Formação em engenharia é a que tem maior incidência entre os CEOs mais bem avaliados

Para especialistas, perfil analítico e capacidade de tomar decisões leva engenheiros a altos cargos de chefia

Estanislau Bassols, formado em engenharia, é diretor-executivo da SKY Brasil (Karime Xavier/Folhapress/Folhapress)

Engenharia é a formação de maior incidência entre CEOs que figuram nos rankings dos melhores do Brasil e do mundo.

Na lista dos 100 melhores da Harvard Business Review, espécie de bíblia da gestão, 34 eram engenheiros de formação em 2018 —inclusive o presidente da Amazon, Jeff Bezos, primeiro no ranking e homem mais rico do mundo.

No ano seguinte, Bezos foi desbancado por outro engenheiro, o taiwanês Jensen Huang, um dos fundadores da Nvidia, empresa de chips e placas gráficas que fornece para gigantes como Tesla, Volkswagen e Uber.

Figuram na lista também os engenheiros Satya Nadella (9º), da Microsoft, e Tim Cook (62º), da Apple.

No Brasil, o prêmio Executivo de Valor, do jornal Valor Econômico, tem como base uma lista feita por 16 empresas de seleção de executivos ligadas à Aesc, uma associação internacional que reúne as companhias do setor.

Na edição mais recente, celebrada em agosto, dos 23 gestores premiados, 11 possuem formação na área de engenharia, ante 7 em administração, 3 em economia e 2 em outras áreas.

Segundo a especialista em recursos humanos Renata Honda, que atua com processos seletivos no CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), esse destaque se deve ao perfil estratégico e analítico típico da formação. “O engenheiro é marcado pela habilidade técnica, pelo raciocínio lógico e pela objetividade. Isso facilita na produtividade e na entrega de resultados”, afirma.

Para Liedi Bernucci, diretora da Poli-USP (Escola Politécnica da Universidade de São Paulo), a base matemática fomenta o desenvolvimento da lógica. “Mesmo que o engenheiro não use aquelas ferramentas diretamente, ele já tem um olhar para analisar os problemas. O importante é a estrutura do raciocínio.”

Ela afirma que, além do conhecimento técnico, as disciplinas trabalham com prazos, análise de dados e atividades em grupo, que permitem que os estudantes sejam capazes de hierarquizar prioridades e desenvolvam talentos característicos de posições de liderança.

Estanislau Bassols, 45, CEO da Sky Brasil, ingressou na engenharia elétrica da Poli-USP em 1993. “É um curso extremamente amplo em termos de opções de campo de trabalho. Eu vinha de família de classe média baixa e mudar nosso padrão de renda era um objetivo de curto prazo”, conta.

Embora trabalhar na área de engenharia não fosse prioridade para Bassols, ele chegou a tentar a profissão na Siemens, onde ficou até 1999. Dentro da empresa, ele se viu migrando naturalmente para setores estratégicos, mais próximos das áreas de negócios.

Pouco tempo depois, Bassols foi chamado para a Telefonica e, em 2019, ingressou na Sky Brasil, já ocupando o cargo de presidente em que está hoje.

Denise Santos, 52, presidente da Beneficência Portuguesa, é formada em engenharia elétrica pela FEI e também teve passagem pela Siemens no início da carreira.

“Passei por diferentes áreas, como logística, desenvolvimento de projetos, comercial e vendas, marketing, gestão de unidades de negócios”, conta. Para ela, a habilidade de aproveitar oportunidades, paixão por conhecimento e busca por novos aprendizados, marcantes em sua formação, são características essenciais para a liderança.

Para Honda, do CIEE, trajetórias como as deles são comuns para engenheiros. “O perfil do estudante de engenharia cabe em vagas que vão desde a engenharia em si até áreas administrativas, financeiras e comerciais”, diz.

O perfil analítico, segundo ela, faz com que formados na área sejam capazes de tomar decisões de forma objetiva. “No mundo de negócios, isso gera decisões mais rápidas.”

A formação, porém, ainda enfrenta deficiências. Liedi Bernucci, diretora da Poli-USP, reconhece que os métodos de ensino precisam ser modernizados e que valores como inovação e empreendedorismo devem ser aprofundados na formação curricular.

De olho em preencher o espaço entre o ensino e a carreira, surgem iniciativas como a Amigos da Poli, um fundo patrimonial fundado em 2011 que acumula doações de ex-alunos em um valor de cerca de R$ 33 milhões para reinvestir na Escola Politécnica.

Dentre as propostas do fundo estão programas voltados para desenvolvimento de carreiras, realizados em parcerias com empresas que oferecem cursos de aperfeiçoamento de habilidades que vão desde análise de dados até competências comportamentais.

Para Juliana Lisboa, uma das diretoras do fundo, é uma vantagem a engenharia ser um curso amplo. “Isso acaba atraindo pessoas dinâmicas, dispostas a se reinventar na carreira. Vemos muito engenheiros com facilidade de fazer transições profissionais.”

A formação universitária, porém, não garante por si só os cargos de liderança —nem atuação em outras áreas.

Na hora de buscar estágios fora da engenharia, estudantes recorrem a cursos extras e estudos independentes para se preparar para as exigências que vão além da base.

Anthony Maalouf, 27, ex-aluno da Poli-USP, entrou na graduação com o sonho de atuar como engenheiro, mas aberto à possibilidade de trilhar outros rumos. “Justamente por ter muita gente de sucesso que fez engenharia e foi para outras áreas, sabia que a escolha abriria portas caso mudasse de ideia e não quisesse mais ser engenheiro”, conta.

Depois de realizar uma iniciação científica e um intercâmbio, Anthony decidiu abrir o leque e tentar estágios nas áreas de consultoria e de finanças, o que exigiu que ele conciliasse a carga da grade curricular com estudos extras.

Para ele, que hoje trabalha no Itaú, esses conhecimentos caminham lado a lado com as bases que a faculdade de engenharia ofereceu em programação, “machine learning” e matemática.

O percurso, porém, não é fácil. Pesquisas da CNI (Confederação Nacional da Indústria) apontam que a evasão dos cursos de engenharia ultrapassa os 50%.

Bernucci afirma que, na Poli-USP, a evasão se concentra nos dois primeiros anos e acredita que isso se deve à longa duração do curso e ao alto grau de exigência —que, muitas vezes, impede os estudantes de trabalhar enquanto estudam.

“A escola passa muito trabalho para os alunos, mas eles criam uma casca de resistência, que os prepara para o mundo mais agressivo do mercado de trabalho e que é necessária em posições de liderança”, diz.

Bassols e Santos, diretores da Sky e da Beneficência Portuguesa, respectivamente, apostaram em MBAs nas áreas de negócios.

A formação conceitual não é o único desafio dos engenheiros. Tidos como profissionais de perfil introspectivo, precisam apostar no desenvolvimento de soft skills para ocupar cargos de liderança. Os diretores entrevistados pela reportagem afirmam que o ponto mais importante é saber lidar com pessoas.

“O engenheiro às vezes não lida tão bem com o ser humano”, diz Bernucci, diretora da Poli. Segundo ela, entretanto, o ambiente universitário já começa a tentar desenvolver habilidades interpessoais. “Hoje temos até um grupo de acolhimento na universidade. Os alunos têm mais liberdade para trazer questões e dúvidas. Minha geração não as expunha tanto.”

Por Bárbara Blum
Fonte Folha de S.Paulo