IE NA MÍDIA – Afinal, motocicleta é um veículo seguro?

O engenheiro de transportes (e motociclista) Fernando Portella discute os riscos e desafios de transportar passageiros em motocicletas, como sugere o Uber Motos


Fernando Portella é engenheiro, especialista em mobilidade urbana, conselheiro e membro da Divisão de Logística do Instituto de Engenharia de São Paulo. Também é um entusiasta da motocicleta e instrutor treinado pela Honda em pilotagem com segurança. 
Não por acaso, trabalhou no treinamento de motociclistas da polícia militar e do exército.
Nesta entrevista, Portella comenta os desafios de segurança para a circulação de motocicletas e a chegada da Uber Moto ao Brasil, por enquanto somente no Nordeste.

Semana passada o Uber anunciou a expansão do serviço Uber Moto para várias cidades brasileiras. Poderia ser uma boa notícia, não fossem os tristes números de pessoas mortas e feridas em sinistros que envolvem motos… O que o senhor acha da proposta? Afinal, motocicletas são veículos seguros para circular nas cidades?
Sim, a moto é um veículo seguro no trânsito, mas isso depende de quem a conduz e da forma como conduz. Na verdade, existem vários fatores que contribuem para tornar a motocicleta um componente do trânsito inseguro. Primeiro, a lei é muito permissiva. Por exemplo, esse uso dos “corredores” entre os carros é um absurdo, e não existe em nenhum outro lugar do mundo. O segundo ponto é que existem vários tipos de usuários, desde o motociclista habilitado e bem treinado, até aquele condutor que é chamado pejorativamente de “motoqueiro”. Há também o “mix de motoqueiro e motociclista”, que são aquelas pessoas despreparadas que compram motocicletas muito potentes e saem pelas ruas e estradas fazendo barbaridades. Então, é muito doloroso ver esse tipo de coisa… A maioria não sabe frear, mas como essas motos têm freios muito eficientes, esses condutores se sentem demasiadamente seguros. Pouca gente tem conhecimento sobre a transferência de peso em movimento, como rebaixar o centro de gravidade, como transitar em solo molhado, sobre areia, ou como andar em cima de pedra, por exemplo.

Mas, em resumo, o que seria a forma correta de conduzir a moto na cidade?
É preciso ser visto. Esta é a primeira lei para que o motociclista não sofra ou provoque acidentes. Por definição, a moto tem que ser apontada para o espelho retrovisor do carro que está na frente, de forma a ficar visível ao motorista. Para ultrapassar, o correto é sair do ponto neutro pela esquerda, sempre sinalizando, e nunca pelo lado direito. Alguém poderia argumentar que desta forma tudo fica muito lento, mas não é verdade. Na ultrapassagem, o motociclista precisa ocupar o lugar de um carro, abrir espaço para que a moto possa ocupar o lugar do carro.  A possibilidade de circular pelo “corredor” é um absurdo que não poderia ter sido aceito na recente revisão do Código de Trânsito Brasileiro. Um motociclista passa um carro pelo lado esquerdo e, ao mesmo tempo, uma outra moto ultrapassa pelo lado direito, que é o ponto cego do automóvel, tudo em espaços mínimos, em velocidade…

Mas, essas informações são dadas na formação na moto-escola, não?
Em termos de dirigibilidade, as moto-escolas são fraquíssimas e a maioria dos instrutores na verdade não sabe andar de motocicleta. Sabem apenas “fazer o oito”, aquela coisa básica que é exigida nos testes de habilitação. Mas não sabem “fazer o oito” com uma aceleração maior e com uma pessoa na garupa…Esse sim é um bom teste para avaliar se uma pessoa sabe realmente dirigir uma moto… Falta educação, falta treinamento constante, e é preciso acabar com a permissividade dada pelo Código.

Como o senhor vê a ideia da Uber Moto?
A proposta da Uber – me parece – estaria mais voltada para o perfil do “motoqueiro”, que já utiliza a moto de forma “profissional” nas cidades para prestar serviços de entregas. Esse tipo de atividade, sob pressão, leva as pessoas a trabalhar com motos em más condições, fazendo loucuras, passando o sinal vermelho, entrando em contramão, em cima de calçada etc., tudo para poder ganhar uma remuneração muito baixa, sem nenhuma proteção trabalhista, sem absolutamente nada. Há exceções, é claro, mas a maioria atua dessa forma.

Então o senhor é contrário à ideia dessa modalidade de transporte em duas rodas?
A recomendação que eu faria à Uber seria a de não entrar nesse negócio aqui no Brasil. Eu acho que isso vai desgastar a imagem deles, mas a coisa já está acontecendo e parece ser irreversível, não é?…Neste caso, a Uber tem que apresentar claramente o tal programa de treinamento dos parceiros, a rigidez desse programa e a engenharia que será aplicada nessa iniciativa. Eu insisto na engenharia porque a Uber investe muito no desenho dos aplicativos, em advogados, mas um projeto como esse, que envolve vidas, precisa de muita engenharia. A iniciativa deveria contar também com a participação dos fabricantes de motocicletas, que são parte interessada e penso que as autoridades não deveriam autorizar esse serviço enquanto a regulamentação não estiver clara.

A Uber entrou nesse mercado pelos países onde não existe regulamentação. Eles começaram lá no Sudeste Asiático, e estão chegando ao Brasil pelo Nordeste, onde os mototáxis já são comuns. Os “motoqueiros” são seres humanos em cima de duas rodas, levando uma outra pessoa que não tem experiência com isso, que provavelmente está indo para o trabalho, ou levando alimentos para casa. Então, tem que ter um pouco de responsabilidade nisso. As regras têm que ficar claras e tem que ter muita regra. Isso deveria valer para todos os modos de transporte: carros, motos, incluindo as bicicletas. Aliás, as bicicletas são ótimas para a cidade. Mas os ciclistas, especialmente os ciclistas que fazem entregas, também precisam ser educados para o trânsito. E isso é urgente.

Fernando Portella e sua companheira de viagens. Arquivo Pessoal

Fonte: Mobilize Brasil