Escolas demais, engenheiros de menos

Em novembro de 2009 o Estado estampou a matéria Ministério espera dobrar a oferta em 6 a 8 anos, em que o Ministério da Educação (MEC) apontava incentivos à criação de novos cursos de Engenharia para suprir a necessidade de mais engenheiros. Dentre as razões apresentadas, citava que a excessiva quantidade de denominações dos cursos de Engenharia limita a expansão da área!

De fato, temos um exagero de denominações nos cursos, mas nem de longe essa é a razão de tal limitação. O causa principal do excesso de denominações dos cursos, fruto da tendência especialista praticada pelas escolas de Engenharia na década de 1970, foi prejudicar sobremaneira a mobilidade de nossos formandos nesse campo. Não tem sentido atribuir nomes a cursos que o próprio setor produtivo não conhece, mais ainda, que os próprios alunos do ensino médio não têm a mínima ideia do seu significado. Várias especialidades foram criadas para acomodar divergências internas nas universidades públicas e/ou para atrair novos alunos com denominações de cursos ilusórias, oriundas mais de ações de marketing do que da real necessidade da Nação. Não são poucos os estudantes que tiveram sua contratação cancelada simplesmente pelo fato de que o nome de seu curso não coincidia com o nome colocado no edital, apesar de sua especialidade ser uma ênfase da modalidade exigida.

A Europa já resolveu essa questão via tratado de Bolonha, que limitou em 14 as denominações dos cursos europeus; na América do Sul, a Argentina já fez a sua lição de casa, reduzindo-as a 22. No Brasil a discussão é intensa e estamos longe de chegar a bom termo, pois são grandes as reações contrárias à proposta. Esquecem os dirigentes que os benefícios oriundos dessa redução para os estudantes serão sensíveis, sobretudo quanto à facilidade decorrente das mudanças de rumo de sua carreira e à expansão do leque de opções pós-formatura, além de possibilitar uma revisão em nossos cursos no sentido de levá-los a um conceito mais generalista, como parece ser a tendência atual em todo o planeta.

Com relação aos números, o Brasil apresenta quase 1.500 cursos de Engenharia, que oferecem aproximadamente 150 mil vagas por ano. Apesar de tal oferta generosa, temos apenas 300 mil estudantes nessa área (deveríamos ter 750 mil!) e apenas 30 mil se formam anualmente. A realidade é que a evasão nos cursos de Engenharia é vergonhosa, tudo isso sem contar que recentes avaliações apontam que apenas um quarto desse contingente tem nível de formação considerado satisfatório.

Por essas razões, podemos concluir que não estamos com déficit em número de cursos, mas o rendimento de nossas escolas de Engenharia é muito baixo. As universidades públicas paulistas, estas, sim, poderiam fazer um esforço adicional para aumentar suas vagas nas Engenharias ? há espaço para isso, pois nessas instituições de ensino superior apenas cerca de 25% de suas vagas são destinadas às carreiras tecnológicas, o que mostra um desequilíbrio em relação às demais carreiras.

Levantamentos indicam também que mais de 50% de nossos estudantes abandonam o curso ao final do segundo ano por não conseguirem acompanhá-lo, seja pela dificuldade inerente à formação ou por questões financeiras, visto que o curso de Engenharia é caro, entre outros motivos, pela exigência de laboratórios especializados, que precisam de contínua renovação.

O MEC, por sua vez, precisa encontrar uma solução para mitigar esse baixo rendimento, que ocorre apenas nas carreiras tecnológicas. Já apontamos em outros artigos que uma das razões está ligada à pouca importância que o ensino médio dá às matérias de Física, Química e Matemática, vetores de incentivo à carreira tecnológica.

 Adicionalmente, o País apresenta um déficit de mais de 150 mil professores dessas matérias, de modo que temos mais de 150 mil profissionais que ministram Física, Química e Matemática sem formação na área, que transformam essas três disciplinas num “bicho de sete cabeças” que afasta os nossos jovens das carreiras tecnológicas, sobretudo da Engenharia. 

Já foi apontado também que a baixa carga horária de Física, Química e Matemática no ensino médio é outra questão que precisa ser revista, pois, se o País pretende atingir um patamar de desenvolvimento superior, suportado por uma tecnologia própria e de alto nível, apenas uma formação sólida nessas disciplinas garantirá a segurança que buscamos no futuro, senão continuaremos fadados a ser apenas exportadores de commodities, e não de produtos manufaturados. Acontece, no entanto, que as ações para resolver essas questões levarão algumas décadas, mesmo que as atitudes corretivas sejam tomadas de imediato. 

Apesar de algumas décadas serem um tempo muito curto para uma Nação, são, no entanto, demasiado longo para a Engenharia nacional, de modo que precisamos de ações emergenciais, dado o volume de investimentos projetados para os próximos anos.

Dentre essas ações, julgamos que um plano de acompanhamento dos estudantes dos primeiros anos das Engenharias seja fundamental. As escolas investem recursos e esforços substanciais para atraí-los, mas não para mantê-los. O governo, considerando a dificuldade do momento, pode injetar recursos nas escolas de Engenharia para atualização de laboratórios, revisão de estruturas curriculares, atualização da base de T, I & C para acelerar o processo de ensino e aprendizagem e garantir uma boa formação. Quanto aos professores, devem entender que a Engenharia mudou. Está mais centrada na gestão do que no projeto, de modo que a estrutura curricular deve contemplar esta evolução sentida pela nossa profissão.

Diretor da Escola Politécnica da USP, é coordenador do Conselho Tecnológico do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo.

Autor: José Roberto Cardoso – O Estado de S.Paulo