Discurso Eminente Engenheiro do Ano 2020 – Carlos Nobre

Pesquisador e cientista Carlos Nobre

Boa noite a todas e a todos.

Engenheiro Lafraia, presidente do Instituto de Engenharia, engenheiro Vahan, meu amigo de muitos anos e magnífico reitor da USP, é uma honra enorme que eu sinto por ter sido agraciado com esse prêmio de Eminente Engenheiro do Ano de 2020.

Em primeiro lugar, quero de fato agradecer à minha família, porque eu não teria condição de ter desenvolvido a minha carreira profissional se não fosse com o apoio muito expressivo da minha esposa, Ana Amélia, que teve uma enorme paciência de conviver com um profissional, pesquisador que passou grande parte de muitas décadas fazendo pesquisa na Amazônia. Então, Ana Amélia, meu amor total a você.

Queria aproveitar a oportunidade, fiquei muito emocionado com as mensagens do Lafraia, do engenheiro Vahan, e também com as mensagens que ouvi, porque, de fato, até o senhor presidente do Instituto me ligar e falar que eu tinha sido selecionado para ser agraciado, aquilo jamais passou pela minha cabeça. Porque, de fato, a minha carreira não foi aquela carreira centrada em engenharia, em quase toda minha vida.

Quero contar um pouquinho da minha vida.

Quando eu estudava, naquela época se chamava ensino científico, eu estudava em uma escola pública ali no bairro que chamava Previdência, perto do Butantã. Era uma escola pública, não muito boa, mas eu era aluno muito bom em matemática e física.

E se você se lembra, naquela época, se você era um bom aluno de matemática e física você era empurrado para fazer um vestibular de engenharia.

Não tinha essas discussões como têm hoje, os alunos têm inúmeras opções, e eu queria fazer Engenharia. Fiz o vestibular, ainda não muito bem preparado e passei na Física da USP, mas na minha cabeça queria ser engenheiro.

Um dia, estava saindo lá da Física na USP, de noite, e tinha um olheiro do cursinho Anglo-Latino que estava oferecendo o cursinho de graça para os alunos da Física. E foi o que eu pensei: ‘bom, eu quero fazer Engenharia’ e fui fazer o cursinho. Passei no vestibular na Escola Politécnica e no ITA.

Naquela época, eu era apaixonado mais por futebol do que por estudar. Naquela época eu visitei o ITA e vi que a 300 metros do alojamento dos alunos do ITA tinha um campo de futebol maravilhoso, gramado, e aqui eu teria que estudar na USP e eu morava muito longe da USP. Tinha que pegar ônibus, então eu falei: ‘vou estudar no ITA, vou é jogar futebol!’ E não me arrependo da minha escolha, gostei muito de ter estudado. Mas aí, como já foi mencionado aqui, fiquei procurando emprego na Amazônia, porque em 1971 e 1972, isso foi um dos benefícios de estudar no ITA. Naquela época, o ITA tinha um programa de fazer os engenheiros, nós, os estudantes, de conhecer o Brasil, porque o diretor do Centro Técnico da área Espacial, ele estava muito preocupado, pois a maioria dos alunos do ITA ficava no Sudeste. Ele falou, vocês têm que conhecer o Brasil (ele era Paraense).

Em 1971, eu fui até Macapá passando por Belém, em 1972 fui até Cruzeiro do Sul no Acre passando por Cuiabá, Porto Velho, Rio Branco. Eram viagens nas férias dos alunos, de três semanas, e a gente parava, os aviões eram DC3, não voavam muito, e eu me apaixonei pela Amazônia. Aquilo abriu os meus olhos e eu falei:  ‘é aqui que eu quero trabalhar’.

E em 71 e 72, a Amazônia não estava praticamente perturbada, e eu falei: ‘não, é aqui’. Em 75 eu fiquei procurando até que apareceu a oportunidade de trabalhar em Manaus. O diretor do INPA era o grande geneticista da USP, professor Warwick Kerr. Em 75 estava em uma fase fantástica, naquele ano o INPA contratou 45 doutores de fora, fizeram uma construção de uma capacidade científica. E o doutor Kerr tinha essa visão. Ele me levou para conhecer esse laboratório aqui do INPA para industrializar madeira, esse outro laboratório aqui para descobrir fármacos, e eu fiquei impressionado. Lógico, eu trabalhei ali como engenheiro, mas na minha cabeça eu tinha o espírito de cientista, queria estudar, e eu estava apaixonado pela floresta. Junto com um professor da USP/Esalq, fomos os primeiros a medir a temperatura do Rio Negro até 130 metros, fiquei apaixonado de entender a Amazônia, as florestas, os rios.

Então tive a oportunidade de fazer o doutorado no MIT. Depois voltei e, minha carreira inteira, até alguns anos atrás, era como cientista da área climática, da área ambiental, mas relacionado com clima e isso é muito mais próximo da física. Então, sempre ficava na minha cabeça porque eu não fiz a física, poxa, ganhei dois anos da física porque a base do que eu estudei no MIT é a física, e sempre aquilo estava na minha cabeça. Mas hoje eu tenho certeza de que fiz certo de fazer Engenharia porque quando eu entrei no ITA, em 1970, eu e o reitor Vahan entramos no mesmo ano, temos quase 46 anos de formados, a EMBRAER tinha sido fundada em 1969 e começou a funcionar em 70 e eu pude ver com meus colegas, alunos e professores do ITA, a EMBRAER ser fundada pelo ITA, então eu pude ver o que uma boa escola de Engenharia faz para você ter uma mudança econômica.

Começou a construir e hoje é a terceira maior empresa de aviação do mundo. Então eu comecei a ver o que a Engenharia fazia mesmo que tivesse uma visão muito clara, uma vivência.. aí depois eu tive essa oportunidade de estudar no MIT, mesmo que estivesse fazendo doutorado em meteorologia, eu estava ali no meio de um ambiente fantástico de inovação.

Me lembro de uma professora que orientou uma brasileira de mestrado que tinha, em 1979, 1980, descoberto uma enzima que depois se tornou a principal enzima da conversão da celulose em açúcar e etanol. Então, aquela pesquisa básica que modifica e melhora o mundo… isso tudo eu vi, ainda que estivesse ali me tornando uma pessoa para estudar a atmosfera, oceanos, eu também gostava muito de oceanografia.

Então, isso é um pouco da minha história, como a minha carreira foi muito em clima, de mudanças climáticas, desastres naturais, interações floresta-atmosfera, eu imaginava: será que eu deveria mesmo ter feito Engenharia? Mas hoje eu concluo que a Engenharia foi a melhor formação para mim.

Durante minha carreira toda eu estudei a Amazônia e como eu falei, em 1971 e 1972, eu vi a Amazônia não perturbada. E durante toda a minha carreira, eu ia praticamente todo ano, passava meses fazendo campo de pesquisa na Amazônia e o que esse modelo equivocado de desenvolvimento na Amazônia fez com a Amazônia. Eu vi os desmatamentos, eu fazia pesquisas em áreas desmatadas o experimento científico LBA que o reitor Vahan mencionou, ficamos mais de dez anos estudando tudo e eu vi tudo isso acontecendo com os meus olhos e cada vez mais preocupado.

E em 1990 eu fiz um estudo com colegas da Universidade de Maryland e lancei a hipótese de que se nós continuássemos a destruir as florestas, ela iria virar uma savana degradada. Lançamos um artigo na revista Science e em outra revista e aquilo parecia uma projeção distante, futura, teórica, mas diante de tudo que eu participei e estudei dos experimentos científicos, eu estava vendo aquela realidade se tornar cada vez mais uma realidade.

Hoje, a Amazônia está muito próxima de uma savanização. Estamos vendo o sul da Amazônia mais quente, mais seco, estações cerca de três semanas mais longas, estamos perdendo a capacidade de tirar gás carbônico da atmosfera, perdendo a capacidade de reciclar água e nisso estamos falando de mais de 2 milhões de km quadrados. Ela está na iminência, na beira do precipício.

E quando eu estava saindo da CAPS, em 2016, eu tomei uma decisão. Falei: ‘a vida inteira eu estudei a Amazônia e há décadas só anunciando o risco e nunca apresentei nada de solução. E tomei a iniciativa de falar, não agora, mas eu visto o meu chapéu de engenheiro e eu vou buscar soluções porque senão eu acho que eu seria uma pessoa que poderia até fazer tratamento psicológico, psicanalítico, psiquiátrico o resto da minha vida na frustração de ter estudado a Amazônia a minha vida inteira e ter que ficar vendo a destruição da Amazônia.

Então eu bolei e conversei com muitos colegas e com muita ajuda esse projeto que é chamado Amazônia 4.0, que é como trazer essas modernas tecnologias, como capacitar as populações amazônicas, rurais, urbanas, alunos universitários para que nós possamos levar essas modernas tecnologias, gerar industrialização na Amazônia, aproveitar o maior potencial que o Brasil tem. O Brasil tem a maior biodiversidade do planeta e nós nunca olhamos essa biodiversidade do planeta. Os produtos da biodiversidade brasileira não correspondem nem 0,3% do PIB do País. Nós falhamos, trouxemos a influência dos colonizadores europeus e nunca de fato enxergamos/gostamos de muitos produtos da nossa biodiversidade brasileira, mas é um valor econômico muito pequeno.

No século 21, cada vez mais, nós valorizamos a biodiversidade, todo o tipo de diversidade, social, econômica, ambiental, e também da biodiversidade. Então, esse também é um grande potencial que temos, um dos países mais biodiversos do mundo, Mata Atlântica superbiodiversa, serrado muito biodiverso, caatinga, então qual é o caminho, não o único de industrialização no Brasil, mas único no sentido de que não existe país tropical superdesenvolvido e todos nós da Engenharia sabemos disso desde crianças, que país desenvolvido é país industrializado.

Não adianta querer aceitar passivamente essa diferença de que vamos ter 20, 25 países industrializados no mundo e 150 países fornecedores de matérias-primas. Nós temos que nos reindustrializar. Quando eu me formei, Vahan se formou, o Brasil estava em uma época crescente de industrialização, como o Lafraia mencionou, a gente tinha 10 ofertas de emprego e essa situação mudou muito no Brasil, porque nós fomos nos desindustrializando, então vamos inverter essa lógica em todas as indústrias.

Mas o potencial da biodiversidade eu julgo muito importante. Então, a partir de 2017 eu comecei a me dedicar, vestir o chapéu de engenheiro e essa minha experiência no ITA no MIT foi muito válida para entender que engenheiro é formado para achar soluções e o engenheiro do século 21 para achar soluções sustentáveis.

Eu fico muito satisfeito, muito honrado com esse prêmio porque mais do que premiar o indivíduo, o engenheiro, vocês estão premiando a janela de oportunidades, essa luz que ainda temos no fim desse túnel da sustentabilidade e podemos expandi-la, podemos tornar o Brasil a primeira potência ambiental da sociobiodiversidade. Esse é o grande potencial do Brasil: desenvolver a indústria da biodiversidade e exportar esse conhecimento para todo o mundo tropical e salvar as florestas tropicais de todo o mundo e, principalmente, a floresta Amazônica.

Muitíssimo obrigado, me sinto enormemente honrado com esse prêmio e com o caminho que nós, brasileiros, todos temos que buscar. E engenheiros e principalmente engenheiros jovens e engenheiras também – o Brasil é um dos países que tem maior índice de mulheres em engenharia do mundo – engenheiros e engenheiras, aceitem esse desafio vamos tornar o nosso país a primeira potência mundial da sociobiodiversidade.

Muitíssimo obrigado.

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Discurso proferido por Carlos Nobre por ocasião da outorga do título de “Eminente Engenheiro do Ano de 2020” pelo Instituto de Engenharia.

São Paulo, 29 de outubro de 2020.