Da USP São Carlos às pesquisas espaciais, a trajetória de quem desenvolve satélites

Dia 28 de fevereiro de 2021, à 1h54 (horário de Brasília), o Centro de Lançamento Satish Dhawan Space Centre, na Índia, lançava ao espaço o Amazonia-1. Ele é o primeiro satélite de observação da Terra totalmente projetado, integrado, testado e operado pelo Brasil. O equipamento fornecerá imagens para atender ao monitoramento da região costeira, reservatórios de água, desastres ambientais e estará à disposição da comunidade científica, órgãos de governo e empresas.

O satélite foi desenvolvido nos laboratórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), o órgão foi criado em 1961 para realizar atividades e estudos desde a origem do Universo a aplicações da ciência, como nas questões de desflorestamento das matas. O instituto é um centro de referência internacional em pesquisas de ciências espaciais e atmosféricas, engenharia espacial, meteorologia, observação da Terra por imagens de satélite e estudos de mudanças climáticas.

São centenas de colaboradores que trabalham diariamente para expandir a capacidade científica e tecnológica do Brasil, e muitos deles são formados na USP em diferentes áreas e unidades de ensino. Um grupo vem da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) de São Carlos.

Eles acompanharam desde o desenvolvimento do primeiro satélite brasileiro lançado em 1993, o SCD1, ao último, o Amazonia-1. O Jornal da USP conversou com alguns desses profissionais para contar como é trabalhar em um polo avançado de tecnologia e, principalmente, desenvolvendo satélites.

“Em 1982, o governo brasileiro decidiu construir o primeiro satélite brasileiro. Lembro do aviso na USP em São Carlos recrutando profissionais. Naquela época, não havia concurso, era análise de currículo e entrevistas; foram contratados 250 engenheiros das melhores escolas do País”, lembra José Sérgio Almeida.

Formado na EESC naquele ano, o engenheiro mecânico estava no grupo e lembra que o ensino da área espacial era escasso, por isso foi necessário capacitar os profissionais. Ele ficou um ano no Canadá para participar de treinamento em montagem e teste de satélites. Esse seria o primeiro de muitos realizados em diferentes agências espaciais no mundo. Desde 1991, ele representa o Brasil em um grupo de trabalho internacional, coordenado pela Nasa, para discutir as situações de segurança nos testes de voos.

“A área espacial é muito delicada porque não se pode fazer recall se algo não der certo. Lançou o satélite e não tem como consertá-lo, o projeto precisa ser robusto com probabilidade de falha quase zero”, explica o engenheiro José Sérgio. Os testes são fundamentais para que a chance de falha ocorra no laboratório e não no espaço.

Ele trabalha na área de teste de voo de satélite, que são câmeras de vácuos que simulam a condição do espaço. O teste ocorre com o satélite já montado antes do lançamento.

Engenharia de satélites

O Inpe participa do Programa Espacial Brasileiro desenvolvendo satélites. Eles são divididos em duas famílias principais: a dos Satélites de Coletas de Dados, os SCDs, com 100% de tecnologia nacional; e a dos Satélites Sino-brasileiros de Recursos Terrestres, os CBERS, em cooperação com a China.

Os satélites ajudam a monitorar o tempo e o clima no nosso País. Eles coletam dados sobre a formação de nuvens, luzes das cidades, queimadas, efeitos da poluição, tempestades de raios e poeira, limites das correntes oceânicas etc. Os CBERS são mais voltados para o monitoramento do território, eles carregam câmeras que registram imagens com diferentes resoluções espaciais. O Amazonia-1, lançado neste ano, também é para essa finalidade.

Há ainda os nanossatélites, que fazem parte do projeto de desenvolvimento de missões espaciais com foco científico, tecnológico e educacional apoiados pelo MCTI e parceiros. Com padrão CubeSat, eles são plataformas padronizadas mais baratas e acessíveis e de rápido desenvolvimento. No Brasil, suas aplicações têm sido, principalmente, com foco em pesquisas e capacitação de recursos humanos e operacionais.

O último foi enviado em órbita baixa pelo lançador russo Soyuz-2 em março deste ano. Chamado de NanosatC-BR2, ele tem 1,72 kg de massa e vai monitorar no geoespaço a intensidade do campo geomagnético e a precipitação de partículas energéticas ionizantes, além de qualificar no espaço suas cargas úteis tecnológicas. Seu desenvolvimento começou em 2014 e contou com a participação de vários alunos de graduação e pós-graduação.

Um dos alunos de pós-graduação, que concluiu seu mestrado em janeiro no Inpe, é Danilo Pallamin de Almeida. Ele participou do projeto de 2018 até a integralização do satélite no final de 2020. E foi graças ao NanosatC-BR2 que o engenheiro conseguiu seu atual emprego. Ele trabalha com pequenos satélites na Endurosat, uma empresa instalada na Bulgária.

Formado em Engenharia Mecatrônica na EESC, em 2016, Danilo começou a se envolver com o mundo aeroespacial em casa. A paixão do pai, José Sérgio Almeida, pela área espacial acabou influenciando o filho. Desde a escolha da universidade ao trabalho com satélites.

Ainda na graduação, Danilo fez parte do Zenith, um grupo extracurricular que reúne alunos da USP e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) focados na construção de satélites e sondas aeroespaciais. Além do Zenith, ele ainda fez iniciação científica no Inpe, que acabou se tornando seu Trabalho de Conclusão de Curso na USP.

“A Engenharia Mecatrônica foi a melhor graduação que eu poderia ter feito para trabalhar nessa área, porque vemos um pouco da mecânica, eletrônica e da computação. E o satélite é basicamente a integração de tudo isso. Na Engenharia de Sistemas, que foi o meu mestrado e onde atuo hoje, vemos o projeto como um todo e suas interfaces. Eu sei onde buscar para ir mais a fundo nessas áreas, tenho a base para entender todas as partes do satélite”, conta.

Quem orientou o Danilo tanto na iniciação científica quanto no mestrado foi a bacharel em Ciência da Computação, Fátima Matiello. Ela é egressa do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) e também esteve à frente do projeto NanosatC-BR2.

“Muitas universidades desejam fazer nanossatélites em parceria com o Inpe para fazer integração e testes. O NanosatC-BR2 foi como um estudo de caso para estabelecermos processos para isso”, diz Fátima.

Ela entrou no Inpe para fazer mestrado em Telecomunicações e Sistemas Espaciais, logo após se formar na USP em 1980. A escolha de trabalhar com pesquisa espacial veio um pouco pela influência de séries televisivas sobre o tema. Inicialmente, seu trabalho no Inpe estava relacionado com a operação de satélites e controle, ficando  muitos anos na divisão de sistemas de solo. No doutorado, enveredou para sistemas embarcados e, hoje, está à frente da coordenação de Ensino, Pesquisa e Extensão (Coepe) do Inpe.

Como é feito um satélite

A construção de um satélite começa com o planejamento. Ele será desenhado de acordo com a missão de sua destinação. Ele é composto de dois módulos que, geralmente, se dividem em duas grandes partes: o módulo de serviço e o de carga útil. O primeiro é o responsável pelo funcionamento do satélite e tem a bateria, computadores de bordo, entre outros. No de carga útil, são acoplados os subsistemas relacionados à missão do satélite, como câmeras, experimentos, etc.

O Amazonia-1, por exemplo, conta com geradores solares, sistemas de propulsão, câmeras, antenas e um gravador digital de dados. Esses equipamentos são montados e testados. É preciso simular todas as condições que o satélite irá vivenciar no espaço e prever eventualidades.

José Pott se formou em Engenharia Elétrica na EESC em 1987 e fez mestrado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. Há sete anos começou a trabalhar no Inpe. Ele atua em um setor em que ocorre a montagem, a integração de todos os subsistemas e o funcionamento dos satélites. Ele é responsável por alguns subsistemas: supervisão de bordo, que é o computador principal; equipamento que grava as imagens;  controle térmico, que visa a manter o satélite dentro das faixas de temperatura.

“Cada equipamento tem que estar em uma faixa de temperatura correta, às vezes, o satélite está no sol, ou na sombra, então ligamos aquecedores e desligamos de acordo com o momento onde ele está”, explica.

Outra função do engenheiro é testar os sistemas em laboratório. Ele realiza três testes: de emergência, de lançamento e de rotina. Os testes permitem antecipar eventuais problemas que possam ocorrer desde o momento do lançamento do satélite, qualquer sistema que pare de funcionar, ou o uso diário do equipamento.

Depois do lançamento do satélite, outra equipe comanda os trabalhos, acompanhando os dados e a performance.

Fonte: Jornal da USP