Sol para água limpa

Cientistas irlandeses estão utilizando a nanotecnologia para aprimorar um método de baixo custo para a desinfecção da água por meio da luz solar. O objetivo é minimizar os impactos das mudanças climáticas sobre a saúde humana.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 1,8 milhão de pessoas – a maior parte crianças com menos de 5 anos – morrem anualmente em decorrência do consumo de água contaminada. Esse quadro deverá se agravar ainda mais com o aquecimento global, de acordo com os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

Estudos coordenados por Patrick Dunlop, professor da Escola de Engenharia da Universidade de Ulster, na Irlanda do Norte, têm o objetivo de desenvolver fotocatalisadores nanoestruturados para aplicação em um equipamento de baixo custo que utilize a energia solar para purificar a água em regiões carentes.

A pesquisa – que faz parte do projeto Sodis (acrônimo para “desinfecção solar”, em inglês) financiado pela União Européia – foi apresentada por Dunlop durante o Workshop on Physics and Chemistry of Climate Change and Entrepreneurship (“Workshop sobre empreendedorismo e física e química das mudanças climáticas”), na sexta-feira (27/2), na sede da FAPESP.

O evento, que faz parte da programação do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais, integrou as atividades da Parceria Brasil-Reino Unido em Ciência e Inovação.

“A idéia é aprimorar as estratégias de desinfecção solar, desenvolvendo uma tecnologia social com base no aumento do volume de água tratada pelo Sodis, ampliando a eficácia e a velocidade do processo com uso de fotocatalisadores nanoestruturados”, disse.

O método, segundo Dunlop, é caracterizado por uma grande simplicidade: consiste em depositar água em garrafas PET, que são colocadas sob o sol por um período de cerca de 6 horas, normalmente sobre os telhados das casas, antes do consumo. Estudos anteriores mostraram, por exemplo, que crianças com menos de 6 anos que utilizaram água submetida à desinfecção solar tiveram sete vezes menos probabilidade de contrair cólera.

“O Sodis proporciona uma ação efetiva contra uma ampla gama de patógenos, com um processo muito simples e custo praticamente nulo. Por outro lado, alguns patógenos ainda são resistentes e há problemas para garantir a qualidade e as condições da garrafa”, disse.

Segundo ele, o projeto é realizado em diversos países da África, Sudeste Asiático e América Central, além de Peru, Equador, Bolívia e Brasil, onde foi implantado na comunidade de Prainha do Canto Verde, na região de Fortaleza (CE).

Recurso cada vez mais escasso – De acordo com Dunlop, o projeto é uma tentativa de contribuir para alcançar as Metas do Milênio da Organização das Nações Unidas, que incluem a redução pela metade, até 2015, do número de pessoas sem acesso à água potável no mundo. “Atualmente há mais de 1,1 bilhão nessa condição. A cada ano ocorrem 4 bilhões de casos de diarréia, sendo 88% decorrentes de uso de água contaminada”, disse.

Dunlop afirma que, de acordo com o IPCC, a situação de falta de acesso à água tende a piorar. “As mudanças climáticas acarretarão aumento da intensidade de precipitações e também períodos mais longos de seca. Isso exacerbará a poluição da água, com impactos nos ecossistemas e na saúde, além do aumento dos custos operacionais dos sistemas hídricos”, apontou.

O pesquisador citou o IPCC ao lembrar que o acesso à água deverá cair mais de 20% até 2050 em amplas regiões dos Estados Unidos, em quase toda a Europa, em toda a parte norte da América do Sul, incluindo o Norte e Nordeste do Brasil, em parte do Oriente Médio e em mais de 20 países africanos. “Mas, nas regiões mais pobres, a falta de acesso à água será mais grave. A contaminação da água deverá aumentar em cidades com favelas e esgotos a céu aberto”, disse.

O grupo coordenado por Dunlop desenvolveu protótipos de equipamentos que utilizam fotocatalisadores para acelerar a desinfecção da água. “O princípio é o mesmo, mas vamos substituir as garrafas PET por um reator de fluxo contínuo que está sendo desenvolvido na Espanha. Depois de uma análise de custo, esses aparelhos, em formato portátil, serão testados em comunidades africanas em 2009”, disse.

Segundo ele, os fotocatalisadores são fabricados com nanoporos auto-alinhados de dióxido de titânio, que têm tamanho controlável e diâmetro regular. “Estamos também desenvolvendo biossensores que indicarão quando a água estará pronta para o consumo seguro. O uso da nanotecnologia poderá aumentar a eficiência e a segurança do processo”, afirmou.

O professor da Universidade de Ulster conta que os equipamentos, que deverão custar o equivalente a cerca de 40 libras esterlinas, serão capazes de realizar a desinfecção de 2,5 mil litros de água por dia. E poderão também gerar atividade econômica nas comunidades carentes.

“O ponto principal é que se trata de uma tecnologia social. Portanto, essas comunidades serão envolvidas no próprio ciclo de produção do equipamento. Essa geração de uma atividade econômica é a principal vantagem em relação à alternativa de simplesmente fornecer bactericidas, mantendo a população dependente da ação de ONGs e governos”, disse. (Fonte: Fábio de Castro/ Agência Fapesp)

Autor: Agência Fapesp