Comitê de solução de controvérsias – Nova modalidade de solução para conflitos em obras

Alguns engenheiros mais radicais afirmam que o principal documento de uma obra é seu contrato. Sem dúvida, outros documentos têm, também, sua magnitude semelhante ao contrato e  sem eles a obra também não poderia ser realizada. Dessa forma, ao lado do Contrato, a documentação técnica que define a obra tais como o Projeto, as Normas Técnicas, as Especificações de Produtos e de Serviços e o Método Construtivo e tantos outros, assumem a mesma posição do Contrato quanto a sua importância. Geralmente, problemas causados por essa complexa documentação acabam gerando conflitos que certamente deságuam em gastos algumas vezes elevados e não previstos a serem cobertos pelas partes em conjunto ou individualmente, conforme o caso.

Não é raro ocorrer questionamentos entre os contratantes durante o desenrolar de uma obra. Esses litígios poderão surgir motivados por vários fatores, como: conflitos de projeto, divergência entre documentos técnicos, surgimento de situações não previstas em contrato, mudanças de projeto durante a obra e muitas outras situações que não puderam ser previstas. 

Atualmente, para minimizar os problemas de custo com longos processos judiciais, atraso no cronograma, desgaste entre parceiros, está sendo praticada uma nova forma de mitigação dessas divergências pela nomeação de um Comitê de Solução de Controvérsias, também conhecido por Dispute Review Board – DRB. Essa nomeação deverá estar prevista no Contrato da obra para que esteja disponível desde antes do seu início até o final da vigência do contrato, por ocasião da emissão de seu Termo de Recebimento. 

Esse Comitê permanente tem basicamente por função acompanhar o desenvolvimento da obra, prevenindo conflitos, recomendando soluções amigáveis, ou até mesmo emitindo uma Recomendação formal para resolver uma questão litigiosa que, porventuram, possa surgir no transcorrer de uma obra. 

É formado geralmente por três membros sendo que cada parte indica um com a aprovação da outra. Esses dois membros indicam um terceiro que também terá que ter a aprovação dos contratantes e exercerá a Presidência do DRB.

Os integrantes desse comitê têm larga experiência em gestão de contratos, amplo conhecimento técnico compatível com o tipo de obra e vivência em procedimentos e controles tanto técnicos quanto administrativos praticados em obras. Recebem uma remuneração mensal enquanto durar o contrato a ser provida igualmente pelas partes. 

Atualmente, em países mais desenvolvidos como os Estados Unidos não só grandes obras de infraestrutura de bilhões de dólares suportam o custo de manutenção de um DRB, obras de porte médio como as de prédios comerciais ou mesmo residenciais cujo custo seja a partir de R$ 20 milhões, suportam a manutenção desse painel de revisão de litígios que está situado na faixa de 0,5% do valor da obra, sendo que nas grandes obras de infraestrutura, ou de grandes indústrias esse custo tende a ser menor. 

Considerando que o valor de manutenção do DRB é repartido igualmente pelas partes, o valor a ser dispendido pelos contratantes, cai pela metade. Ainda há de considerar-se que esse valor é distribuído ao longo da duração da obra e não pago de uma só vez. 

Por outro lado esse valor não deve ser considerado como um custo a mais da obra e sim um investimento, pois muito provavelmente até o final de sua existência, economizará muito mais do que custou. Essa economia é proveniente da maior fluidez das relações proprietário-construtor, menor chance de ocorrerem atrasos por paralisações da obra, não pagamento de honorários de advogados, e por outros custos provenientes de problemas advindos da documentação geral da obra ou de decisões tomadas por uma das partes e que a outra não é concordante. 

Deve ser encarado mais ou menos aos gastos com gerenciamento de uma obra mais complexa. Seu custo acaba sendo suportado, geralmente com folga, pela economia feita em gastos não necessários. 

Os três profissionais contratados agirão conforme regras estabelecidas em contrato ou de acordo com o regulamento das Câmaras existentes para essa finalidade e geralmente preveem que estarão à disposição da obra para resolução de divergências, realizarão reuniões periódicas pré-agendadas ou em ocasiões em que haja a necessidade de uma intervenção específica para a solução de um conflito surgido, onde evitarão que uma eventual disputa se transforme num litígio. 

Essa prática tem grande chance de obter sucesso, pois os contratantes têm oportunidade de expor suas posições “em campo neutro” ainda numa fase em que o desgaste não seja grande e, para evitar uma intervenção do DRB, procuram resolver a situação por eles mesmos. 

Essa modalidade também traz benefícios intangíveis: há uma predisposição das partes de tomarem posições pró-ativas quando recebem conselhos de especialistas, sem contar que o DRB tende a fazer com que os ressentimentos das partes sejam diminuídos pela sua ação conciliadora. 

O grande introdutor do DRB no planeta foi o Banco Mundial, importante agente financeiro internacional de grandes obras de infraestrutura. Começou timidamente sendo que atualmente é uma exigência desse grande órgão investidor a constituição de um DRB em todos os contratos por ele financiados. 

No Brasil, pioneiramente, o DRB foi introduzido pelo Banco Mundial ao financiar as obras da Linha 4 – Amarela do metrô de São Paulo. O DRB foi constituído desde a assinatura e, apesar dessa linha do metrô já estar operando, o DRB continua ativo, pois seu contrato ainda está vigorando. 

Existem várias formas de atuação do DRB. Uma delas é a realização de reuniões periódicas pré-agendadas nas quais o DRB acompanha a evolução da obra podendo detectar problemas na medida em que surgem. Essas reuniões poderão ser solicitadas pelas partes em ocasiões específicas. Essa proximidade muitas vezes evita que as disputas evoluam para uma fase litigiosa, pois as partes se estimulam a uma solução amigável promovida por elas próprias. 

Outra maneira é quando uma das partes, após tentativa mal sucedida de solução amigável, aciona o DRB para que ele emita uma Recomendação. Tal Recomendação poderá evoluir para uma Arbitragem se for contestada ou deverá ser atendida até a obtenção da Sentença Arbitral ou até mesmo pela Justiça Comum.

No momento existem basicamente três modalidades formais do DRB atuar, desde que o contrato assim preconize e que estão resumidamente descritas: 

• O DRB Produz uma Recomendação sobre o Litígio em questão que as Partes poderão aceitar ou não. Caso não aceitem o Litígio deverá seguir para uma Arbitragem ou para a Justiça comum, conforme pré-acordado em contrato. 

• O DRB emite uma Decisão sobre o conflito apresentado e as partes concordam em acatá-la imediatamente após seu proferimento. Se houver contestação o Litígio será resolvido por Arbitragem ou pela Justiça comum, mas enquanto a sentença não for proferida as partes se obrigam a atender à Decisão. 

• O DRB Misto que é uma solução que permeia as duas anteriores. Nesse caso o DRB emite uma Recomendação ou uma Decisão de acordo com o solicitado pelas partes. Da mesma maneira se houver contestação o Conflito será remetido a uma decisão Arbitral ou encaminhado a Justiça Comum, conforme regras do contrato. 

A Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia foi a pioneira em estabelecer um regulamento específico para o DRB que já está devidamente registrado e conta com um rol de Árbitros perfeitamente capacitados para comporem qualquer DRB nas três modalidades acima citadas. Importante que se diga que existe aqui em São Paulo um DRB em pleno funcionamento relativo a uma obra complexa, de longa duração e de alto valor formada por três membros sendo que dois deles pertencem ao rol de árbitros da Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia. Apenas não seguem seu regulamento, pois os contratos de tal obra já contêm as regras de seu funcionamento. 

A existência de um regulamento do DRB simplifica em muito a redação do contrato de obra, pois ao invés de constar todo o regramento do DRB, basta citar que seu funcionamento será baseado no Regulamento do DRB da Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia, desde que haja concordância das partes. 

Essa modalidade de prevenção e solução de conflitos tem a grande virtude de conseguir a continuidade das obras diante de conflitos o que evita o agravamento de situações e diminuem os custos da obra. 

No Brasil não temos estatísticas oficiais, porém de acordo com uma instituição americana – Dispute Review Board Foundation, no ano 2000 nos Estados Unidos, 97% dos litígios em construção nas quais havia DRB’s foram resolvidos de forma amigável, sem a ocorrência de litígios. Essa cifra foi obtida num universo de 757 obras que envolveram 39,5 bilhões de dólares. Segundo divulgação no Congresso Internacional realisado recentemente em São Paulo e promovido pelo IBDiC – Instituto Brasileiro de Direito da Construção revelou que esses 97% de sucesso nos Litígios também são verificados em nosso país.