Engenharia Sanitária e Ambiental: novos paradigmas para o desenvolvimento

Um pretendente a essa profissão deve ter um perfil de se interessar pelas mudanças sociais, trabalhar para o coletivo”. Quem escuta por acaso o comentário da professora Patrícia Borja pode não imaginar que ela está se referindo a uma profissão inserida em uma das áreas consideradas mais objetivas pelos estudantes: a engenharia. A coordenadora do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental na Universidade Federal da Bahia (Ufba) continua: “Esse engenheiro vai trabalhar com a coletividade, levando elementos que são essenciais à saúde da população. É um trabalho que leva a água às pessoas, um serviço essencial à vida”.

A Engenharia Sanitária foi criada na década de 1970. Nessa época, o currículo dos cursos era mais voltado à questão sanitária. Com o agravamento das questões ambientais e com as discussões em torno da Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, os cursos de Engenharia precisaram se adequar às demandas e incorporar as preocupações nessa área. A modificação dos currículos começou em meados dos anos 80 e início dos anos 90. A adaptação alterou também a nomenclatura de alguns cursos, para que tivessem uma maior correspondência ao novo foco. Existem, atualmente, 22 cursos de Engenharia Sanitária e Ambiental no Brasil, frente a mais de 127 cursos de Engenharia exclusivamente Ambiental.

Diferenças – A graduação em Engenharia Ambiental é mais voltada à gestão, administração, ordenamento, monitoramento e a mitigação dos danos ambientais. Já o engenheiro sanitarista tem sua atuação mais voltada aos campos do abastecimento de água, esgotos sanitários, drenagem das águas pluviais, resíduos sólidos e limpeza pública, saneamento dos alimentos, vetores transmissores de doenças, entre outros. Segundo Patrícia, o fato de o Brasil ter um déficit grande na parte do saneamento interfere na saúde do meio ambiente e da própria população, o que aproxima as duas áreas. Isso permite que o jovem formado nessa “dupla” graduação possa trabalhar tanto a questão dos projetos de saneamento quanto a administração do ordenamento territorial e ambiental, atuando de forma mais completa.

Além disso, o fato de as questões ambientais estarem cada vez mais em destaque contribui para que o profissional possa executar seu trabalho de forma consciente e voltado à preservação e cuidado com os recursos naturais. Esse foco ajudou o aluno Mateus Almeida Cunha a se decidir, na época em que prestava vestibular. Devido a seu interesse pelo meio ambiente, ficou em dúvida se deveria seguir o ramo da Biologia ou da Engenharia Sanitária e Ambiental. Quando se deu conta da abrangência do campo de atuação, resolveu se dedicar à área. “Eu vi uma oportunidade de crescimento profissional e pessoal”, conta. 

Segundo Mateus, o diferencial do curso está em disciplinas com ênfase nas duas engenharias, como hidráulica, hidrologia, saneamento ambiental, qualidade da água, problemas de saúde pública e qualidade da água, além das matérias básicas de engenharia. O estudante lembra que o início do curso é mais voltado para a engenharia geral, o que pode desestimular o graduando. Os assuntos mais específicos aparecem a partir do segundo ano do curso.

Atualmente, já no final da graduação, o estudante de 23 anos trabalha com a otimização do uso de água em prédios públicos. Ele já é contratado como engenheiro júnior, num projeto entre a universidade e o governo. Devido a seu envolvimento com pesquisa durante grande parte do curso, Mateus já é aluno especial do mestrado e acredita no diferencial que a pesquisa pode fazer nesse campo. “Eu acho que o engenheiro tem o papel de educação, divulgação do conhecimento e deve contribuir tecnicamente para sua área de atuação”, diz ele.

Mercado – Devido ao crescimento, nos últimos anos, de grandes investimentos do governo na parte de saneamento, a empregabilidade para a Engenharia Sanitária e Ambiental pode ser considerada um dos pontos fortes da profissão. Segundo a professora Patrícia Borja, são realizados diversos concursos públicos em âmbito federal e também municipal, englobando tanto o sanitarista quanto o engenheiro do meio ambiente.

O salário também chama a atenção: nos concursos públicos, são oferecidas vagas cujo salário inicial gira em torno dos R$ 4 mil. Na área privada, o trabalho com consultoria paga cerca de R$ 3,5 mil. O cargo de analista, no Ministério do Planejamento, tem um salário de aproximadamente R$ 10 mil. “Também existem oportunidades de trabalho no Ministério da Saúde, Serviços Municipais de Água e Esgoto, empresas privadas, indústrias, no campo da consultoria e da construção, além do campo da pesquisa”, lembra a coordenadora do curso da Ufba. 

Desafios – Segundo José Artur Passos, vice-presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental na Bahia (Abes-BA), o principal desafio do profissional atualmente está relacionado à questão dos resíduos sólidos e efluentes líquidos nas pequenas e médias cidades, onde o lixão ainda é utilizado como principal fim dos materiais e praticamente não existe ETE – Estação de Tratamento de Esgoto. Essa questão, além de ser um sério problema de saúde pública, envolve o meio ambiente na medida em que cresce a poluição do solo e das águas subterrâneas, além do próprio ar. O saneamento e o tratamento de esgotos também são apontados por ele como questões essenciais no trabalho desse tipo de engenheiro.

Passos lembra que o profissional dessa área tem conhecimentos que lhe permitem fazer melhorias em vários sentidos dentro do espaço urbano e do meio ambiente. Como exemplo, ele cita a forma como se pode aproveitar o tratamento do esgoto em determinados locais. Segundo explica ele, que também é gerente de engenharia e QSSA (Qualidade, Saúde, Segurança e Meio Ambiente) da Cetrel-Lumina, a água devidamente tratada dos esgotamentos sanitários pode ter macronutrientes que são úteis na irrigação do solo, caso a cidade em questão tenha um perfil agrícola.

O representante da Associação atenta para um fato: é necessário educar ambientalmente a população para que as pessoas possam ter essa consciência do reaproveitamento e do manejo correto de resíduos para a melhoria da qualidade de vida. A professora Patrícia completa: “O mercado de trabalho precisa de um profissional que esteja mais aliado com a questão da sustentabilidade. Os novos paradigmas devem estar mais voltados com a justiça social e ambiental. Nossa sociedade é altamente recortada, com uma desigualdade muito forte. Estamos também suprimindo as gerações futuras de usufruírem desse patrimônio, sob o argumento de geração de empregos que são temporários. É possível gerar empregos duradouros, em empreendimentos mais sustentáveis”, ela alerta.

O estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental terá que lidar com a necessidade de inovar e criar novas formas de fazer o trabalho de saneamento, necessário à sobrevivência da sociedade e decisivo na manutenção dos recursos do planeta. Se a visão que se tinha, há até pouco tempo, de que para resolver o problema dos alagamentos advindos da chuva era a de promover obras de macrodrenagem, hoje o desafio é partir para um tipo de drenagem sustentável: “Em vez de transportar as águas por canais para outro ponto, busca-se contê-las, armazená-las e inclusive aproveitá-las para outros usos”, especifica a docente.

Avanços – Passos lembra que, atualmente, a Bahia está elaborando a Política Estadual de Resíduos Sólidos, já aprovada em outros estados do país. Além disso, está em discussão no Senado brasileiro a Política Nacional de Resíduos Sólidos. Ele ressalta que, com a crescente exigência da legislação ambiental, o profissional tem sua importância valorizada no sentido de orientar e acompanhar as empresas em que trabalha.

Autor: A Tarde Online