Sobre a “despoluição” do Rio Pinheiros

*Por Eng. João Francisco Soares

Em 1961 o cosmonauta Yuri Gagarin foi o primeiro ser humano a ser lançado ao espaço exterior. Lá chegando e olhando o planeta Terra exclamou: “A Terra é azul”.

Essa famosa frase foi motivada pelo fato de que nosso planeta tem 75% da sua superfície coberta por água, razão pela qual muitos de seus habitantes começaram a chama-lo de Planeta Água.

Acontece que dessa imensa quantidade de água somente 2,5% é doce e 97,5% é salgada compondo os oceanos. Da água doce, 69% encontra-se em estado solido nas calotas polares e glaciares e 30% é subterrânea, restando por consequência 1%de água doce localizada nos lagos e rios do planeta.

Esses números demostram, de forma cabal e inequívoca, a importância que devemos dedicar para a preservação da quantidade e manutenção da qualidade da água de nossos rios, em especial em regiões do país submetidas à condição de escassez hídrica, caso típico da Região Metropolitana de São Paulo, a maior do Brasil e responsável pela geração de aproximadamente 20% de seu PIB.

Os limites geográficos da RMSP estão bem próximos daqueles que delimitam a Bacia Hidrográfica do Alto Tietê, sendo que o rio atravessa a cidade de leste a oeste numa extensão próxima de 30 quilômetros, a chamada Marginal Tietê e em todo esse percurso recebe uma grande quantidade de esgotos domésticos não tratados, o que eleva brutalmente seu nível de poluição, transformando-o em boa parte do ano numa verdadeira cloaca a céu aberto.

Em situação não diferente, encontram-se vários dos córregos e rios que nele desaguam, muitos deles na chamada condição de rio morto, com índice de oxigênio dissolvido igual a zero.

Um exemplo maior dessa condição deplorável pode ser observado no rio Pinheiros, o bucólico rio que no inicio do século passado era utilizado até como piscina pelos clubes e como área de lazer pelos habitantes mais próximos de suas margens, nos 25 quilômetros de extensão que atravessam a cidade de São Paulo.

São varias as razões que explicam essa degradação durante os 100 anos passados e que não serão abordadas por este artigo cujo foco maior será o futuro, ou seja, a anunciada despoluição do rio através do projeto batizado pelo atual governo como “Novo Pinheiros”.

A palavra “despoluição” do Pinheiros muito utilizada pelo Governador João Dória e vários membros de sua equipe, responsáveis pela implementação do ambicioso e complexo projeto é bastante forte e as intervenções preconizadas não mostram claramente, até o momento, um estudo técnico mais detalhado, nem o fundamental equacionamento de recursos financeiros que são condições imprescindíveis para o êxito de qualquer correto empreendimento.

Alguns dos resultados prometidos são audaciosos e vão ao limite do bom senso. Dizem respeito ao implemento de condições de navegabilidade,permitindo transporte de cargas,passageiros e até turismo, em semelhança ao mundialmente conhecido Bateau Mouche, que faz os famosos passeios pelo rio Sena em Paris.

O projeto também promete o aproveitamento, precedido por adequações e grandes melhorias, de edificações já existentes no leito do rio, a exemplo da chamada Usina Elevatória de Traição.Serão criados espaços onde estarão disponibilizados diuturnamente serviços e lazer para a população, tais como restaurantes,bares, lojas, casas de espetáculos e outras instalações. Uma vez mais é citado um caso de sucesso internacional, qual seja o complexo de Puerto Madero em Buenos Aires.

Devemos relembrar que a população com todo direito e razão de há muito vem clamando por ações governamentais que permitam ao rio Pinheiros alcançar, paulatinamente, níveis mínimos de adequação para sua água, possibilitando uma efetiva convivência e integração dos paulistanos com tudo aquilo que o rio pode oferecer.  Ninguém pode criticar iniciativas que conduzam com responsabilidade e seriedade o atingimento desses objetivos.

Mas também é de direito arguir se o anunciado projeto, afirmado como sendo para o cumprimento de uma das principais e prioritárias promessas de campanha, feitas durante o processo eleitoral que redundou na eleição do atual Governador, irá realmente ser entregue à população até o ano de 2022, como garantido.

Pairam dúvidas e controvérsias, mas quem viver verá.

Fontes: Agência Nacional de Águas – ANA/Brasil, Conselho Nacional da Água – CNA/Portugal,Wikipédia -Enciclopédia Livre Universal, Departamento de Águas e Energia Elétrica – DAEE/SP, Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP, Empresa Metropolitana de Águas e Energia – EMAE/SP, Revista Engenharia – N°641 Edição Especial julho/agosto 2019.

*João Francisco Soares é engenheiro civil formado em 1966 pela Escola de Engenharia de São Calos/USP. Em 50 anos de vida profissional atuou nas companhias públicas CESP, SABESP e CETESB. Trabalhou também para empresas de engenharia consultiva e grandes construtoras brasileiras, atuando no Brasil e em países da América Latina e África.
Atualmente é consultor para projetos e obras na área de saneamento básico.
Conselheiro do COSEMA – Conselho Superior de Meio Ambiente da FIESP.
Sócio Remido do Instituto de Engenharia onde fez parte dos Conselhos Deliberativo e Consultivo e coordenou a atual Divisão de Engenharia Sanitária e Recursos Hídricos.