O planejamento do transplante urbanístico da região da Luz

Situada na região central da maior cidade da América Latina, a área da Luz, possui uma ocupação diversificada com áreas com baixa ocupação residencial e intenso comércio especializado, mas também com diversos imóveis utilizados para estacionamentos ou como depósitos, junto a equipamentos culturais tradicionais da cidade – como a Sala São Paulo, a Pinacoteca do Estado, Parque da Luz, a Estação da Luz e o Museu da Língua Portuguesa.

Com o desafio de requalificar 45 quadras da região no perímetro das avenidas Ipiranga, São João, Duque de Caxias e Cásper Líbero e rua Mauá, o Projeto Nova Luz propõe potencializar o comércio local -Santa Ifigênia e General Osório-, diversificar os perfis habitacionais e comerciais, ampliar áreas públicas destinadas a praças e ao convívio social, melhorar as condições gerais de mobilidade e infraestrutura e recuperar os patrimônios históricos, culturais e artísticos do local.

A coordenação do projeto é da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo, em parceria com o Consórcio Nova Luz -composta pelas empresas Concremat Engenharia, Cia City, Aecom e Fundação Getulio Vargas (FGV).

Em entrevista, o secretário Miguel Bucalem falou das novidades e do cronograma e destacou os detalhes e a sua preocupação em discutir o projeto com a sociedade. Leia a entrevista na íntegra.

Jornal do Instituto de Engenharia – Como está o andamento da Nova Luz?

Miguel Bucalem – O consórcio Nova Luz vem desenvolvendo o projeto desde junho de 2010. O processo foi idealizado para propiciar a participação de todos os que se relacionam com área –comerciantes, moradores, frequentadores- e a sociedade civil que pode ter interesse naquela área. O que justifica a transformação dessa área é sua grande acessibilidade, com três linhas de metrô vizinhas ou na área, as linhas de trem que chegam às estações da Luz e Julio Prestes. O projeto prevê um aumento de população, mais ou menos de 11,6 mil para 20 mil, aumento de emprego de 23 mil, que é estimativa, para 46 mil e também aumento de área construída de 1,2 milhão m² para 1,8 milhão m², ou seja, a área ficará mais ocupada, mas com muito mais qualidade urbanística e ambiental. Está prevista também a criação de um parque. O projeto privilegia o pedestre com alargamento de calçadas, cria ciclovias e um centro de entretenimento, que vai se articular com os equipamentos culturais notáveis que a área já possui –Sala São Paulo, Estação Pinacoteca, Pinacoteca, Museu da Língua Portuguesa, Escola de Dança que o estado vai implantar-, ou seja, o projeto traz qualidade urbanística e ambiental, com aumento de atividade econômica e de população.

Muito importante dizer que o projeto reconhece dois eixos importantes e fundamentais de comércio –Santa Ifigênia e General Osório- e quer potencializá-los. É natural que as pessoas integrantes desses segmentos tenham uma preocupação, é a primeira vez que a concessão urbanística está sendo implantada. A prefeitura quer encontrar a melhor forma de criar condições para pessoas que estão nesses eixos permaneçam na área numa condição favorável. Esse tem sido um dos desafios do projeto.
Do ponto de vista da habitação, é muito importante mencionar que esse projeto permite implementar uma diretriz do Plano Diretor, que é a criação de habitação de interesse social na área central. São cerca de 2 mil unidades -mil de HIS (Habitação de Interesse Social) e mil de HMP (Habitação de Mercado Popular). Isso é um aprimoramento do ponto de vista de atendimento social muito importante.

Jornal do Instituto de Engenharia – Quais são as preocupações que o senhor mencionou?

Miguel Bucalem – Depois que o projeto consolidado – que está sendo desenvolvido pela prefeitura em colaboração com a sociedade civil e a população local – ficar pronto, este será objeto de uma licitação para definir quem vai implementá-lo, um consórcio de empresas, provavelmente. Esse edital deverá ter regras estabelecidas, que tenham sido discutidas anteriormente com esses comerciantes e moradores.
A desapropriação é algo que deverá ocorrer só em situações especiais. A condição normal é a negociação entre concessionário e quem vai ter o seu imóvel sujeito a intervenção. Deseja-se colocar regras no edital de concessão para que a negociação ocorra e resulte em uma solução adequada de realocação ou realocação e retorno depois de reformado ou de reconstruído o imóvel.

Jornal do Instituto de Engenharia – No cronograma, qual é a fase atual?

Miguel Bucalem – O projeto consolidado, que será a base para a licitação da concessão urbanística, tem como previsão de conclusão dia 14 de julho.

Está havendo agora a definição dos espaços públicos, das calçadas, do tipo de uso, de gabarito para cada quadra ou para cada face de quadra e de volumetria, quais as áreas estão sujeitas a transformação e quais áreas que não podem ser transformadas. Define também como a área deverá ser transformada e as fases para sua implementação sem prejudicar o funcionamento da área e o fluxo de atividades. A modificação da área não vai ocorrer do dia para a noite, sendo que o projeto será implementado entre 10 e 15 anos.

Neste momento, estamos tendo interação com os vários grupos da área –da General Osório, da Santa Ifigênia, dos moradores– para entender as necessidades e as preocupações deles e consolidar o projeto, e também estabelecer as regras para o edital de concessão. Ao mesmo tempo, o projeto está sendo aprimorado refletindo o aprofundamento de questões. A divulgação do projeto em nível preliminar teve como objetivo criar a base de discussão com os diversos setores envolvidos. Assim que o projeto for consolidado, haverá novas audiências públicas associadas ao projeto consolidado e à aprovação de estudo de impacto ambiental.

Jornal do Instituto de Engenharia – Quando será o início da execução?

Miguel Bucalem – Se até o final do segundo semestre deste ano houver um vencedor para a concessão urbanística, será um bom avanço. Esperamos que as primeiras intervenções comecem em 2012.

Temos procurado fazer um projeto de forma inovadora, com participação da população. Essa audiência pública que ocorreu no meio do processo é eletiva, não tínhamos uma obrigação legal. Só para se ter uma ideia, nos meses de março e abril, realizamos 16 reuniões com representantes dos comerciantes e dos moradores. Foram reuniões com duração média de três horas cada para discutir o projeto. Acredito ser uma forma nova de fazer projeto. Não temos definições finais porque estamos fazendo um projeto para transformar 45 quadras no centro de São Paulo. Não se pode fazer esse projeto sem uma discussão aprofundada com as pessoas que construíram a vida lá e querem continuar na área. Essa é a preocupação: desenvolver esse projeto com interlocução e de forma progressiva sempre dialogando com a sociedade.

Esse é um projeto pioneiro porque procura transformar uma área central a partir de um projeto urbano. A cidade precisa disso porque o crescimento ocorreu de forma desordenada gerando o problema das pessoas morarem longe de onde trabalham, por isso a importância dessa transformação. Reconhecemos que é um projeto inovador e que mexe com o cotidiano das pessoas, mas temos que encontrar a melhor forma de conseguir implantá-lo propiciando ainda que as pessoas afetadas tenham uma solução adequada, boa e justa. É isso que o projeto procura fazer.

A prefeitura estabeleceu diretrizes muito claras para esse projeto a partir da lei de concessão urbanística da Nova Luz, então nós estamos implementando uma lei que diz como essa área deve ser transformada.

Jornal do Instituto de Engenharia – Quais detalhes do projeto, o senhor gostaria de destacar?

Miguel Bucalem – O projeto privilegia o pedestre e cria um ambiente 24 horas. Hoje, de dia tem muita atividade, mas não à noite. O projeto quer ter um ambiente seguro. Essa mistura de população e atividade econômica, uma mescla de usos e de atividades, que deve propiciar o chamado ambiente 24 horas.

O centro de entretenimento, que ficará próximo à Estação da Luz e aos equipamentos culturais, é algo que vai colaborar para isso. A ideia é trazer cafeterias, restaurantes, cinemas, teatros, atividade comercial de forma que a região tenha atividade 24 horas por dia.

Outro fator importante do projeto é a questão ambiental, haverá muito mais árvores. A região é uma ilha de calor –muitas construções e poucas árvores. A transformação privilegia o sombreamento por árvores. Com aumento das árvores, aumentará a biodiversidade da área. Estamos pensando também na reformulação do sistema de drenagem, com práticas sustentáveis. Sustentabilidade é algo muito importante para o projeto. Na verdade estamos criando uma área em que muitas práticas boas de urbanismo podem ser implementadas para criar um ambiente com qualidade de vida.

O projeto cria uma ligação entre o Largo do Arouche, Praça Julio de Mesquita e a Estação da Luz, por meio da Rua Vitória que passa a ser uma rua articuladora que vai privilegiar o pedestre e será um eixo de circulação, com muito comércio.

Jornal do Instituto de Engenharia – E o boulevard na Avenida Rio Branco?

Miguel Bucalem – Haverá a supressão de duas faixas de rolamento -uma de cada sentido- para valorizar o pedestre aumentando calçadas e criando espaço para ciclovia. Na avenida Duque de Caxias e rua Mauá, onde estão os equipamentos culturais, faremos um outro boulevard que vai servir de articulação entre os novos usos e os equipamentos culturais.

Jornal do Instituto de Engenharia – E as ciclovias, como serão?

Miguel Bucalem – Serão 7 km de vias, algumas segregadas, outras compartilhadas com pedestres, por exemplo, na intersecção da av. Rio Branco com a rua Vitória, o cruzamento delas será no mesmo nível, não haverá sarjeta. A rua Vitória terá circulação controlada de carro. Quando a Vitória chega na Rio Branco, a própria Rio Branco subirá um pouco para encontrar o nível. O próprio pavimento escolhido já será um redutor de velocidade para a Rio Branco que facilitará o ciclista e o pedestre. Há uma série de técnicas de desenho urbano que serão utilizados direcionados para a valorização do pedestre e dos ciclistas.

É importante dizer que o projeto respeita o patrimônio histórico e irá valorizar e resgatar esses imóveis. Ele prevê a restauração dos edifícios que estão tombados e preservados pelo patrimônio histórico por parte do concessionário.

Autor: Fernanda Nagatomi