Concessionário recusa modelo para ampliar Rodoanel em SP

O acidente nas obras do trecho Sul do Rodoanel paulista ocorrido na noite de sexta-feira, quando três vigas de um viaduto em construção desabaram sobre a Régis Bittencourt, somou-se aos problemas que o governo estadual vem enfrentando para tocar uma das suas principais obras de infraestrutura. Em agosto, o secretário de Transportes do governo de São Paulo, Mauro Arce, anunciou a intenção de construir o próximo trecho do Rodoanel, o Leste, sem colocar a mão no bolso. A ideia era fazer um arranjo em que o setor privado ficaria com a obra, pagando a despesa com a receita dos pedágios. Mas no governo já não há tanta certeza de que a fórmula dará certo. Segundo representantes do setor privado, o problema é que a conta simplesmente não fecha. As saídas para ajustar a contabilidade do projeto soam pouco atraentes ao governo paulista: ou ele põe dinheiro na obra, ou muda o regime tarifário adotado nos últimos leilões – baseado no modelo de menor preço do pedágio.

A secretaria ainda não definiu uma posição, mas precisa fazer isso até o fim do ano – o plano é licitar o novo trecho assim que o ramo Sul ficar pronto, previsto para 27 de março. O modelo da concessão sem dinheiro público implicaria ao concessionário desembolsar entre R$ 3 bilhões e R$ 4 bilhões para construir o trecho Leste, e levar como contrapartida o Sul, que custou R$ 4 bilhões ao Estado. Em troca ficaria com a concessão de um arco de 102 quilômetros no perímetro sul da grande São Paulo.

Apesar do tamanho do ativo, os empresários vêem receitas minguadas nas praças de pedágio. Uma empresa do setor prevê que o movimento de veículos no trecho Sul será a metade do registrado no trecho Oeste, concedido em junho do ano passado à CCR. No trecho Leste, o movimento será um pouco maior, mas ainda longe do registrado na primeira concessão – considerado o melhor de todos.

O caso é que o trecho Oeste liga as principais rodovias do Estado – Anhanguera, Bandeirantes, Castelo Branco, Raposo Tavares e Régis Bittencourt – e passa por uma região densamente povoada, hoje em pleno boom imobiliário. Grande parte do movimento do trecho Oeste é interno, deixando pouco tráfego para o tramo Sul, que o ligará ao complexo Imigrantes/Anchieta. O trecho Sul, além do mais, passa por uma de proteção ambiental, pouco habitada e sem nenhuma perspectiva de expansão imobiliária.

O trecho Oeste registrou uma movimentação respeitável de 25 milhões de veículos no terceiro trimestre deste ano – o terceiro maior fluxo do grupo CCR, atrás da Autoban e da Dutra. A empresa espera resultados melhores: com o acionamento do trecho Sul, a previsão é de um aumento de 30% a 40% no movimento de veículos.

O grande movimento do Rodoanel Oeste, contudo, não significa grande fluxo de caixa: em receita, o ativo está em quinto lugar na carteira do grupo – faturou R$ 32 milhões no terceiro trimestre, o equivalente a 4,1% da receita total. A tarifa média é de R$ 1,30, enquanto a média dos demais ativos da CCR é R$ 5,02.

Essa é outra preocupação do setor. Alguns empresários acreditam que o modelo de leilões por menor tarifa não comportaria um investimento de até R$ 4 bilhões em obras que podem levar mais de 2 anos para ficarem prontas. O modelo por menor tarifa, adotado nos últimos grandes leilões rodoviários, alcançaram deságios superiores a 60% – caso do Rodoanel Oeste – e registraram taxas de retorno bem mais modestas do que os até 20% dos leilões antigos – as novas projeções apontam taxas de 10%, ou menores. Os críticos apontam ainda a utilização de cenários econômicos excessivamente otimistas para acomodar as apostas.

Para um executivo da área, agora o setor já está bem mais escaldado. O último grande lance nos leilões rodoviários, a Dom Pedro I, feito no fim do ano passado, exigia outorga de R$ 1,3 bilhão, e atraiu um único concorrente – a Odebrecht.

Há também receio sobre o custo das obras, diz fonte do setor. O trecho Sul, estimado inicialmente em R$ 3 bilhões, ficou em R$ 3,5 bilhões após iniciadas as obras, e hoje já se fala em até R$ 4,5 bilhões para terminar o empreendimento – devido em boa parte ao impacto dos obstáculos ambientais. Como a obra foi contratada pelo Estado, ele é quem paga a conta. O novo trecho Leste deve sair por R$ 4 bilhões, nas estimativas do Estado – incluídas as desapropriações, bancadas pelo governo -, deixando o custo das obras em R$ 3 bilhões.

Caso o governo consiga inaugurar o seu trecho Leste do Rodoanel como pretende, faria a primeira concessão rodoviária “greenfield” do país – no jargão da área, um projeto iniciado do zero. Comum no setor elétrico, esse tipo de contrato é considerado pouco viável em outras áreas. O único caso semelhante foi a licitação do conjunto Anchieta/Imigrantes, em 1998, que incumbiu ao concessionário a duplicação da Imigrantes, o que custou cerca de R$ 1,5 bilhão. Mas o preço do pedágio, fixado pelo governo, é hoje dos maiores do país: a tarifa média é de R$ 11,63.

Supondo que o governo fixe uma tarifa mais alta, o último obstáculo seria levantar o dinheiro. As empresas reclamam da exigência de garantias corporativas do BNDES, o que pesa no balanço e já atrapalha projetos na área de energia. Com o alto custo das obras, os concorrentes serão poucos: aposta-se na CCR (de Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Serveng), na Ecovias (da CR Almeida) e na Odebrecht. Recém-chegada às concessões paulistas, a OAS montou um consórcio poderoso com Previ, Petros e Funcef para levar a Raposo Tavares no fim do ano passado, e pode entrar no time. Concorrentes fortes nos leilões recentes, a BRvias, OHL e TPI podem ficar de fora, diz-se, por falta de poder de fogo.

Autor: Valor Econômico