O que está por detrás da mudança da embaixada brasileira para Jerusalém

Por José Eduardo Cavalcanti*

A transferência da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, uma das promessas de campanha de Jair Bolsonaro, visa atender as pretensões de grande parte da bancada evangélica do Congresso Nacional para o reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel. A cidade é considerada sagrada por judeus, cristãos e islâmicos, sendo pois reivindicada como capital também pelos palestinos.

Os evangélicos, como um todo, apoiaram a candidatura de Jair Bolsonaro à presidência da República com mais de 60% dos votos, de acordo com estimativas. O grupo constituído de 84 deputados e 7 senadores tem representação significativa no eleitorado que conduziu Bolsonaro ao Palácio do Planalto.

Se isso acontecer, o Brasil abandonaria uma posição histórica de neutralidade entre os estados árabes e Israel. Durante o governo de Michel Temer, o país apoiou, inclusive, a resolução da ONU contra a transferência da embaixada americana ocorrida em maio de 2018.

As lideranças evangélicas que defendem a transferência da embaixada brasileira até abril, mês em que se iniciam as celebrações pela fundação do Estado de Israel, alegam que a mudança é agenda prioritária sendo que a motivação é mais uma questão de fé do que geopolítica pois estaria escrito na Bíblia, segundo interpreta o deputado federal e pastor da Assembleia de Deus e Vitória em Cristo, Sóstenes Cavalcanti, que “quem abençoar Israel seria abençoado nas mesmas bênçãos.

Já a pastora Jane Silva, presidente da Comunidade Brasil-Israel, está confiante que o governo Bolsonaro reconhecerá em breve Jerusalém como capital de Israel. Considera a decisão como fundamental para que o Brasil seja “abençoado”.

Bolsonaro, por sua vez, tem argumentado que deseja “aprofundar relações” com Israel e defende que o povo israelense tem direito de definir onde fica sua Capital.

Além disso, afirmou durante a campanha que “grande parte dos evangélicos são favoráveis à mudança da Capital. Então, nós estamos atendendo um anseio de grande parte da população, não é da minha cabeça, não é algo pessoal meu”.

Diante destas promessas de Bolsonaro, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu prestigiou a posse presidencial, sendo que pela primeira vez ocorreu a vinda de um chefe de Estado israelense ao país.

Mas porque o súbito interesse por Israel por parte dos evangélicos?

Para esses cristãos, adeptos do “dispensacionalismo”, o retorno dos Judeus à Terra Santa – ou seja, o estabelecimento de Israel – é necessário para a volta de Cristo. Para a professora da Universidade do Norte do Texas, Elizabeth Oldmixon, o apoio de lideranças evangélicas a Israel decorre de sua crença de que “a promessa bíblica de Deus da Terra Santa ao povo judeu é literal e eterna”.

O dispensacionalismo é uma doutrina teológica e escatológica cristã que afirma que a segunda vinda de Jesus Cristo será um acontecimento no mundo físico, envolvendo o arrebatamento (captura) e um período de sete anos de tribulação, após o qual ocorrerá o estabelecimento do reino de Deus na Terra. Trata-se de uma interpretação literal e consistente da Bíblia dividindo a obra de Deus e Seus propósitos para a humanidade em diferentes períodos de tempo.

Segundo alguns teólogos há sete dispensações  identificadas, embora alguns teólogos acreditem que haja nove. Outros contam até mais.

A presente dispensação é conhecida como “a Era da Graça” ou “a Era da Igreja”. A dispensação anterior foi chamada de Lei ou de Israel.

De acordo com este ensinamento, quando os judeus do primeiro século rejeitaram Jesus, deu-se início a uma nova era, a “Era da igreja”, na qual os cristãos comportariam “o povo escolhido de Deus”. Essa dispensação continuará até que Deus leve os cristãos ao céu, deixando para trás os “não escolhidos”, em um tempo de confusão e caos. Isso é conhecido como “o arrebatamento”.

Os evangélicos brasileiros, tal qual os crentes norte-americanos, com esta interpretação, acreditam que a consolidação de Jerusalém como Capital de Israel tornará possível o cumprimento desta profecia que culminará com o retorno do Messias à Terra.

Esta motivação moveu o presidente Trump a se decidir pela transferência da embaixada norte-americana de Tel Aviv para Jerusalém atendendo às aspirações dos seus partidários evangélicos.

A bancada evangélica, mormente os neopentecostais que ajudaram Bolsonaro a se eleger, trilham a mesma ideologia dos evangélicos norte- americanos e os da Guatemala com a ideia da mudança da embaixada.

O problema é que esta decisão, baseada em profecias polêmicas cuja interpretação divide os próprios teólogos, sobretudo os mais jovens que distinguem o Estado de Israel e os judeus dos templos bíblicos, poderá levar a retaliações comerciais por parte de países árabes contra o Brasil (somos grandes exportadores de carne halal no mundo consumida por países mulçumanos) e ainda ficar sujeito a riscos de  ataques extremistas às embaixadas brasileiras no exterior.

Além disso, tal decisão, desnecessariamente provocativa, vai de encontro aos esforços de paz que todos os cristãos almejam.

Acorda Brasil !!!

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*JOSÉ EDUARDO W. DE A.  CAVALCANTI

É engenheiro consultor, diretor do Departamento de Engenharia da Ambiental do Brasil, diretor da Divisão de Saneamento do Deinfra – Departamento de Infraestrutura da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), conselheiro do Instituto de Engenharia, e membro da Comissão Editorial da Revista Engenharia

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