Engenheiros e comunidade do RJ constroem tratamento de esgoto ecológico

25 casas formam a comunidade do Vale Encantado, que fica dentro da Floresta da Tijuca, no Alto da Boa Vista (RJ). São mais de cem anos desde a chegada da primeira família ao local no começo dos anos 1900. É também esse o tempo que os moradores da região esperam por saneamento básico e pelo qual precisam se desdobrar para encontrar soluções para tratar seu esgoto.

“Aqui nunca teve saneamento básico, normalmente são sumidouros. E esses sumidouros causavam transtorno para as famílias porque eles enchem e precisam ser esvaziados. E não era qualquer pessoa que sabia fazer esse tipo de serviço. Aí tinha de ficar limpando ou tendo que pagar alguém para fazer isso,” diz o líder comunitário Otávio Barros.

Desde que assumiu a associação de moradores em 2005, Otávio desejava encontrar uma solução para que a comunidade não precisasse mais ter esse problema. Buscou ajuda na PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), onde trabalhou por 25 anos. Lá foi apresentado por um amigo para o então estudante de engenharia ambiental Leonardo Adler.

Então, em 2011, os dois escreveram um projeto de saneamento ecológico para favelas juntos, que acabou ficando só no papel até 2014, quando se uniu ao colega de faculdade, o também engenheiro ambiental Tito Cals, para começar a estudar negócios sociais. Naquele ano, os dois se voluntariaram para fazer parte da Solar Cities — organização dos Estados Unidos criada para desenvolver soluções com biogás —, que, coincidentemente, tinha chegado ao Brasil para construir um biodigestor no restaurante da comunidade do Vale Encantado.

O equipamento funciona desde então assim: todo resto de comida produzido pelo estabelecimento vai para uma espécie de tanque que fica embaixo do local. Depois, conforme forem entrando em decomposição dentro do biodigestor, todo esse alimento se transforma em gás, que está sendo utilizado no fogão da cozinha do restaurante.

Um ano depois, em 2015, Leonardo e Tito, com a coordenação do professor Tácio Campos do Departamento de Engenharia Civil da PUC-RJ, passaram no Edital de Apoio a Soluções para Problemas Relacionados a Meio Ambiente no Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ, e conseguiram investimento para construir o segundo biodigestor no Vale Encantado — desta vez para finalmente realizar o sonho de Otávio de ver a comunidade ter uma alternativa para tratamento de esgoto.

Criando soluções alternativas para o saneamento

Apesar do saneamento básico ser um direito garantido por lei, assim como os moradores do Vale Encantado, 47% da população brasileira não tem esgoto sanitário, de acordo com dados divulgados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) em junho de 2020.

Por isso, são muitas as tecnologias desenvolvidas em saneamento ecológico que aparecem como soluções naturais em pequena e média escala, transformando restos de comida e até água de esgoto de casas e comércios em gás ou adubo.

“Já naquela época, ligamos cinco casas que estão mais próximas da região que o biodigestor está. E, desde então, vínhamos buscando investimento para conseguir terminar o projeto e implantar o sistema em todas as casas do Vale”, conta Leonardo.

O dinheiro chegou em 2020, já como Taboa Engenharia, empresa que os dois engenheiros montaram para apresentar soluções “para contribuir com a universalização do acesso ao saneamento no Brasil através de projetos para as populações que mais sofrem com a falta deste serviço”. Com projetos como o do Vale e do ecossistema amazônico instalado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagaçu-Purus (AM), a Taboa Engenharia é uma das ganhadoras do desafio Banheiros Mudam Vidas, da marca de papel higiênico Neve, e agora esperam a situação da pandemia melhorar para dar continuidade ao projeto.

Protagonismo das comunidades Mas apesar de terem optado por utilizar o biodigestor no Vale Encantado, esta não é a única tecnologia ofertada pelos engenheiros da Taboa e também não é a parte central do trabalho que desenvolvem com saneamento ecológico.

“A nossa metodologia hoje é justamente apresentar um cardápio de soluções para as comunidades e assim fazer com que eles escolham e a gente desenvolva a solução em conjunto. A gente busca que essas comunidades sejam as protagonistas do projeto para que haja uma organização comunitária para gerir esse projeto a longo prazo,” diz Leonardo.

Eles explicam que o primeiro passo quando começam a desenvolver algum projeto é de entender qual a realidade da comunidade e o que ela deseja. Depois passam a apresentar soluções que sejam adequadas para a região, explicando todos os procedimentos necessários para a construção, desde a duração da obra até o trabalho que a tecnologia escolhida pode gerar para mantê-la.

“A gente faz esse trabalho para ajudar a melhorar a saúde, para melhorar o bem-estar e para mostrar para os moradores que não existe certo ou errado, existem formas seguras e menos seguras de fazer,” explica Tito.

Até mesmo na hora de botar os projetos em prática existe uma preocupação com relação à participação dos moradores. Os dois costumam realizar cursos de capacitação para ensinar como a construção das tecnologias em saneamento tecnológico pode seguir. No caso do Vale Encantado, foram as pessoas da comunidade que construíram o biodigestor, por exemplo.

“O Léo e o Tito contrataram várias pessoas da comunidade para poder trabalhar na capacitação e desenvolvimento. Assim os moradores foram vendo que as coisas estavam se materializando. Viram que seria bacana porque o esgoto não seria jogado mais no meio ambiente.”, conta Otávio Barros.

“A gente mede nosso impacto também do cunho educacional: quantas aulas, palestras e cursos a gente deu, quantas pessoas a gente conseguiu comover e ajudar a começar a pensar e se questionar sobre saneamento”.

Fonte: ECOA Uol