Como mitigar a necessidade em se utilizar o espaço viário em lazer urbano

Nos anos 60, tempo aindasereno aquele, em que a capitaldispunha de uma frotareduzidade veículos e havia espaço aos carrinhos de rolimã descerem disparada pelas ruas recém-asfaltadas, nas novas áreas de expansão imobiliária naformação de um novo bairro paulistano.Naquela época havia uma ocupação tímida do espaço urbano, para delírio dos moleques de então e as preocupações de suas queridas mães. 

Nem sempre no cotidiano diário era possível a todos frequentar os parques da cidade de São Paulo como o Parque do Ibirapuera, inaugurado por ocasiãodoquarto centenário. Devido à distância principalmente às pessoas da periferia, o lazer no local assim como em outros parques, acontecia principalmente em finais de semana. Naquele tempo durante a semana era possível aos jovens paulistanos em qualquer canto da cidade, jogar futebol nos inúmeros campos da várzea localizados nos terrenos baldios disponíveis, celeiro de muitos craques do passado. Na época, por bicicleta, era possível ir de um lado a outro, pelas ruas, sem a necessidade de haver uma faixa exclusiva, não havia nenhuma preocupação, quanto ao relevo acidentado da cidade (nas subidas pegava-se carona com ônibus, bondes ou caminhões) ou quanto a possíveis acidentes. Orespeito ao ciclista era coisa natural. 

A garotada ainda podia aproveitar mesmo em lugares ermos e ainda com muito verde, que floresciam ao longo dos riachos,brincar de “bola de gude” nas calçadas de terra batida, e com sorte podia-se catar goiabas e pitangas, sem que se pudesse vislumbrar, em pensamento, como seria o futuro da cidade.Éfato que naquele tempo o espaço viário ou as áreas disponíveis eram utilizados naturalmente como lazer e em sintonia e harmonia com os sistemas de transporte de bens, produtos ou pessoas, que dividiam aquele espaço público – as ruas -. 

A metrópolecrescia rapidamente.Vieram os anos 70, 80, 90 e mais de nove milhões e quinhentos mil viagens diariamente(OD 1977) já utilizavam as vias pelos sistemas de transporte coletivo na Grande São Paulo, que assim aceleroupara mais de “100 Km/h”. Os fundos de vale, onde corriam os córregos, antes disponíveisfoi gradativamente ocupado como aAvenida 23 de Maio na Zona Sul da cidade, construída,e acabaram-se aspontes de madeira que permitiama travessia de um lado a outro sobre o fio d/água existente. 

O espaço urbano foi,portanto, tomado por novas avenidas e edificaçõesna sua grande maioria verticais, ocupando assim ampla parte das áreas disponíveis da cidade. Novos empreendimentos aprovados em velocidade surpreendente alimentavam a insaciável “especulação imobiliária”, criando um crescimento desordenado da metrópole imersa no desejo em se desenvolver a qualquer custo. 

Assim as ruas sendo asfaltadas, as calçadas cobertas com mosaico português, e as casas demolidas, logo, as goiabeiras e pitangueiras deram lugar aos“arranha – céus”. Os campos de futebol foram soterrados, surgiu o Metrô, não a céu aberto, mas correndo sob a terra, e os córregos canalizados sendo alimentados pelas sarjetas, que coletavam tudo que existia disponível sobre o asfalto, de latas a pets, sacos e lixo dos mais diversos, tudo enfim, e aquela rua tranquila de outrora, ficou impermeabilizada e povoada por carros, que surgiram aos borbotões. Áreas de lazer e praças não foram criadas (sequer planejadas). 

A mobilidade ficou finalmente comprometida, passou a ser a ordem do dia, as vias enfimficaramsobrecarregadas e, apóstrês décadas (OD 2007) a grande São Paulojá apresentava quase quatorze milhões de viagens diárias pelo modo coletivo(crescimento de180%)e dividiam quase o mesmo espaçoviário (17 Mil km de vias e crescimento de apenas 20% no mesmo período).Nesta época a população da Capital de São Paulo já contava com cerca dez milhões de habitantes.Entende-seassim porque a cidade ficou descompassadacom a melhoria da qualidade de vida, pois não houve ampliações da malha viária ou ações para absorver ou suportar o aumento da demanda e necessidade dos cidadãos. 

A questão enfim é que mesmo as áreas públicas disponíveis, destas últimas décadas citadas, para parques ou praças, ou seja, áreas de lazer não suportaram o apetite especulativo, e para mitigar este fato o agente público, indutor do crescimento urbano, tem tentado atualmente criar novos espaços recreativos, em ruas e avenidas com a institucionalização de fechamento de logradouros primordiais ao tráfego de veículos de passageiros, coletivos e ambulâncias entre outros, em artérias consolidadas, com o intuito de acrescer e suprir áreas de lazer à população, como ocorreu recentemente com a Av. Paulista, espigão da cidade e onde se localiza inclusive boa parte dos hospitais da cidade. 

Não somos contra criação de áreas comunitárias em vias locais de bairros, medidas de “tráfego calmo”, ou mesmo aindaem períodos transitórios ou especiais, tratamentos em avenidas da cidade,porém perguntamos aos gestores públicos, por que não estimular, com incentivos o investidor privado imobiliário,a destinar parte da área de seus empreendimentos na criação de espaçosa fim de que famílias do bairroe cercanias usufruamde umnovo lazer? Por que não criar novas áreas comunitárias na periferia ou ainda exigir recuos nos empreendimentos aprovados e permitir a criação de ciclovias oucalçadas ampliadas, em vez de forçar a implantaçãode novas faixas em vias, hoje,bastante sobrecarregadas. 

Ações como a desativação do complexo do Carandiru, pelo Governo do Estado, que transformou parte do empreendimento em um novo espaço na zona norte da cidade, a criação do Parquedo Povo edo 

Parque Vila Lobos, implantadosoutrora pela Prefeitura,são exemplos que consolidam uma política de valorização ao lazer comunitário e valorização da qualidade de vida.
Assimconcluindo,competeàautoridade pública, municipalou estadual, criar condições efetivas (mesmo emparceria com entidades privadas, a exemplo da Operação Faria Lima) para a criação de espaçosde lazer na cidade e, se for preciso, desapropriar terrenos ou utilizando parte deles, abrindo novas áreas, pois se a entidade pública não o fizer perguntamos: Quem o fará?

Autor: Paulo Carvalho Ferragi e Roberto Bartolomeu Berkes.