Biocombustível sólido é alternativa para o ferro-gusa

O governo mineiro está empenhado em patrocinar um novo lobby verde que pode ajudar a indústria siderúrgica a encontrar uma saída para o impacto da crise internacional. Trata-se de promover o que está sendo chamado de “biocombustível sólido” ou “carvão vegetal renovável” e que vem a ser o plantio florestas de eucalipto para produzir ferro-gusa sem pressionar as matas nativas.

Por trás da iniciativa está a tentativa de conseguir o primeiro MDL programático do País. MDL é a sigla para Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, prevista no Protocolo de Kyoto, e que se traduz num instrumento em que os países ricos que têm que reduzir suas emissões de gases-estufa investem em projetos de tecnologia limpa nas nações mais pobres ou em desenvolvimento. Os primeiros recebem direitos de emitir, e os outros, créditos de carbono. 

A iniciativa da siderurgia mineira é similar a de um MDL setorial. Na versão “programática” submete-se o conjunto de projetos ao comitê da ONU que analisa as propostas de MDL. A estratégia reduziria os custos de projeto e de consultoria, além de dar mais visibilidade ao setor. Os pesos-pesados do aço e ferro estão juntos neste processo: a ArcelorMittal, V&M Tubes e Plantar. 

O primeiro passo é mudar a imagem negativa do setor, construída por décadas de desmatamento de florestas naturais. “Como a tradição brasileira sempre foi de consumir carvão vegetal de nativa, a imagem é muito negativa”, reconhece José Carlos Carvalho, secretário estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e que está pilotando o esforço . “O Brasil tem potencial para produzir carvão vegetal de forma sustentável e com um balanço de emissões muito positivo ao planeta.” 

Há cerca de 70 siderúrgicas a carvão em Minas. Os dados oficiais estimam que 50% do carvão vegetal produzido no Estado vêm de florestas plantadas – mas suspeita-se que o volume de carvão proveniente de matas nativas esteja subestimado nesta estatística. “Dos 50% de carvão vegetal que vêm de mata nativa, o produzido em Minas corresponde a uns 15%”, estima Carvalho, que participa da delegação brasileira nas conferências climáticas internacionais. “O resto vem, na forma de carvão, do oeste da Bahia, de Goiás, de Tocantins, do sul do Maranhão.” Ele adianta que há articulações com o Ibama e outros Estados para criar uma política comum que iniba a queima de florestas nativas. 

O lobby verde da siderurgia mineira ganhou pontos na semana passada quando 15 cientistas do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas na sigla em português, estiveram ali conhecendo o viveiro e o processo de carbonização da Plantar S.A, a primeira siderúrgica do País a se tornar autossustentável. Os cientistas do IPCC, o braço científico das Nações Unidas, tinham vindo ao Brasil para o primeiro encontro de especialistas que produzirá um relatório sobre energias renováveis no mundo, a ser publicado em 2010. Saíram surpresos. 

“O processo implementado pela Plantar parece um bom exemplo de como combustíveis fósseis podem ser substituídos de uma maneira sustentável e que leva em consideração não só os impactos ambientais como tem efeitos sociais positivos”, diz o professor alemão Manfred Fischedick, vice-presidente do Wuppertal Institut für Klima, Umwelt, Energie e coordenador do grupo de mitigação do relatório de renováveis do IPCC. “Replicar esta experiência no Brasil e em outras partes do mundo parece ser muito recomendável.” 

A experiência da Plantar é emblemática no rumo do carvão verde. A empresa tem uma área de 23 a 25 mil hectares de floresta plantada em Curvelo, a 180 km de Belo Horizonte. Ali, um viveiro produz 30 milhões de mudas de eucalipto por ano utilizando nove clones mais produtivos. Parte da produção do viveiro é vendida e o restante utilizada na produção de 240 mil toneladas/ano de ferro-gusa. A produtividade do processo saltou de 15 m3 por hectare por ano para os 40 m3 por hectare atuais. 

O pulo do gato da empresa esteve em alinhar a cadeia produtiva em uma rota ambiental. Em 1988 a Plantar quase quebrou quando o governo retirou os incentivos para atividades de reflorestamento. Mas em 2000, com o Protocolo de Kyoto em vigor, vislumbrou uma oportunidade de saída ao desenvolver um projeto de MDL.

 “Para produzir a mesma quantidade de carvão vegetal, o setor deveria usar uma área dez vezes maior de floresta nativa comparada à produtividade que consegue com clones”, estima Fabio Nogueira de Avelar Marques, gerente de projetos de carbono da Plantar. “Com os clones se consegue ter mais biomassa em menos hectares.” 

O projeto de MDL da Plantar prevê que, em 28 anos, a empresa consiga um ganho de 12,8 milhões de toneladas de CO2 Esta conta foi feita calculando o quanto a empresa deixa de emitir produzindo gusa a partir de carvão vegetal renovável e não coque – são 2 toneladas de CO2 emitidas para cada tonelada de gusa produzida com coque. 

“Com o carvão renovável a emissão ocorre na carbonização, mas as florestas absorvem este CO2 e o balanço é positivo”, diz Marques. E, ainda, há o benefício das florestas plantadas, no ciclo de sete anos do corte do eucalipto. Este estoque significa uma tonelada de CO2 por cada tonelada de ferro-gusa produzido. Ou seja, estão nos plantios, que levam sete anos para crescer mas só um sétimo é colhido a cada ano. O carbono está lá, na raiz, no tronco, na galhada das árvores e no solo. “A emissão líquida do processo com carvão vegetal é zero. No caso do carvão mineral, não, só existe a emissão”, diz Marques. 

Foi fazendo estes cálculos que a Plantar conseguiu montar seu projeto de MDL, reerguer-se e se tornar um modelo setorial. Não foi fácil, porque a empresa precisava de recursos imediatos para algo que levaria sete anos para dar retorno. Montou uma operação triangular. Negociou os créditos com o Fundo Protótipo de Carbono do Banco Mundial e conseguiu US$ 5 milhões com o holandês Rabobank. 

Um segundo projeto de MDL, há outra emissão de metano evitada. O metano, outro gás de efeito-estufa que é 25 vezes mais nocivo ao aquecimento global que o CO2, também ocorre na carbonização, mas em pequena quantidade. Controlando melhor a temperatura dos fornos, a Plantar conseguirá evitar, em 28 anos, a emissão de 400 mil toneladas de CO2. 

“A crise internacional nos atingiu da mesma forma que a todo o setor”, reconhece Marques, lembrando que um dos dois alto-fornos está parado. “Mas o carbono pode ser um fator importante para ajudar o setor na crise”, continua. e novo lobby verde da indústria siderúrgica, o chamado biocombustível sólido. “Todos falam no etanol, o biocombustível líquido. Mas do carvão vegetal sustentável e renovável não se fala”, reclama. 

O caminho da Plantar vem sendo seguido pelas outras grandes do setor. A ArcelorMittal Florestas tem 100 mil hectares de plantios florestais com eucaliptos, no sul da Bahia e em Minas, e tem um projeto de MDL nas áreas em que estimula plantios junto de produtores florestais. Os cientistas do IPCC, evidentemente, perguntaram se o eucalipto não exige água demais e seca o solo, e como evitam os males da monocultura. Marques mostrou a área de cerrado, que representa 20% da área total plantada da empresa.

 “Estamos fazendo isso há 40 anos. Se o eucalipto secasse o solo, isto aqui seria um deserto”, rebateu Geraldo Alves de Moura, diretor da Plantar S.A, apontando para o eucaliptal.

Autor: Valor Econômico