Compliance e Relacionamento no Trabalho

Por Marcelo Borowski Gomes*

Descrição do caso

Daniel é administrativo de obra em uma construtora de médio porte, seu relacionamento com Igor, o engenheiro da obra, não está bom. Várias vezes, Igor pediu que Daniel alterasse as apropriações de  solicitações de compra de materiais e serviços, colocando-as em atividades diferentes das que realmente ocorreram. Daniel não concorda com essas atitudes, Igor gritou com ele e ameaçou demiti-lo caso não fizesse o que ele estava mandando.

Um dia, Daniel acabou desabafando com o técnico de segurança, que contou ao coordenador de obras da empresa. O coordenador de obras confrontou Igor, perguntou por que ele estava fazendo isso. Igor respondeu que ele simplesmente fazia alguns ajustes, para que nenhum um item da planilha de custo estourasse o valor orçado, principalmente, no começo da obra, ele não queira preocupar o pessoal do escritório e que até o final da obra ele iria deixar tudo certo.

O coordenador não gostou muito da atitude de Igor, mas achou que não havia nada de muito errado e não deu prosseguimento ao assunto.

O clima na obra piorou depois disso, Igor passou a tratar mal toda a equipe de obra, que trabalha agora de má vontade.

Discussão do caso

1. Como os colaboradores (administrativo e coordenador de obra) devem se comportar nessas situações?

Daniel, o administrativo, tomou a iniciativa correta ao, primeiramente, não concordar em apropriar as compras de forma errada propositalmente e depois ao escalar o tema ao coordenador da obra. Já este agiu, no mínimo, de forma omissa visto que o procedimento é errado. O comportamento de ambos e também o de Igor, o engenheiro, deveria ser o de fazer o certo, ou seja, corrigir as apropriações de forma correta, tanto a partir do momento em que o erro foi descoberto quanto corrigir as apropriações erradas do passado.

2. Existe conflito de interesse nesse caso?

Para afirmar que há conflito de interesses tanto de Igor, o engenheiro, quanto do coordenador que se omitiu ao ser informado do erro,  seria necessária uma investigação do caso para levantar se há alguma relação entre os erros nas apropriações e a rede de relacionamentos tanto de um quanto do outro.

3. Essas ações do engenheiro de obra poderiam estar escondendo algo mais grave?

Sim. Pode. A apropriação dos custos de forma errada propositalmente pode esconder desde o desejo de não deixar claro um simples erro de planejamento, mas também um acerto ilícito com fornecedores que não deveriam estar prestando serviço para determinada parte da obra em questão. A omissão do coordenador também poderia levantar suspeita de um eventual acerto entre os dois. Para esclarecer o ponto, como respondido na questão 2, há que se investigar.

4. O que a empresa deveria ter feito nessa situação?

A melhor prática de mercado, para empresas que dispõe de Sistemas de Compliance, é a utilização de Canal de Denúncia terceirizado que propicie ao colaborador fazer a denúncia de forma anônima, onde casos como este podem ser denunciados e depois investigados sem dar a chance para criar uma degradação no clima e no relacionamento entre os colaboradores. Além da vantagem de que o tema será tratado de forma profissional e assertiva pelo Comitê de Ética estabelecido e treinado para análises como esta.

5. Mesmo que o engenheiro da obra não tenha cometido nenhuma ação ilícita, há evidências claras de que ele cometeu assédio moral, essa situação também não deveria ter sido tratada?

Sistemas de Compliance bem implantados tratam também de casos de assédio. Tanto moral, como este descrito no caso da construtora, quanto sexual. A tratativa é semelhante e passa pela denúncia por meio de canal profissional, investigação (neste caso normalmente feita pelo próprio RH) e então discussão do caso em comitê preparado para este tipo de análise, seguido de medida disciplinar adequada.

6. O que a empresa pode fazer para restaurar a harmonia na obra depois do ocorrido?

Primeiramente a empresa precisa tomar ciência do que está acontecendo e em seguida agir firmemente para corrigir os erros operacionais e comportamentais. Para tanto são utilizados, corporativamente, instrumentos de feedback coletivos e individuais de RH como pesquisa de clima organizacional e/ou avaliações individuais de performance onde temas como estes acabam aparecendo.

7. O que a empresa pode fazer para evitar situações como essa?

Um sistema de compliance efetivo é a melhor solução para evitar situações como esta. Ao implantá-lo, a empresa irá atuar na prevenção, detecção e correção se valendo de várias ferramentas, tais como análise riscos de compliance, desenho de seu código de condutas e políticas, treinamento, comunicação adequada, canal de denúncia, investigação e comitê de ética com controles internos.

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Marcelo Borowski Gomes*

Engenheiro eletricista formado pelo CEFET-PR, com pós-graduação em Administração de Empresas pelo ISAE-FGV e especialista em Business Administration pela Babson College.

Com seis anos de experiência como docente e mais de 25 anos como Executivo Sênior de Empresas Multinacionais e Nacionais no Brasil e na Europa, liderou, nos últimos dez anos, a implementação e o gerenciamento de sistemas de Governança e de Integridade Corporativa, incluindo gestão de riscos e de controle interno para mitigação de riscos empresariais estratégicos, financeiros, operacionais e de Compliance.

Lecionou por cinco anos no CEFET-PR. Atualmente, ministra aulas de Compliance para a formação de Executivos: é professor convidado na FGV e  FIA Business School, Conferencista Internacional na Universidad San Francisco de Quito e panelista no MBA da FDC – Fundação Dom Cabral em parceria com a Management School da University of Toronto.

É sócio no Grupo Compliance Total / Contato Seguro – Canal de Ética. Foi Diretor Geral de Profit & Loss na Siemens, onde trabalhou por mais de 20 anos, entre América Latina e Alemanha. Liderou, a partir de 2010, a consolidação dos Sistemas de Integridade nas suas Divisões de Negócios.

*Os artigos publicados com assinatura, não traduzem necessariamente a opinião do Instituto de Engenharia. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo