Destravar investimentos produtivos é um dos principais desafios para a economia brasileira no período pós-pandemia. Considerada essencial para novos aportes, a confiança de empresários desabou nas últimas semanas com o avanço de incertezas relacionadas ao coronavírus. Diante desse cenário, economistas concordam com a leitura de que a reação tende a ser lenta no país, mas apontam caminhos distintos para a saída da crise.
Parte dos especialistas entende que a confiança poderia voltar se a agenda de reformas e controle dos gastos públicos fosse retomada no pós-pandemia. Assim, os investimentos seriam puxados por recursos privados. Essa é a visão defendida pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, mas não fica imune a questionamentos.
Para outra parcela dos especialistas, a reação depende, essencialmente, de mais investimentos públicos em infraestrutura, já que empresas amargam série de prejuízos. A confirmação de obras com dinheiro do governo federal poderia gerar empregos e, assim, espalhar estímulos por segmentos diversos. O efeito colateral seria o aumento da dívida pública, que já preocupava antes do coronavírus.
As divergências sobre o caminho a ser adotado chegaram ao governo Jair Bolsonaro, que protagoniza crise política com reflexos nos negócios. Em abril, o ministro-chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto, apresentou plano de investimentos públicos em infraestrutura, com estimativa de R$ 30 bilhões para obras até 2022.
Batizado como Pró-Brasil, o programa tinha o apoio do ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, mas esbarrou na equipe de Guedes, que não vê espaço para aumento de despesas. Por ora, a iniciativa foi congelada.
Em 2020, a dívida bruta do governo deve corresponder a 93,5% do Produto Interno Bruto (PIB), projeta o Ministério da Economia. A estimativa leva em conta cenário de tombo de 4,7% do PIB.
Com as restrições fiscais, a saída por investimentos públicos “não parece uma estratégia saudável”, avalia Fernando Gonçalves, superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco. Na visão do analista, a alta nos gastos do governo deve ficar restrita a ações para mitigar os efeitos do coronavírus durante a pandemia:
– A crise nos pegou em momento desfavorável, o endividamento do país já era elevado. A retomada tem de ser com investimento privado, com agenda de reformas.
O economista Claudio Considera diverge. O pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) ressalta que o país já vinha com dificuldades para destravar desembolsos privados antes da covid-19. Com a pandemia, a situação ficou ainda mais complicada, diz:
– Não tem como prosseguir com o mantra de falar só em reformas e ajuste fiscal. Com a perspectiva de queda forte da economia e aumento brutal do desemprego, o investimento privado não será suficiente para tirar o país do marasmo. O investimento público vai aumentar o endividamento? Vai. Mas essa é uma questão a ser discutida mais à frente.
Pessimismo
Durante a pandemia, o índice de confiança de empresários da indústria atingiu o menor patamar já registrado no país. Em escala de zero a cem, ficou em 34,7 pontos em maio, aponta a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Valores abaixo de 50 indicam pessimismo. No Estado, o quadro é semelhante. Neste mês, caiu para 32 pontos, a menor marca da série iniciada em 2010, diz a Fiergs, que representa o setor fabril.
Economista da CNI, Marcelo Azevedo avalia que a volta dos investimentos produtivos precisa ser incentivada com a agenda de reformas e competitividade prometida pelo governo. O analista, entretanto, pondera que o “rigor fiscal” adotado antes da pandemia não pode ser retomado com a mesma intensidade logo que o problema sanitário acabar:
– O equilíbrio fiscal é importante. Mas não podemos retornar imediatamente ao rigor de antes, porque os efeitos da crise podem demorar mais tempo para passar.
Professor da Escola de Negócios da PUCRS, Adalmir Marquetti integra o grupo que defende mais investimentos públicos. Para o aumento nos aportes, seria preciso rever o teto de gastos do governo, diz o economista. Aprovada no mandato de Michel Temer, a medida condiciona a elevação das despesas públicas ao comportamento da inflação.
– Em momento como este, parte das empresas luta para sobreviver. Então, deve investir o mínimo possível. Investimentos públicos podem andar lado a lado com os privados – diz o professor.
Projetos seguem mesmo com crise
Às margens da BR-386, conhecida como a Estrada da Produção, um empreendimento ganha forma em meio à pandemia de coronavírus. Trata-se do 386 Business Park, localizado em uma área de 170 mil metros quadrados que pertence ao município de Estrela, no Vale do Taquari. Em obras há cerca de dois anos, o centro de comércio e lazer pretende atrair negócios mesmo com a crise causada pela covid-19.
– Estamos tocando o projeto. A pandemia afeta a economia e as pessoas, mas a vida continua depois disso – afirma José Paulo Richter, diretor da Richter Gruppe, responsável pelo empreendimento.
Segundo o empresário, as obras de infraestrutura, envolvendo instalações elétricas e hidráulicas, por exemplo, serão entregues no início de junho. O investimento é de cerca de R$ 10 milhões.
A partir da etapa inicial, empresas que adquirirem lotes no empreendimento podem construir suas operações. Pelos cálculos de Richter, o projeto tem potencial para gerar até 500 empregos diretos e indiretos, e o investimento total pode chegar a cerca de R$ 200 milhões.
Uma das apostas é o grande fluxo de pessoas e mercadorias na BR-386 em períodos de normalidade. Estimativa da Richter Gruppe indica que cerca de 30 mil veículos trafegam pelo trecho de Estrela diariamente. A rodovia escoa a produção agropecuária do noroeste gaúcho em direção a Porto Alegre.
Pelo menos seis marcas já adquiriram lotes no 386 Business Park, incluindo rede de postos de combustíveis e operação da área gastronômica. Conforme Richter, a expectativa é de que, até o fim do ano, pelo menos uma unidade já esteja aberta ao público. Enquanto isso, seguem as tratativas em busca de novos interessados em atuar no local.
No Litoral Norte, também há uma obra que, apesar da pandemia, segue em andamento às margens de uma rodovia. É a nova fábrica da cervejaria Dado Bier, próxima à BR-101, em Três Cachoeiras. O investimento total é de R$ 105 milhões. A inauguração da primeira das quatro fases do projeto está prevista para 2021.
Outro aporte anunciado recentemente é o da Vibra, de Montenegro, no Vale do Caí. No dia 21, a empresa, que produz carne de frango, anunciou a compra de uma unidade da paranaense Somave em Soledade, no norte gaúcho. O investimento estimado é de R$ 500 milhões em cinco anos.
Benefícios e obstáculos
Investimentos são necessários para elevar a capacidade produtiva de uma economia. Ou seja, representam um dos motores do crescimento da atividade, gerando novos empregos. Podem ser, por exemplo, obras de infraestrutura, como estradas e complexos de geração de energia, ou ampliações de fábricas. Dividem-se em privados e públicos. Abaixo, confira eventuais benefícios e obstáculos apontados por especialistas.
- Investimentos privados
Podem gerar emprego e renda, sem ampliar o endividamento do poder público. No entanto, com a crise do coronavírus, a confiança de empresários teve choque no país. Assim, a reação dos aportes privados dependeria de maior otimismo em relação ao futuro da economia. Segundo analistas, o retorno da confiança poderia vir com novos avanços na agenda de reformas depois da pandemia. - Investimentos públicos
Obras de infraestrutura podem espalhar estímulos positivos por setores diversos. Por exemplo, após conseguir trabalho, um operário da construção poderia consumir mais produtos do comércio. O possível entrave é a penúria fiscal vivida pelo país, que aumentou com as ações para mitigar os impactos do coronavírus. Aportes públicos elevariam ainda mais o rombo nos cofres do governo.
Incertezas colocam em xeque investimentos no pós-pandemia
Coronavírus dificultou cenário para empresas no país
Especialistas frisam que a retomada econômica depende do comportamento da pandemia nos próximos meses. Neste momento, não há clareza sobre a duração do coronavírus no país. Enquanto o Rio Grande do Sul inicia reabertura gradual da economia, outras regiões brasileiras sofrem mais para conter o avanço da covid-19. Com as incertezas no radar, parte dos empresários tende a aguardar antes de fazer investimentos.
– O país vive três crises combinadas: a de saúde, a econômica e a política. Além disso, antes da pandemia de coronavírus, a economia já vinha em ritmo lento – define Adalmir Marquetti, professor da Escola de Negócios da PUCRS.
No primeiro trimestre, a formação bruta de capital fixo subiu 3,1% no país, em relação ao intervalo de outubro a dezembro de 2019. O indicador mede aportes feitos por empresas para ampliação da capacidade produtiva. Apesar da alta, o resultado não sinaliza, necessariamente, melhora econômica, já que foi puxado pelo setor de óleo e gás, que passou por recentes mudanças contábeis, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
– Ainda não sabemos quanto tempo a pandemia vai levar. A única certeza que temos no momento é de que o golpe na economia será forte – sublinha o economista Marcelo Azevedo, da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Antes do coronavírus, o Brasil ainda tentava afastar a herança da recessão de 2015 e 2016. Penúria fiscal e baixo crescimento já causavam preocupação à época, ao contrário do que era visto em países desenvolvidos. Por causa das peculiaridades brasileiras, economistas evitam comparar o desafio local de atrair investimentos com o de outras nações.
– Não havia um país com a mesma situação em que estávamos antes da crise. Tínhamos 12 milhões de desempregados, e a economia vinha andando de lado – aponta Claudio Considera, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).
Superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, Fernando Gonçalves ressalta que o país vive estágio diferente da covid-19 em relação a outras nações. Na Europa, por exemplo, há locais em que a curva de contaminação caiu, e a reabertura de negócios ganhou velocidade, situação oposta à registrada na maior parte do Brasil.
– Outras economias vão cometer erros e acertos na retomada daqui para frente. A partir de agora, podemos aprender um pouco com essas regiões – menciona Gonçalves.
Propostas retidas à espera de maior clareza
A chegada do coronavírus provocou nos últimos meses uma revisão em planos de investimentos de empresas. Em razão das incertezas que surgiram com a pandemia, tanto grandes companhias quanto marcas de menor porte resolveram adiar desembolsos.
Nascida no Estado, a Gerdau, ao anunciar o balanço do primeiro trimestre, confirmou que reduzirá em R$ 1 bilhão os investimentos previstos para 2020. Com isso, os aportes devem cair de R$ 2,6 bilhões para R$ 1,6 bilhão até o fim do ano. “A Gerdau revisou seu plano de investimentos, uma vez que paralisou obras em andamento, e passará a ser mais conservadora na aprovação de projetos em virtude das incertezas de mercado”, relatou a companhia.
Com fábrica em Gravataí, na Região Metropolitana, a General Motors (GM) também resolveu postergar desembolsos. Em nota, a montadora afirma que o “adiamento de investimentos” foi uma das medidas adotadas para preservar empregos no país. A companhia não detalha se a decisão impacta a unidade gaúcha.
A espera por maior clareza no cenário vai além da indústria. Criada há 21 anos em Porto Alegre, a agência We Can BR iniciava plano de expansão quando a pandemia chegou ao país. Especializada em processos de seleção para vagas de trabalho temporário, a empresa inaugurou em fevereiro sua primeira operação em São Paulo. Com o avanço da covid-19, percebeu o aumento nas incertezas e resolveu paralisar aportes previstos para a unidade paulistana e a capital gaúcha. Em Porto Alegre, a ideia era reestruturar a sede. O pacote de investimentos somava cerca de R$ 500 mil nos dois municípios.
– Optamos por ficar com o caixa reforçado neste momento de incertezas. Não sabemos até quando vai a pandemia. Pretendemos rediscutir o plano de investimentos a partir de agosto – conta o diretor-executivo da We Can BR, Flávio Nascente dos Santos.
Por Leonardo Vieceli
Fonte Gaúcha Zero Hora