Pronunciamento de abertura do capítulo III dos Caminhos da Engenharia Brasileira

O Instituto de Engenharia, desde sempre, ao longo de seus 95 anos de funcionamento ativo, influente e ininterrupto, se dedica primordialmente aos temas da Engenharia, conquanto técnica, ciência e arte. Para nós, a Engenharia tem de ser praticada em benefício da humanidade e, assim, ser um instrumento de progresso, como base da Economia, e de cidadania, como base da Política Governamental. Por isso, somos obrigados, na qualidade de profissionais e cidadãos, dentro dos princípios éticos que pautam a missão do Instituto, a alertar a sociedade sobre problemas e desvios na condução dos interesses nacionais.

No início deste século XXI, o Brasil começou a emergir da prolongada crise econômica que se instalou no mundo durante o último quartil do século XX. Até hoje, atônita, a humanidade busca compreender a essência do chamado processo da Globalização. Os valores mudaram, e continuam mudando, de maneira acentuada. O meio circulante no mundo todo supera exageradamente aquele atribuível aos bens palpáveis, duráveis ou fungíveis. A comunicação on-line foi contaminada por tagarelice fútil, nos escritórios e em qualquer lugar e ocasião sejam encontros sociais, sejam encontros de trabalho. Acabamos de ver a disposição das operadoras de telecomunicação em investir 40 bilhões de reais nos sistemas, tudo para atender 90% de trivialidades, para não dizer inutilidades. A isto se atribuem valores aleatórios sem nenhum lastro monetário. Há algo de muito estranho na economia de hoje, em face dos fundamentos conhecidos até bem pouco tempo atrás!

Neste cenário, a Engenharia Brasileira foi abandonada na década dos anos 80. De repente o gigante que estava adormecido em berço esplêndido, despertou na virada do século e descobriu que precisa dessa atividade econômica e que, por causa da desídia dos dirigentes do país, hoje conta com um número muito pequeno de engenheiros em atividade. Todos os nossos alertas passados, hoje se vê, não foram choros de cassandras. Mas a Engenharia continua a postos. Esta é a razão do ciclo de debates que o Instituto de Engenharia iniciou em 2011, sob o título de “Caminhos da Engenharia”. Queremos demonstrar que conhecemos a essência dos problemas e sabemos os caminhos a percorrer em suas soluções.

Senhores governantes, absolutamente não há nenhuma necessidade de recorrermos aos estrangeiros, como se fossem fonte única para nossa salvação. A propalada transferência de tecnologia é uma falácia cabal. Nos tempos passados, atentem bem, nunca ninguém transferiu tecnologia para ninguém. Nos dias de hoje, com o mundo globalizado e o acesso amplo às utilidades disponíveis na internet, cai por terra, fragorosamente, o equivocado argumento a que agora me refiro. E saibam também, que a tecnologia pertence à engenharia, atividade universal. Engenharia é Física e Química aplicadas, com lastro na Matemática. Nossos engenheiros são bastantes em si mesmos, para analisar problemas, equaciona-los e resolve-los.

No primeiro dos eventos, o IE examinou os grandes entraves na infraestrutura brasileira. Falamos sobre Inovação e Competitividade, sobre Sustentabilidade, sobre Logística e sobre o ensino no Brasil. No segundo evento, analisamos a questão do Conteúdo Nacional, para verificarmos a competência de nossa classe. Hoje debateremos a questão essencial da Energia Elétrica no Brasil, em busca de uma adequada análise deste fundamental setor da infraestrutura econômica.

Porém, infelizmente, não posso me ater aos fatores essencialmente técnicos. Tenho que falar que o problema brasileiro tem raízes muito mais profundas. Falta educação básica no País. Foram anos e anos de apologia da ignorância. Houve a satanização da instrução. A imensa maioria de nosso povo é constituída de analfabetos funcionais. Não nos iludamos, o analfabetismo e o desprezo pela instrução conduz a deformidades culturais. Não se entende a ética. Grassa a corrupção. É um vale-tudo infernal. É um desperdício assustador. Desta esbórnia, fatalmente virá uma ressaca monumental.

Está na hora de desarmarmos os espíritos e promovermos um grande encontro das forças vivas da Nação para uma discussão honesta dos problemas que afetam o desenvolvimento intelectual, moral e, por via de conseqüência, material de nosso povo.

Inicialmente, parece ser imprescindível estabelecer o fundamento da honestidade nos corações e mentes. É preciso abandonar o maniqueísmo, sentimento incompatível com a sociedade global, ora em primórdios de formação, que parece ser inexorável em uma nova era da humanidade. Um pouco de pragmatismo pode ajudar. É preciso romper com o conformismo de que as coisas, principalmente as maléficas, são imutáveis. Um pouco de coragem pode ajudar. É preciso adotar o reconhecimento de nossas limitações individuais, na estatura ética e nos reais conhecimentos educacionais que tivermos. Um pouco de salutar humildade pode ajudar.

Há quase cem anos, em 1914, Rui Barbosa dizia no Senado: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto”. É tão presente esta observação centenária, que cabe a indagação se o espírito do brasileiro é imoral pela própria natureza ou se este comporta-se amoralmente por alienação. Porém, a má doutrina vem de cima, através de uma legislação coercitiva, feita para cercear o delito e que, por assim ser, constitui o roteiro da fraude e da inimputabilidade. Por exemplo, a lei de licitações e contratos, que afeta diretamente a atividade do engenheiro, induz o leitor à idéia de que os negócios públicos são movidos pela corrupção e, por isso, a cada passo, diz o que se proíbe e não o que se colima. Como conseqüência, propaga-se a falsa idéia que o ilícito é parte integrante da profissão, infelizmente lastreada no mau comportamento de alguns poucos espertalhões que a desonram, com vergonha de serem honestos. Pior que isto, é o compasso negocial imposto pelos maus agentes públicos que, nas licitações e contratos, geram os usos e costumes da leniência, como se a eles coubesse o direito a comissões de vendas. Pior ainda, foi a necessidade de resolver o problema através de outros agentes no combate aos desvios de conduta, com a plenipotência outorgada ao Ministério Público ou, já em franco progresso, com a supra-autoridade dos Tribunais de Contas. Os procedimentos de inquirição e moção, antes pontuais sob indubitáveis indícios, hoje partem da ilação de que tudo deve ser fiscalizado, sob o foco de que a decência é exceção. Não está na hora de revermos esta insensatez?

Todo esse arcabouço comportamental vai atravancando o progresso do país em clima de terror policialesco, infelizmente com pouquíssima ou quase nenhuma punição. Punidos são os inocentes com a detratação prolongada de seus nomes e premiados são os malfeitores, com o proverbial término das investigações em “pizza”.

É neste sentido que estamos propondo um pacto pelo progresso, fundado nos princípios éticos da honestidade, da humildade e da coragem. Vamos nos unir e reunir. Trata-se de missão árdua e talvez lenta de se cumprir. Mas não é impossível.