Além dos laboratórios: protagonismo universitário marcou ano de pandemia

A Universidade mostrou que tem papel fundamental na sociedade, não só na linha de frente de combate à doença, mas também no apoio a pessoas afetadas pelos problemas decorrentes da pandemia

Num ano em que a Universidade trabalhou para conter o avanço do novo coronavírus, com a mobilização de cientistas e laboratórios, na construção de respiradores, criação de testes de detecção do vírus e equipamentos de segurança, além de estudos sobre tratamentos, simulações e impactos na sociedade, outros tipos de ações envolveram a comunidade universitária no auxílio à sociedade.  A Universidade mostrou que tem papel fundamental não só na linha de frente de combate à doença, mas também no apoio a pessoas afetadas por problemas decorrentes da quarentena, do isolamento social e da crise financeira que resultou dessa situação.

São inúmeros projetos e iniciativas em que estudantes, professores e funcionários foram protagonistas neste enfrentamento à pandemia e que incluíram ajuda direta à populações vulneráveis, consultorias e material informativo para auxiliar micro e pequenos empresários, recursos educativos para contribuir com professores e alunos, além de alternativas para os próprios integrantes da comunidade USP passarem pelo momento de isolamento social. Confira algumas ações que se destacaram nessa nova configuração mundial.

A atenção a quem mais precisa

“Eu estava bem na faculdade, a Poli [Escola Politécnica da USP] me deu um bom suporte, me ajudou bastante para que eu continuasse estudando durante a quarentena, mas saber que pessoas próximas a mim não estavam conseguindo estudar me tirava o sono, e eu precisava criar alguma coisa”, disse o estudante de Engenharia Ambiental Diego Peres, que mobilizou 40 voluntários, vindos de diferentes cursos da Universidade, para disponibilizar aulas e plantões de dúvida a crianças de periferia. Morador de Capão Redondo, bairro no extremo sul da cidade de São Paulo, ele criou o projeto Da Periferia Para o Mundo e tem como objetivo fazer a diferença na vida das crianças e adolescentes alcançados pelo projeto.

Com foco também na periferia e sabendo que as projeções de desemprego e falta de renda iriam atingir muito mais a população preta dessas regiões, os alunos da Faculdade de Medicina da USP Larissa Alexandre e Rafael Marques criaram ações para diminuir os efeitos da covid-19 nas comunidades com campanhas de arrecadação financeira, vídeos educativos sobre higiene e também com a criação de um totem com álcool em gel para estabelecimentos comerciais. Eles fundaram o projeto Preta.ID que, entre várias ações, atuou na comunidade São Remo, que fica ao lado do campus Cidade Universitária da USP, em São Paulo, com parcerias que viabilizaram 4,5 toneladas de alimentos para 300 famílias. “Como estudantes negros periféricos, estamos dos dois lados da ponte, e isso nos oferece um leque muito maior de perspectivas para propormos soluções sustentáveis e realmente eficazes”, destacou Larissa.

Em outra frente, para ampliar o acesso à justiça de grupos vulneráveis, um grupo de estudantes e professores, da Faculdade de Direito (FD) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), criou o primeiro Laboratório de Design Jurídico do país, que atualmente trabalha a temática da violência contra mulheres negras buscando simplificar o acesso à justiça. Eles partem de pesquisas com as vítimas e outros atores envolvidos, como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) da Prefeitura de São Paulo e a Delegacia da Mulher.

O protagonismo universitário também uniu estudantes que integram a Enactus, uma organização internacional sem fins lucrativos dedicada a inspirar os alunos a melhorar o mundo através da ação empreendedora. São sete grupos na Universidade que trabalham em mais de 20 projetos que buscam impactar comunidades onde estão instalados campi da USP. As ações são amplas, vão desde aulas de culinária a deficientes visuais até ação que oferece melhores condições de moradia às pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Em uma dessas ações, na campanha “Entre Isolamento, Laços”, estudantes da Faculdade de Direito arrecadaram kits de higiene para reeducandas da Penitenciária Feminina da Capital, no bairro de Santana, zona norte de São Paulo, pois, com a pandemia e a proibição de visitas familiares, deixaram de receber suprimentos básicos como absorventes, sabonetes, shampoo e pasta de dente.

Falta de acesso a itens básicos de higiene e alimentação, ausência de equipamentos para se comunicar e estudar, as grandes filas de pacientes aguardando atendimento e comunidades afastadas que necessitam de informações confiáveis. Situações como essas foram motores de engajamento de diversas iniciativas de voluntariado nos campi da USP. A maioria delas se concentra em levar o conhecimento adquirido para fora dos muros da Universidade, aliando o desejo de ajudar à oportunidade de praticar o que aprendem em sala de aula.

No início da pandemia, em abril, grupos da comunidade universitária desenvolveram ações de voluntariado para produção e distribuição de protetores faciais para profissionais da saúde, como na iniciativa chamada E-Group, com estudantes da Escola Politécnica. Também, um grupo de docentes da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) arrecadou computadores usados para alunos que não conseguiam acompanhar as aulas a distância sem equipamentos. E houve ainda arrecadação de alimentos para comunidades vulneráveis, como no Projeto Criança Feliz que distribuiu cestas básicas na região de Lorena. Na capital, doação de kits de higiene e produção de máscaras faciais para comunidade no Butantã. Outras ações ao longo do ano podem ser conferidas, neste link.

Soluções que nascem do empreendedorismo

Para superar a crise ocasionada pela pandemia da covid-19, muitos micro e pequenos empreendedores contaram com a ajuda das empresas juniores da USP, organizações que atuam com respaldo da Universidade e do corpo docente, com foco em educação empreendedora. A empresa júnior do curso de Marketing da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH), por exemplo, participou do projeto Transforme SP para prestar consultoria gratuita e orientou empresas sobre inteligência de mercado, estratégias de posicionamento e construção de marca.

Pensando em como garantir o deslocamento seguro de milhões de pessoas, a empresa júnior da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FauuspJr), em parceria com a empresa júnior de engenharia da Universidade Mackenzie (Ejem), criou o projeto oniPlus, um ônibus adaptado para evitar a propagação de doenças que ganhou o Desafio Inovação Aberta Covid-19 organizado pela Brasil Júnior, a confederação das empresas juniores do Brasil. Outra entiadde estudantil, a A FEA Social, formada por estudantes da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), criou o portal Social em Ação, para divulgar Organizações Não Governamentais (ONGs) que atuam no combate à pandemia e promover o encontro entre que precisa de ajuda e quem quer ajudar.

Para o mercado de eventos seguir promovendo suas atividades, a startup de estudantes da USP em São Carlos chamada Kosmos criou uma plataforma que possibilita ambientes personalizados em 3D capazes de simular virtualmente um evento, como se ele estivesse sendo realizado de forma presencial. Cenários com estandes para exposições e auditórios para a exibição de palestras e apresentações gravadas ou ao vivo são alguns exemplos do que pode ser projetado. Através de um tour virtual em 360º, a ideia é que os convidados tenham uma experiência sensorial, com total imersão ao evento, mesmo a distância.

Em busca de soluções para a crise, a USP também promoveu uma maratona tecnológica em que os participantes desenvolveram modelos de negócios, produtos, serviços e tecnologias para bares e restaurantes, considerando os novos cenários da pandemia. O evento, chamado SancaThon, fomenta a cultura empreendedora e desperta o desejo dos participantes de desenvolverem projetos inovadores através de uma proposta direcionada, oferecendo mentores e treinamentos para auxiliá-los na elaboração de protótipos e modelos de negócios viáveis.

A realização do Desafio USP Covid-19, um ideathon (maratona de ideias criativas e inovadoras) também buscou soluções de combate a problemas reais e urgentes que passaram por etapas do processo empreendedor, contando com mentorias especializadas da Universidade. Organizado pelo Núcleo de Empreendedorismo da USP (NEU) junto a entidades parceiras, o evento teve como foco a identificação de necessidades importantes no contexto de pandemia, que tivessem a inovação como destaque.

Agricultores familiares da região de Ribeirão Preto puderam contar com orientação jurídica realizado pelo Programa de Apoio ao Endividado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP). A iniciativa usa as redes sociais e o WhatsApp, que é o meio mais usado na comunicação desses agricultores, para divulgar direitos e informar sobre procedimentos para acesso a financiamentos do governo federal.

Iniciativas pela educação

Vários projetos de extensão que envolvem ações culturais e científicas  se adaptaram ao formato virtual para ajudar estudantes do ensino básico e o público geral a ter conteúdo de qualidade com acesso fácil pela internet. Promovidos por professores e estudantes de graduação e pós-graduação, esses projetos procuram levar conhecimentos atuais gerados na Universidade, inovando em forma, linguagem e conteúdo em disciplinas escolares como Química, Física, Genética, Astronomia, além de conhecimentos sobre geopolítica, biodiversidade e outras questões da atualidade. O Jornal da USP selecionou 8 desses projetos que se destacaram no ambiente virtual.

Para lidar com as fake news e o negacionismo científico, os grupos de divulgação científica União Pró-Vacina e Vidya Academics, de Ribeirão preto, trabalham com diversos materiais educativos em redes sociais. Um dos materiais em destaque explica como funciona a “anatomia” da informação falsa, alertando para detalhes na mensagem que indicam se o conteúdo recebido se enquadra à estrutura que as informações falsas costumam ter. Em outra produção, mostram como conversar com negacionistas, os principais comportamentos e estratégias que podem ser adotados e ainda dá dicas de como rebater argumentos mais frequentes.

Iniciativas também buscam orientar a população de áreas rurais com ações educativas e materiais virtuais promovidos pela Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA), em Pirassununga. A ação inclui infográficos, mensagens de voz, vídeos em Libras (Língua Brasileira de Sinais) e cartazes que orientam sobre um conjunto de condutas, procedimentos, ações e atividades para mitigar o risco de contágio da covid-19, nas suas rotinas de trabalho e na vida dos produtores e produtoras rurais, tanto dentro como fora de suas propriedades.

Outras ações ofereceram atividades on-line para o ensino de ciências, dirigidos a professores e estudantes do ensino básico, como o projeto Cecília, que ensina conceitos de astronomia, geofísica e meteorologia em experimentos que podem ser feitos em casa;  cursos on-line como Noções sobre Oceanografia, sobre os principais conceitos das Ciências do Mar; o Disque Robótica, que oferece palestras virtuais para escolas sobre as carreiras de ciências exatas aplicadas, robótica e o processo do exame vestibular;  o blog InForme-se consCiência que oferece materiais didáticos e plantão on-line via e-mail para professores e estudantes de escolas de educação básica; além de eventos que buscam despertar interesse de meninas pela ciência como no evento Ciência por Elas, Vai ter Menina na Ciência e projeto Astrominas.

O aumento do número de denúncias de violência doméstica em comunidades indígenas da região de São Gabriel da Cacheira, no Estado do Amazonas, no período de isolamento em função da pandemia do novo coronavírus motivou a produção de uma cartilha para informar e reforçar as redes de apoio às mulheres. Com o nome Violência doméstica e violência sexual em tempos de pandemia. Redes de apoio e denúncias: você não está sozinha, o material do projeto coordenado por José Miguel Nieto Olivar, da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP, foi pensada a partir da realidade do Rio Negro, em diálogo com mulheres indígenas locais, e apresenta de forma simples orientações sobre o que ocorre quando uma mulher, uma criança ou um adolescente informam uma violência sofrida e como podem ser apoiados nesse processo de denúncia.

Em outra iniciativa, uma cartilha ajuda crianças e adolescentes a buscarem ajuda em caso de violência doméstica e institucional. Produzida pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP), apresenta linguagem simples e ilustrações que indicam onde e como procurar ajuda.

Fonte: Jornal da USP