A lição de uma selfie de quase 100 anos

Muito tem se falado sobre a necessidade urgente da revisão dos currículos escolares e a consequente aplicação de novas metodologias de ensino em tempos de internet e aplicativos.

Que há uma inegável ruptura e indisposição de alunos diante da forma tradicional de ensino, é mais do que evidente. Afinal convenhamos, não deve ser a toa que a Revista Forbes considera o educador Salman Khan, como um dos homens mais influentes do mundo, com 30 milhões de acessos na internet. Assistir suas aulas de matemática pela internet fascina qualquer ser humano e evidencia uma discussão que deveria muito se aprofundar sobre o papel das novas tecnologias no ensino moderno.

Contudo a questão ganha complexidade quando se raciocina, aqui no Brasil, sobre a necessidade da compreensão da relatividade das coisas, e como nem sempre o conteúdo da internet permite este aprofundamento.

A relatividade das coisas, uma área comum que intersecciona História, Matemática e até História do Pensamento Econômico, são conhecimentos fundamentais e convergentes para entender a própria humanidade.

O sentido da palavra “história” (do grego) significa “pesquisa” e “conhecimento advindo da investigação”. A História utiliza metodogia própria para entender os “tempos humanos”, investigando o passado, auxiliando a entender o presente e certamente orientando aonde irá desaguar o futuro.

Um dos exemplos mais impressionantes do entendimento desta trilogia, está cravado no início do século passado, através da brilhante previsão histórica de Keynes, num verdadeiro momento “Mãe Dinah”, prevendo naquela oportunidade a ascensão de Adolf Hitler.

John Maynard Keynes (1883/1946) economista britânico e pai da macroeconomia moderna, representou a Inglaterra na assinatura do Tratado de Versalhes, quando do encerramento da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A derrotada Alemanha que entrara na batalha com uma paridade cambial onde se comprava 1 US$ com 3 marcos alemães , saiu do conflito com uma hiperinflação onde eram necessários 1.200 marcos por dólar. Após a assinatura do Tratado de Versalhes, e diante do caos econômico que reinava na Alemanha, Keynes previu o desastre da II Grande Guerra em seu livro “As Consequências Econômicas da Paz” de 1919. Pois aos germânicos, fora imposto um tratado (falso armistício) obrigando-os ao ressarcimento dos prejuízos da guerra, com a tomada de parte de seu território, da produção de ferro e das minas de carvão. Para aquele economista, este esmagamento da Alemanha pelas exigências dos aliados, criaria as condições para o surgimento de uma força política salvacionista, tendo à frente um líder carismático.

Bingo. Os aliados não consideraram adequadamente o passado pré Guerra, muito menos aquele presente incerto que se criara em Versalhes e acabou dando Hitler na cabeça!

Cabe portanto a pergunta, a quantas anda o entendimento do brasileiro médio, sobre estas consequências históricas recentes em nosso país? E sobre a relatividade das coisas? E ainda mais : será possível que pessoas possam desenvolver, fora da sala de aulas (mesmo as qualificadas) competências pela internet para aprofundar estes entendimentos históricos aliados a aspectos econômicos e sociais?

Hoje, especialmente no Brasil, um indivíduo comum é invadido, por informações forjadas por marketeiros e outros profissionais habilidosos na transgressão da interpretação, que são aparentemente “precisas” no campo pontual da Matemática, mas obscuras e imprecisas no campo da História.

Os exemplos aí estão a nos assustar, em blogs e sites de organizações, inclusives oficiais. 

Por exemplo, olhando o quadro abaixo, muitos interpretaram que o período 2011/2013 foi um momento histórico e aspicioso da nação, certo? Errado, e muito! A tendência da curva e a herança hiperinflacionária dos anos 80 foram desconsideradas e a interpretação do quadro que poderia sugerir um perídodo ruim, entre 1995/1997, é totalmente falaciosa. 

Outros olhares no mínimo difusos, são diariamente publicados na internet. Festeja-se até hoje o pré-sal como independêcia energética a 7.000 metros de profundidade, enquando o gás xisto vai derrubando cotações do petróleo, dia após dia. Seria hoje esta alegria do recente passado brazuca, tão assustadoramente abissal quanto a profundidade em que se extrai o petróleo ?
Quando da descoberta do campo no Rio de Janeiro em 2007, o barril de petróleo estava no preço de US$ 80,00, com uma tendência da curva ao crescimento, tanto que a Petrobras imaginava que em 2012 o preço chegaria a US$ 125,00.

Como se sabe, o preço do petróleo em queda nos últimos anos, oscilou durante outubro último na casa dos mesmos US$ 80,00 de 2007. Já nos nos primeiros dias de novembro apresentou uma queda 4,4% chegando a US$ 77,19 o barril. E segundo recente informação do FMI, as importações de petróleo dos EUA no período 2008/2013 foram reduzidas de 2,8% para 1,3% do PIB. Ou seja, esta redução de 1,5% do PIB norte americano, signifca a bagatela de US$ 250 bilhões ano, que é equivalente a quase ½ PIB do Chile. Qual será então o impacto neste mercado e a tendência da curva de preços ?

E mais ainda, olhando o presente, onde se constata quase todos países tentando, a qualquer preço, reduzir a utilização de petróleo, estaraia o Brasil na contra-mão da história, se aprofundando literalmente nesta matriz energética ? Vale destacar que as tentativas mundo a fora são nada convencionais, e envolvem investimentos em tecnologias que reduzem ou eliminam o petróleo, deixando claro uma escolha quase sem volta a longo prazo ( pelo menos dos EUA).

Na Europa, a empresa aérea filandesa Finnair adicionou 50% de óleo de cozinha reciclado no querosene, num voo teste Helsinque / Nova York. Porém, a mistura, apesar de viável técnicamente, não é viável economicamente, dado o alto custo do refino do óleo de fritura, ou somente se o petróelo superar o patamar de US$ 160,00 o barril.

Já na Ásia, o Instituto Sul-Coreano de Ciência e Tecnologia, o KAIST, desenvolveu um sistema de cabos subterrâneos criando um campo magnético, a partir do qual um veículo pode captar calor do piso (asfalto/concreto) e gerar a energia necessária para circular. Chamado de OLEV (Online Electric Vehicle), já circulam estes ônibus naquele país, dispensando derivados de petróleo e as pesadas baterias dos veículos elétricos.

Portanto, apesar de nos dias de hoje, não haja nenhum futurólogo que possa prever a variação destes preços, o horizonte que se apresenta é no mínimo preocupante, pois alguns especialistas já estão considerando um cenário de queda maior ainda de preços.
Sendo assim, desenvolver a capacidade de análise conjuntural é compreender a relatividade das coisas, inclusive através do estudo correto da História, passado e presente, para avaliar especialmente tendências e riscos futuros, com visão técnica e sem ufanismos baratos.

Se consideramos a névoa que a internet lança sobre olhares menos atentos e calejados, num espaço utilizado por usuários que tem por hábito a prática do narcisismo e que imaginam enxergar uma beleza (que nem sempre é tão bela) através das famigerdas selfies, é preocupante saber como poderão enxergar a verdade dos fatos, nem sempre tão bela, interpretando números e gráficos ou a própria história de seu povo.

É nossa obrigação portanto refletirmos agora, que risco estamos correndo ao permitir a formação de grupos de alienados do conheciemento histórico, com resultados futuros imprevisíveis, como alertou-nos Keynes há quase 100 anos no seu livro “As consequencias econômicas da Paz”.