarta Revolução Industrial. Em segundo lugar, vamos ter também que nos atualizar, em relação às mudanças sanitárias, que surgiram como consequência da Epidemia de Coronavírus. Sabemos que poderão vir por aí outras epidemias, como Bil Gates tem nos alertado. Ao mesmo tempo, existem as mudanças que estão acontecendo na organização do trabalho, com a chegada do trabalho híbrido e do home oficce. Em terceiro lugar, devemos também estar muito atentos às Mudanças Climáticas e ao Aquecimento Global, pois as transformações ambientais já estão trazendo consequências terríveis, para o nosso mundo, como a COP26 (que terminou há poucos dias) tem nos mostrado. As emissões de gases, causadores do efeito estufa, constituem um problema real para as nações e para as empresas. Cabe a nós encontrar caminhos alternativos que sejam virtuosos. Esse, com certeza, é um dos maiores desafios para a engenharia atual – e especialmente para uma empresa como a VIBRA, que estou dirigindo agora.

Quando assumi a presidência da VIBRA, então ainda BR Distribuidora, estudei bastante o setor e o mercado, conversei com especialistas, e contratamos consultorias para nos ajudar. Precisávamos pensar no longo prazo, no futuro da companhia, que já está há cinquenta anos no mercado. O que será da VIBRA nas próximas décadas? Tínhamos de desenhar um caminho, e o caminho que escolhemos foi de protagonizar a Transição Energética de nossos Clientes.

O desafio de reposicionar a VIBRA como uma empresa de energia,  na verdade, não se resume apenas a isso. O desafio é maior. Queremos liderar a Transição Energética em nosso país. Precisamos ser um ator de destaque nesse cenário, entregando a energia que a sociedade deseja, com fontes limpas e renováveis. Por essa razão, estamos investindo em soluções mais sustentáveis, que vão passar, com certeza, pelo etanol, pela energia solar, pelo biometano, pelo Diesel Verde e pelo Hidrogênio.

Minha geração talvez não tenha tido o cuidado de gerenciar essas emissões no passado, mas eu tenho certeza de que estamos formando uma geração muito mais consciente e mais atenta, no cuidado com o clima, com o meio ambiente e com a saúde ambiental do planeta. Nesse ponto, eu me inspiro na mensagem de meus filhos, Leonardo e Helena, ele com 25 anos e ela somente com 8 anos. Eles me trazem essa preocupação todos os dias, e me dão coragem e confiança para buscar esse objetivo.

Para terminar, eu gostaria, de deixar com vocês, um chamamento à nossa condição humana. Eu disse a vocês que, quando jovem, eu acreditava que as obras físicas eram a melhor tradução da Engenharia. Agora, já expandi o meu pensamento sobre isso. A maturidade me trouxe mais uma mudança, que quero compartilhar com vocês também.

Hoje eu vejo a Engenharia não apenas como aquela que constrói coisas palpáveis, coisas físicas, mas também como aquela que eu chamaria de uma engenharia das pessoas, que constrói laços fecundos, capazes de unir e de congregar as pessoas.

Eu hoje, em grande medida, tenho de mim mesmo o juízo de que sou um engenheiro de gente, um engenheiro relações com pessoas. Quando analiso essas coisas todas, que descrevi agora, nas empresas em que trabalhei, eu penso em mim como alguém que teve a felicidade de reunir talentos, montar boas equipes, criar pontes. E como eu acho essencial criarmos pontes entre os seres humanos. Lembro que é exatamente isso que a gente lê, ao final de uma peça de Sófocles, Antígona, escrita há mais de 2.000 anos. A frase que me toca é esta. Prestem atenção. ‘Em mim só manda um rei: aquele que constrói pontes e destrói muralhas’.

Temos pela frente, uma missão civilizatória: erguer pontes que unam os seres humanos e destruir as muralhas que os separam. Essas muralhas são o preconceito, a irracionalidade e a intolerância. Precisamos ser engenheiros humanistas e, para isso, precisamos saber superar as muralhas que segregam e impedem o encontro das pessoas. O nosso Brasil é feito de pessoas diferentes e isso é muito bom. O nosso desafio é ajudar essas pessoas a viverem bem e a conviverem bem. Temos de superar as muralhas da intolerância. Temos que construir pontes solidárias.

Enquanto digo isso, percebo que os sonhos da juventude ainda vibram em mim. Ainda vibra em mim o humanismo que a orientadora do teste vocacional viu no adolescente que fui. Eu sou o mesmo humanista, mas, agora, com certas vantagens que só a maturidade nos concede.

Estou me lembrando aqui de uns versos de Paulinho da Viola, que falam de “um lago mais tranquilo, onde a dor não tem razão”. Serenidade! Nada de dor! Nada de rancor! Esse “lago mais tranquilo” acende no nosso espírito uma motivação de feitio novo:  seguir nessa carreira, a cada dia mais, sendo um engenheiro que busca não só a mudança, mas um engenheiro que também busca a união das pessoas, dos profissionais, em torno de projetos. Nunca essas palavras foram tão necessárias ao Brasil. E nunca houve objetivos tão importantes para nós. O passado é o passado. É o presente e o futuro que devem importar para todos nós.

Por fim, quero aproveitar essa oportunidade para agradecer a minha família e os meus amigos, que têm me acompanhado e me apoiado ao longo desses anos todos. Estou me referindo à minha mulher, aos meus filhos, aos meus pais, aos meus irmãos e aos meus amigos. São eles que têm me dado força para continuar e para exercer a minha profissão, que tem me orgulhado tanto.

E, com isso, termino esta mensagem, que deixo aqui de coração – e também com a minha cabeça de engenheiro. Sigamos juntos, amigas e amigos do Instituto de Engenharia. Que essa grande honra que vocês me concedem seja mais um tijolo na ponte de afeto que nos une. Aqui, em meio aos meus pares, à minha família, e aos meus amigos, não posso deixar de olhar para o futuro, e para as demandas com que ele nos desafia. Tenhamos a certeza de que haverá sempre uma solução de engenharia, tanto para as dificuldades que surgirem no caminho, como para os sonhos que acalentarmos. Obrigado por tudo! VIVA A ENGENHARIA!